Saul Leblon: A importância de sonhar acordado

Eles podem até cassar Lula, não poderão impedi-lo de colocar a força e o simbolismo de sua liderança em um programa de reencantamento da luta democrática...

por Saul Leblon - na Carta Maior - 16/05/2017

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Depois de um domingo em que a Folha deu chamada na primeira página para que Luciano ' Caldeirão' Huck, o 'nova peça de reposição' de FH, nos informasse o fato relevante de que 'pode contribuir' com o país --embora ainda não na condição de presidenciável.
 
E que a outra peça do estoque de auditório, o prefake de São Paulo, elevou os decibéis dos ganidos de ódio, ciúme e sabe-se lá mais o quê contra Lula, em Nova Iorque.
 
Ao final de um dia em que somos informados de que há 200 mil caminhões parados no país, estacionados nas garagens porque a economia do golpe colapsou a nação e colapsou a ponto de tirar das estradas dois anos de produção das fábricas de caminhões --mas isso não é manchete do 'sério' jornalismo de economia, que prevê, há 365 dias, a 'retomada amanhã, graças à confiança dos mercados'.
 
Depois de Merval Pereira nos dar ciência de que eles perderam qualquer escrúpulo, emitindo uma ordem de prisão à Dilma, no Globo.
 
Ao ficar evidente que vão para o tudo ou nada depois do contravapor de Lula em Mouro,em Curitiba.
 
E evidenciado que a 'prova cabal' da delatora Mônica Moura é uma montagem rudimentar de email, de qualidade equivalente à ficha falsa da Dilma, manipulada pela Folha em 2009.
 
Depois de tudo isso, para não se render à prostração, ou ao menos para mitigar o fardo dos dias que virão, vale reler um trechinho que Antonio Candido nos legou.
 
É curto, mas precioso.
 
Com a sutileza do refinado intelectual que nos deixou na semana passada, aos 98 anos, essas poucas linhas nos devolvem o encanto de resistir à mediocridade infecciosa dos tempos sombrios, quando a ganância se despe das aparências e convoca a escolta da violência política para a defesa intransigente da desigualdade como condição natural da sua riqueza.
 
O contrato anti-social do golpe desvela a visceral necessidade de um projeto de futuro -- esse de direitos universais, condensado por Antonio Candido na radicalidade do direito humano à arte-- contraposto à condenação à pobreza integral que a coalizão da mídia com a escória e o dinheiro preconiza.
 
Quando a vilania se outorga o direito de interditar a reflexão da sociedade sobre as escolhas do seu destino, o antídoto ao pesadelo é exercer o direito transgressor de sonhar acordado.

Hoje no Brasil isso implica resgatar a confiança da população na capacidade coletiva de construir uma democracia social a partir da assembléia das ruas na maior oitava maior economia do mundo.

Não é pouco. Mas a alternativa é a servidão incondicional aos mercados por pelo menos 20 anos.
 
Se Lula liderar esse mutirão transgressivo dando às ideias o seu peso material em caravanas pelo país, terá subtraído ao golpe o derradeiro trunfo que seus cinzentos escribas antecipam na mídia: impedi-lo de concorrer em 2018.
 
Poderão fazê-lo até.
 
Mas não podem impedir que aquilo que ele simboliza se materialize em um programa de reencantamento, capaz de condensar isso que Antonio Candido nos confiou num quase poema em prosa: a importância de sonhar acordado para que o futuro seja algo mais que a simples reiteração do presente.
 
Com a palavra, Antonio Candido:
 
'A literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização -- uma das coisas mais importantes da ficção literária é a possibilidade de 'dar voz', de mostrar em pé de igualdade os indivíduos de todas as classes e grupos'
 
(Antonio Candido, em “O Direito à Literatura”,1988, texto no qual inclui a arte no rol dos direitos humanos; via El País)
 
Leia também sobre a mesma urgência,o texto indispensável do professor Aldo Fornazieri, que exorta a resistência democrática a cruzar o Rubicão das hesitações e sectarismos para fazer o que resta nesta hora crucial da vida brasileira: invadir Brasília.
 

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