Economia Verde – O subprime ambiental

Amyra El Khalili - ORIENTE mídia - 30/05/2017


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Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou. É preciso ir mais longe. Eu penso 99 vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho num grande silêncio e a verdade me é revelada.
(Albert Einstein)

O sistema financeiro internacional está em crise, enfrentando sérios problemas de credibilidade por fraudes e corrupções denunciadas desde 2008 com o escândalo do subprime, com a quebra do Banco Lehman Brothers, operações pirâmide, com a demissão de executivos de bancos por manipularem os cálculos da Taxa Libor (2012), entre outras especulações.
A Cúpula dos Povos, movimento paralelo à RIO+20, não se posicionou contra esse modelo neoliberal exclusivamente por questões ideológicas, mas por fatos comprovados à exaustão e suas consequências trágicas contra povos indígenas, povos tradicionais, campesinos e vulneráveis, e contra a degradação e a devastação ambiental.

Se foi esse modelo neoliberal, enraizado no capitalismo selvagem, o responsável pela crise ambiental e a exclusão social, como pode esse mesmo modelo ser a solução do problema?

O teórico Roger Babson, em setembro de 1929, cunhou o célebre vaticínio — “mais cedo ou mais tarde o crash virá, e poderá ser tremendo” — e foi ironizado, desacreditado e assacado pelos guardiões de Wall Street. Em outubro de 1929, os jornais estamparam a seguinte manchete: “QUEBROU! Uma irrefreável onda de vendas derruba o preço das ações, causa pânico na Bolsa de Nova York e leva milionários à bancarrota. Para onde vai a economia do país mais rico do mundo?”.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, no artigo “Geringonças teóricas” (Carta Capital, 2012), analisou: “Nos anos 1980 e 1990, na academia e no debate público, eram poucos os que ousavam discordar das virtudes da liberalização e da desregulamentação financeira, apresentadas como a forma mais eficiente de alocar os recursos. Quase em uníssono, os economistas acusavam o perecimento das velharias e ineficiências das políticas intervencionistas nos mercados de crédito e de capitais”.

Quando apostadores assinam contratos com corretoras de valores e de mercadorias concordam com as cláusulas contratuais; entre elas, a de que estão cientes de estar negociando em mercados de risco. Nem há como alegarem depois que foram “enganados”, pois os contratos são rigorosamente padronizados para evitar qualquer possibilidade de se repassarem aos agentes financeiros possíveis perdas.

Nos mercados derivativos (derivados de ativos), as operações são instantâneas e, em muitos casos, para minimizar riscos, necessitam travar (comprar e vender contratos) com outros ativos. Surgem daí as complexas geringonças financeiras.
O mercado de derivativos no Brasil é relativamente novo, tendo trinta anos, iniciado em 1986 pela Bolsa de Mercadorias & de Futuros (BM&F). Comecei com o primeiro tijolo da BM&F até chegar aos mercados de ativos ambientais. Hoje, sou extremamente crítica em relação à “financeirização”  das economias mundiais desencadeada pelos derivativos.

Financiar faz parte de uma política econômica que permite empreender negócios, comprar ou produzir bens e serviços, pagando sua dívida em longo prazo. Diferentemente das economias dos países desenvolvidos, neste continente latino-americano e caribenho, nos digladiamos com altas taxas de juros, considerando que a calculadora, por aqui, soma, diminui, multiplica, divide e exponencia, ou seja, faz cinco operações matemáticas. Usamos juros compostos quando a calculadora dos capitalistas do lado abastado do planeta usa apenas quatro operações e trabalha com taxas lineares (juros simples).

Este é o princípio da “financeirização” — somem-se a essa conta outros apetrechos, como taxas de seguros, análises de risco, consultorias de portfólios, corretagens, emolumentos das bolsas, contabilidades, impostos -, juntando ainda as taxas de juros com a sopa de letrinhas. A isso tudo chamam de “gestão financeira da coisa”. Desta forma, o custo do financiamento é encarecido para sustentar toda a indústria construída em torno da “financeirização”, sem contar com a estrutura de creditação, validação, certificação e consultorias de projetos ambientais pirotecnicamente complicados.
Afinal, indígenas, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, pobres e vulneráveis não têm competência para cuidar daquilo que lhes é peculiar: seu meio natural. Quem está preparado para a difícil tarefa de fazer a “gestão financeira da coisa”, com a parafernália em torno destas novas formas de garantir o aporte de recursos e captações para implementar as tais políticas públicas ambientais, além dos banqueiros e seus indicados consultores e pesquisadores, aparelhados com suas conclusões por encomenda, são algumas ONGs.

A “financeirização” demonstra a complexidade com que são desenvolvidos projetos financistas socioambientais veementemente defendidos pela doutrina da Economia Verde como a única alternativa capaz de salvar a natureza das ganâncias humanas. E por isso também foi duramente criticada pela Cúpula dos Povos durante a RIO+20.
Existem relatórios de experts em finanças internacionais, como o Munden Project, que concluiu que, entre outros fatores, os agentes intermediários serão os maiores beneficiários do mercado de carbono replicado com o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e suas variáveis, muito mais do que as comunidades a serem atendidas com a proteção da natureza. Há diversos relatórios do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM) que, didaticamente, esclarecem como funciona e por que é controvertido o mercado de carbono nos países do Norte e suas consequências para as comunidades locais e povos das florestas.

A Interpol (polícia internacional) publicou, em junho de 2013, o “Guide to carbon crime”, um guia alertando investidores sobre fraudes e estelionatos nestes emergentes mercados de ativos ambientais. Entre os crimes mais frequentes estão: manipulação fraudulenta de medições para conseguir mais créditos; venda de créditos que não existem ou que pertencem a outras pessoas; divulgação de informações falsas sobre possíveis benefícios ambientais e financeiros; fraude fiscal; roubo de créditos pela Internet e lavagem de dinheiro.

Considere-se também o roubo de terras indígenas como uma evolução da engenharia do crime contra os povos e o patrimônio ambiental e cultural da humanidade. O site Redd Monitor acompanha e registra os fatos mais controvertidos que proliferam com a voracidade de ganhar dinheiro fácil por estes mecanismos de finanças.

Portanto, ao rebaterem os críticos do pacote financeiro, que chamam de “Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA)”, com seus instrumentos econômicos correlatos, alegando não saberem (os críticos) como as coisas funcionam e não entenderem de nada versus nada, tentam, na verdade, esconder, como o avestruz que enterra a cabeça, o tamanho do corpulento rombo que se prenuncia com a embromação da Economia Verde.

Há também outros relatórios que mostram os infelizes resultados com estas polêmicas políticas públicas adotadas por alguns governos, atropelando a etapa anterior à de legislar, ou seja, a de consultar a sociedade para saber se concorda ou não com tal política pública. Digo, a legítima consulta pública. Não essa prática costumeira que convoca reuniões de última hora e, de preferência, com a conclusão já devidamente costurada com algumas ONGs, com os territórios a serem explorados previamente combinados e acertados os valores.

Depois, não resta ao povo desavisado senão assinar embaixo e ai de quem  criticar! Este não sabe nada, não entende nada e não participou de nada. Por outro lado, os conhecidos picaretas do mercado financeiro chamam a crítica de “inconsistência conceitual”, confundindo, propositadamente, alhos com bugalhos através da prática do assédio conceitual sub-reptício. Quando se apropriam de ideias alheias, esvaziam-nas em seu conteúdo original e as preenchem com conteúdo espúrio.

Mas, por favor, sejamos honestos: o mercado de carbono se sofisticou de tal forma que inspirou, a reboque e nos mesmos moldes, a formação de outros mercados, como os de compensações, de reserva legal, de créditos recebíveis, de passivos transformados em ativos, entre outras impressionantes criatividades. Coisa complicada até para quem conhece profundamente o mercado de commodities e derivativos. Parece algo muito inteligente, mas não vamos nos iludir: trata-se de um “tapa-buracos” do prejuízo amargado em outros mercados internacionais. Para tentar conter a bolha financeira que desencadeou as operações de subprime e derivados, buscam novas formas de captação de recursos.

Há uma série de empresas vendendo créditos de carbono e de compensações de áreas do Brasil e de toda a América Latino-Caribenha no exterior. O bioma amazônico, em toda a sua extensão, é o mais cobiçado pela atração e o fascínio que exerce na mente dos povos estrangeiros e de potenciais investidores de terras, por suas riquezas florestais, por sua biodiversidade, por seus minérios, águas doces e subterrâneas. Suspeitamos, pelos milhões de hectares de terra ofertados no exterior, que alguns estados já foram vendidos, sem exagero, bastando apenas contabilizar e entregar.

Este tipo de negócio chama-se “venda a descoberto” (short sale). É quando se vende no mercado de commodities e derivativos sem ter o ativo para entrega futura. Depois, sai-se correndo para comprar no mercado spot (à vista) para honrar as operações. Quando isto ocorre, o movimento é chamado de corner (o que significa encurralar, colocar num canto). O vendedor (short) é obrigado a comprar pagando o preço que estiver sendo ofertado no mercado; mesmo assim, não consegue encontrar liquidez para comprar o que vendeu sem ter para entregar. Concomitantemente, alguns governos, mais preocupados com eleições do que com os riscos e resultados desastrosos destes acordos, os seguem assinando com instituições financeiras internacionais e empresas estrangeiras. Assim é que vão produzindo uma espécie de “subprime ambiental”: empacotando as dívidas, os créditos bons com os ruins, transformando passivos (poluição, lixo químico, tóxicos, entre outros) em ativos ambientais e empurrando a conta dos “recebíveis” para pagamento das futuras gerações.

Não por acaso a Constituição brasileira está sendo desmantelada para viabilizar essa ofensiva fundiária, enquanto, simultaneamente, se espalham bases militares de potências imperialistas neste continente e proliferam os conflitos pela posse das terras com enfrentamentos e assassinatos de ativistas, lideranças comunitárias e jornalistas de resistência.

Por esses motivos, estamos investigando possíveis fraudes em anúncios de vendas destes créditos. Agimos para apurar denúncias e seguir cobrando rigorosamente do poder público e dos órgãos fiscalizadores, a despeito dos que rebatem nossas críticas. Até por que não sabemos nada, não entendemos nada e não participamos de nada!

Neste sentido — no do ganho de dinheiro com o serviço alheio (a natureza), militarizando-a e financeirizando-a, assim produzindo este novo “subprime ambiental” -, eles de fato são pioneiros!

Referências:

EL KHALILI, Amyra. Economia Verde: O subprime ambiental. Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA), Belo Horizonte, a. 12, n. 69, p. 9-11, mai./jun. 2013.

LANG, Chris. INTERPOL: Intangible carbon markets at risk from criminal networks. Acesso em: 8 ago. 2013. Capturado em: 28 mai. 2017. http://www.redd-monitor.org/2013/08/08/interpol-intangible-carbon-markets-at-risk-from-criminal-networks/#more-14259

EL KHALILI, Amyra. As commodities ambientais e a métrica do carbonohttp://racismoambiental.net.br/2017/02/17/as-commodities-ambientais-e-a-metrica-do-carbono/. Acesso em: 17 fev. 2017. Capturado em: 17 fev. 2017.

EL KHALILI, Amyra. O que se entende por financeirização da natureza?  http://port.pravda.ru/cplp/brasil/29-04-2016/40873-financeiracao_natureza-0/. Acesso em: 29 abr. 2016. Capturado em: 28 mai. 2017.

Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental e editora das redes Movimento Mulheres pela P@Z! e Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras.

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