Lula ganha o round e faz da mídia perdedor lateral. Por Tereza Cruvinel.

Ricardo Stuckert
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por Tereza Cruvinel - 11/05/2017

Por diferentes ângulos que se olhe, Lula venceu o round de ontem no depoimento a Sérgio Moro, ainda que não tenha mudado em nada as “convicções” do juiz e da Lava Jato. Disse Moro, naquela mensagem de vídeo aos apoiadores, que “nada de diferente ou anormal” aconteceria. Mas aconteceu: Os vídeos  que continuam sendo vistos por milhões Internet afora mostram que Lula cravou duas estacas sobre o que será a história da Lava Jato: a de que vem sendo perseguido (pelo que fez e representa) e acusado sem provas, um estigma nefasto para qualquer juiz; e a de que vem sendo massacrado por uma mídia associada aos acusadores, o que faz dela uma perdedora lateral. Pois se não é parte formal do processo, é instrumento indiscutível dele.

Depois, a enorme demonstração de apoio ao ex-presidente-réu nas cercanias do tribunal e a repercussão nas redes e na mídia internacional  não foram fatos “normais”. Nas redes, o êxito da hastag “MoropersegueLula” complementa o resultado desgastante para o juiz com o estigma da parcialidade. As respostas foram em sua maioria positivas para um interrogado firme e coerente, que conseguiu o desejado transbordamento do ato judicial em fato político.

Relativamente ao papel da mídia basta a leitura comparada entre a cobertura do depoimento feita por jornais brasileiros e pelos estrangeiros para se concluir que têm olhares e motivações bastante díspares em relação a Lula.

Detenho-me neste ponto da mídia antes de abordar aspectos da inquirição em si e de e suas consequências judiciais e políticas.  Os veículos de comunicação, não sendo públicos (embora as emissoras de rádio  televisão sejam concessões públicas), prestam serviços ao público que demandam a renovação diária de credibilidade. A credibilidade é que lhes assegura poder, influência, leitores, vendas e faturamento publicitário. A vigorosa denúncia que Lula fez em  suas considerações finais - que Moro permitiu a contragosto e não conseguiu conter e limitar no tempo – foram algo “diferente e anormal”.  Quando um ex-presidente e ainda líder muito popular denuncia uma perseguição midiática, algum efeito isso tem sobre a credibilidade da mídia. Ele citou as horas de ataques do Jornal Nacional e similares,  as quantas capas de Veja e demais revistas apontando-o como criminoso,  e as manchetes de jornais ao longo destes últimos dois anos.  Uma parte dos que viram ou ouviram a denúncia certamente verá nela um artifício de defesa. Mas outra parte, pelo menos, refletirá sobre a confiança que devem ter em veículos acusados de engajamento numa “caçada” política. Apenas a Folha de São Paulo destacou em sua cobertura esta importante passagem da fala final de Lula. Algum desgaste sobrará para a mídia, ainda que isso não mude também suas convicções, tanto quanto as da Lava Jato.

Na cobertura do próprio depoimento, viu-se nas manchetes nacionais desta quinta-feira um esforço para atribuir a Lula uma tentativa de “culpar” sua falecida mulher Marisa Letícia pela negociação interrompida do tríplex em causa. Ele não “culpou Marisa”, como dizem. Assumiu os atos que lhe dizem respeito, como a visita ao imóvel, a conversa preliminar com Leo Pinheiro, da OAS,  e a desistência do imóvel. Apenas destacou o interesse maior de Marisa pelo negócio, visto que foi ela, no próprio nome, que adquiriu a cota da Bancoop que seria usada como pagamento inicial.

Nenhum jornal brasileiro,  diferentemente do que fizeram jornais estrangeiros como The Guardian, Le Monde, The New York Times, Washington Post ou as agências AFP e Reuters, destacaram, por exemplo, os desafios de Lula a Moro, para que fossem apresentadas provas de que é dono do apartamento.  O Le Monde, assim como a reportagem da BBC, destacou a qualificação do julgamento como “farsa” por Lula. Este foi, invariavelmente, o tom usado pela mídia estrangeira, bem diferente do que foi adotado pela  mídia nacional.

Moro não se deu por achado na crítica de Lula aos vazamentos que municiaram a mídia em sua cruzada. Lula poderia ter sido  mais claro ao caracterizar a relação entre vazamento e massacre midiático.  Moro saiu-se com o argumento de que ali não era o foro adequado para reclamações da imprensa mas acabou escorregando ao dizer que ele também é muito atacado “por blogs que patrocinam o senhor”. Admitiu, portanto, que existem dois campos da mídia, o que patrocinaria a Lava Jato e o que patrocinaria Lula.

Mas, se Lula ganhou politicamente  o round do depoimento, servirá ele para  mudar seu destino e, por decorrência, o curso dos fatos políticos no Brasil? É pouco provável, pelo menos nesta fase de seu julgamento em primeira instância. Moro deixou claro, com suas perguntas, que compartilha da tese central dos procuradores=acusadores. Que poderia ter assinado o power-point do procurador Dellagnol, em que Lula é apontado como chefe de um esquema criminoso.   Quando fez perguntas sobre o mensalão, assunto fora da pauta, quando perguntou se Lula sabia da corrupção na Petrobrás, momento de um dos embates mais tensos, ou quando obteve a confirmação de que Lula realmente questionou Renato Duque sobre contas no exterior,  Moro deixou transparecer o que pensa sobre o papel do ex-presidente  em toda a trama da Lava Jato. Logo, é pouco provável que tenha sido convencido por Lula a absolvê-lo.

Lula cobrou provas com insistência, sabedor de que nisso reside a maior dificuldade de Moro para condená-lo na acusação de corrupção e lavagem de dinheiro relacionada com o tal tríplex.  O que a acusação tem são sinais de interesse pelo imóvel, depoimentos importantes, como o de Leo Pinheiro, de que ele estava reservado para Lula, mas nenhuma prova de que chegou a lhe pertencer. E muito menos de que o recebeu como vantagem indevida por favores concedidos à OAS na Petrobrás. Esta ausência de prova cristalina,  entretanto, não é problema para Moro. Ele já condenou outros acusados na Lava Jato baseando-se apenas em indícios fortes e deduções.

Agora virão as alegações finais, tanto da acusação como da defesa, logo depois a sentença. Espera-se, no meio jurídico, que Moro faça isso no máximo até o final de junho.     

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