Pepe Escobar: Emmanuel Clinton versus Marine LeTrump

25/4/2017, Pepe Escobar, The Vineyard of the Saker

Prossegue a contagem de mortos e feridos no mais recente terremoto geopolítico que afligiu o Ocidente: o Partido Socialista está morto na França. A direita tradicional, em coma. O que antes foi a Extrema Esquerda, está viva e bem viva.

Mas a verdade é que o se esperava que fosse o choque do novo, não é exatamente choque. Quanto mais as coisas flutuam na direção da mudança (na qual se pode crer), mais elas continuam exatamente as mesmas. Eis o novo normal: "sistema" reciclado – tipo Emmanuel Macron — versus "o povo" — tipo Marine Le Pen da Frente Nacional, em luta, dia 7 de maio, pela presidência da França.

Apesar de ser esse o resultado esperado, nem por isso deixa de ser significativo. Le Pen, rebatizada "Marine", chegou ao segundo turno da eleição, apesar da campanha medíocre.

Essencialmente, ela só fez remontar – mas não expandiu – sua base de eleitores. Escrevi em coluna para Asia Times que Macron nunca passou de produto artificial, holograma meticulosamente desenhado para vender uma ilusão.

Só os ingênuos terminais podem crer que Macron incarne alguma mudança, sendo, como é, o candidato da União Europeia, da OTAN, dos mercados financeiros, da máquina Clinton-Obama, do establishment francês, de cesta sortida de oligarcas do business e das seis maiores mídia-empresas francesas.

Quanto à estupidez da esquerda Blairista, é fenômeno inigualado no mundo.

Jean-Luc Mélenchon, da extrema-esquerda domesticada do movimento "França Insubordinada", conseguiu alcançar a direita católica de François Fillon nas etapas finais da campanha, mas o insípido candidato do Partido Socialista, Benoit Hamon, roubou de Mélenchon a chance de chegar ao segundo turno.

Quanto a Marine, caiu quase 4 pontos na etapa final da campanha. Com mais uma semana, Fillon, apesar do escândalo "Penelopegate", a alcançaria.

Marine só tem uma bala, até 7 de maio. Viajará freneticamente pela "França profunda", tentando converter o segundo turno em discussão sobre identidade francesa e em choque entre nacionalistas, patriotas e soberanistas, contra os globalistas pró-UE e praticantes urbanos da "modernidade líquida".

Isso tudo considerado, querem o quê?

Os da Frente Nacional estão prontos a rasgar em mil pedaços o programa neoliberal de Emmanuel Clinton, o que dará muito certo na França rural e pode mesmo atrair alguns votos desorganizados para Mélenchon.

Diferente de Fillon e Hamon, Mélenchon não se pôs imediatamente a pedir votos para Macron. Eleitores insatisfeitos de Fillon também podem transferir-se para Marine — considerando que Fillon opôs-se visceralmente ao que chamou de "Emmanuel Hollande."

É preciso passar os olhos, pelo menos, pelas promessas de campanha. Resumidamente, Marine promove um modelo social que "favorece o povo francês"; Macron só oferece vagas "reformas profundas".

O plano de Macron para economizar 60 bilhões de euros de fundos públicos implica demitir 120 mil servidores. É receita garantida para cenário de "me encontre nas barricadas".

Marine só diz que quer reduzir o déficit público – reduzindo os auxílio-saúde, a contribuição da França à União Europeia e a fraude fiscal.

Nenhum dos dois quer aumentar o salário mínimo e o Imposto sobre o Consumo [fr. VAT]. Ambos falam de reduzir o peso dos impostos sobre as empresas e ambos querem combater a "Uberização" do trabalho a favor das empresas francesas (Marine) e das empresas europeias (Macron).

A prioridade absoluta de Marine é reduzir o auxílio social para estrangeiros e devolver o "poder de compra" especialmente aos aposentados e trabalhadores de baixa renda. Sobre o desemprego, ela é sempre vaga.

As "reformas profundas" de Macron estão centradas no seguro-desemprego e nas aposentadorias. Parece interessado numa proteção universal para os desempregados, gerenciada pelo Estado. Todos estariam cobertos, inclusive no caso de demissão. Marine e Macron coincidem num ponto: melhor sistema de reembolso para serviços de saúde de custo mais alto.

A Europa está no âmago da luta Marine versus Macron: é Frexit, contra um "novo projeto europeu".

Em Bruxelas todos "votam" Macron, que propôs um orçamento para a Eurozona, um Parlamento específico e Ministério de Finanças específico. Em resumo: uma Bruxelas turbinada.

Frexit de Marine deverá ser decidido via referendum – consequência direta da obsessão da Frente Nacional com a imigração. Marine quer reduzir a admissão de imigrantes legais a 10 mil pessoa por ano (atualmente, são 200 mil), imposto-emprego para trabalhadores estrangeiros e sem auxílios públicos. Em contraste, Macron pró-imigração quer o que ele chama de uma França de portas abertas "fiel aos valores franceses".

Na política exterior, a questão é, toda ela, a Rússia. Marine quer um "realinhamento estratégico" com Moscou, especialmente para combater o terror jihadista-salafista.

Macron — refletindo um establishment francês tão russofóbico quanto os EUA – é contra qualquer realinhamento, embora conceda que a Europa terá de se entender com a Rússia (mas hoje Macron defende as sanções vigentes).

Sobre a tal Grande Muralha de Dinheiro 

Se a próxima disputa monstro, épica, pudesse ser definida por uma só questão, seria o poder ilimitado da Grande Muralha de Dinheiro.

Macron entende que a dívida e os custos dos serviços públicos são os únicos fatores responsáveis pela dívida da França; assim sendo, é preciso ter "coragem política" para promover reformas.

O sociólogo Benjamin Lemoine é dos raros que debatem publicamente o que realmente está por trás dessa questão: o interesse da grande finança em preservar o valor dos papéis da dívida que guardam no cofre e a histórica aversão da mesma grande finança a qualquer tipo de negociação.

Porque são eles que controlam a narrativa, conseguem apresentar como se fossem equivalentes o "risco político" – seja Marine seja Mélenchon – e o risco que ameaça as próprias posições privilegiadas deles mesmos.

O que realmente está em disputa na França – e praticamente por todo o Ocidente – gira em torno de interesses conflitantes, dos Masters da Finança e dos cidadãos que dependem de serviços públicos e de justiça social.

O embate que se aproxima entre Emmanuel Clinton e Marine LeTrump ainda nem começou a arranhar a superfície dessa luta.*****





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