Paulo Nogueira: Carta Aberta a FHC.
Postado em 07 Apr 2017
Caro FHC
Votei no senhor mais vezes que em qualquer outro candidato.
A última vez em que fiquei pessoalmente arrasado com a derrota de alguém foi quando o senhor perdeu a prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros.
Deixei de votar no PSDB quando o partido começou a se tornar o que é hoje: uma reedição da UDN de Lacerda, em que ao moralismo demagógico e cínico se soma um conservadorismo petrificado.
Atribuí este movimento rumo à direita, em certo momento, a Serra. Mas hoje tenho clareza de que o senhor também empurrou o PSDB para o neoudenismo que o vai transformando em quase nada.
Faz já algum tempo que não espero muita coisa do senhor, dadas suas manifestações públicas.
Ainda assim, mesmo com expectativas baixas, fiquei surpreso com seu palavreado chulo numa entrevista dada à Veja.
O senhor é a Veja. A Veja é o senhor. É uma comunhão patética para um sociólogo que entrou para a política com o propósito de renová-la, na redemocratização do país, no final da década de 1970.
A frase que simboliza seu mergulho nas trevas foi destacada e louvada pela Veja: “É preciso tirar essa gente do poder.”
Essa gente.
Fosse outra a época, e os militares estivessem à espera de uma chance para derrubar um governo eleito, o senhor estaria certamente dizendo aquela frase a generais, como Lacerda. E a repetiria, em inglês, a representantes do governo americano.
Votos, senhor. É com votos que o seu partido poderia tirar “aquela gente” do poder.
Mas onde estão estes votos? O senhor imaginava que o apoio da plutocracia e da mídia traria votos para o PSDB? Foi o mesmo delírio que teve, no passado, a UDN.
Como um estudioso, o senhor deveria conhecer isso, para não repetir o mesmo erro. Esta miopia, hoje, me faz duvidar até de sua capacidade como intelectual.
Como demagogo, o senhor repete que o maior problema do país é a corrupção, para enganar o povo. Partindo de um homem que se reelegeu graças à compra de votos no Congresso, é algo que mistura comédia com tragédia, descaro com mistificação.
Ora, a real tragédia nacional é a abjeta desigualdade, e contra ela suas realizações, como presidente, são medíocres.
A idade melhora certas pessoas. Um contemporâneo seu, o Papa, é um dos combativos propagadores da causa da justiça social.
Quando comparamos a essência das declarações de Francisco e as suas, vemos grandeza épica de um lado e pequenez míope de outro.
Com tudo isso, não me arrependo dos votos que dei para o senhor. Prefiro pensar que votei num outro homem, com outras ideias e outros propósitos. E não na versão do século 21 de Carlos Lacerda, o Corvo, com o mesmo reacionarismo mas sem a verve da versão original.
Sinceramente.
Paulo Nogueira
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