MK Bhadrakumar: EUA não suportam mais pressão no Afeganistão
25/4/2017, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
A fervente rivalidade EUA-Rússia no Afeganistão teve virada brusca, com a ameaça explosiva feita pelo secretário da Defesa dos EUA James Mattis, em visita a Cabul, na 2ª-feira. Nas palavras de Mattis, Washington "confrontará a Rússia" por violação de leis internacionais, por mandar armas para os Talibã. Mattis disse isso ao responder a uma pergunta que tudo faz crer que tenha sido plantada pelos EUA, enunciada por um correspondente do Washington Post – que perguntou sobre armas russas "vistas em mãos de Talibãs" em Helmand, Kandahar e Urozgão (províncias que têm fronteira com o Paquistão.)
O general John Nicholson, comandante dos EUA no Afeganistão, que estava ao lado de Mattis recusou-se a desmentir o noticiário sobre armas russas, mas tampouco tinha qualquer detalhe a acrescentar. Limitou-se a observar que "continuamos a reunir informes sobre essa assistência." Mas Mattis mesmo assim avançou nas ameaças a Moscou:
· "Os russos parecem estar escolhendo ser concorrentes estratégicos em inúmeras áreas. Quanto a detalhamento [ing. granularity] e sucesso que estejam obtendo — acho que a Justiça está cuidando disso... Direi que nos engajaremos diplomaticamente com a Rússia. Faremos isso onde pudermos. Mas teremos de confrontar a Rússia onde o que estão fazendo contraria a lei internacional ou nega a soberania de outros países. Por exemplo, qualquer arma que seja canalizada para cá por país estrangeiro seria – seria violação da lei internacional, a menos que entrem mediante o governo do Afeganistão para – para as forças afegãs. E assim tem de ser tratado como violação da lei internacional."
É dramática escalada retórica. Por que agora? Na verdade, vejo contexto com três possíveis vetores. (Afinal, Mattis tem fama, ele pessoalmente, de ser "general que pensa".)
Em primeiro lugar, claro, o contexto imediato da visita dele ao Afeganistão foi o devastador ataque pelos Talibã contra o quartel-general do exército afegão em Mazar-i-Sharif, no qual foram mortos 200 soldados, e que levou à demissão do ministro da Defesa e do comandante do Exército afegão.
Embora nenhum norte-americano tenha morrido naquele ataque, foi golpe forte contra os generais do Pentágono, que vivem a dizer que estariam fazendo trabalho excelente de "construir capacidade" para as forças armadas afegãs. Dito de modo simples: Mattis e Nicholson estavam, provavelmente, tentando modificar a narrativa.
Fato é que Mattis de modo algum teria esquecido que armas russas "apareceram" em mãos dos Talibã em Helmand, depois que um deslocamento de Marines, saídos de Camp Lejeune, Carolina do Norte para aquela província começou "discretamente" semana passada, e é o primeiro desses deslocamentos de Marines desde 2014, quando o presidente Barack Obama anunciou o fim da missão de combate dos EUA no Afeganistão. A última coisa que Trump deseja agora seriam sacos de cadáveres vindos de Helmand (que faz fronteira com o Baloquistão do Paquistão).
Em segundo lugar, a iniciativa regional russa de dar a partida num processo político para construir a paz no Afeganistão com toda a certeza está enlouquecendo os norte-americanos.
O Pentágono tem razão para se preocupar com a evidência de que a ocupação continuada pelos EUA (bases militares no Afeganistão) poderá tornar-se impossível, se o processo político avançar e algum consenso regional a favor da reconciliação entre os próprios afegãos comece a operar na direção de restaurar a soberania do Afeganistão. (Por falar disso, representantes dos Talibã com base no Qatar viajaram à China recentemente.)
A principal preocupação de Washington pode bem ser que a própria opinião pública afegã venha a perceber que a iniciativa regional liderada por Moscou é a melhor (e única) plataforma hoje disponível para efetivamente pôr fim àquela guerra tão sangrenta quanto sem sentido.
Terceiro, se a fala de Mattis dirigida à Rússia assumiu traços de clara hostilidade, a mudança também reflete a frustração cada vez mais profunda entre os norte-americanos, ante o desafio, por Moscou, de todas as geoestratégias norte-americanas que estão sobre a mesa – no Irã, na Coreia do Norte, na Ucrânia, na Turquia, na Síria e por aí vai. O tabuleiro vai cada vez mais mostrando cenário de "xeque e xeque-mate" contra os norte-americanos, o que, por sua vez, expõe os limites da hegemonia global dos EUA.
Especificamente, Mattis pode estar revidando, logo depois de aparecerem notícias de que Moscou já tem planos feitos para enviar Forças Especiais para as áreas de combate chaves na Síria, para pôr fim aos grupos extremistas (os quais recebem apoio de EUA-Israel). A frase de Mattis, de que a Rússia estaria "violando a lei internacional" no Afeganistão é particularmente estranha, e repete exatamente a acusação que Moscou faz aos EUA, quanto à intromissão nos assuntos da Síria.
Interessante, há também algumas subtramas na conferência de imprensa de Mattis em Cabul:
A) Mattis foi evasivo quanto a o presidente Donald Trump deslocar "mais milhares" de soldados para o Afeganistão –, como o Pentágono recomendou que fosse feito. Mattis disse com muita desenvoltura que "nossa revisão em Washington é um diálogo com o secretário [de Estado Rex] Tillerson e o presidente e sua equipe na Casa Branca. E devo dizer que não temos qualquer ilusão quanto aos desafios associados a essa missão."
B) Mattis criou um escudo contra qualquer pergunta direta sobre os objetivos da guerra dos EUA no Afeganistão.
C) Tocou na reconciliação com os Talibã – "Se os Talibã quiserem unir-se ao processo político (...), basta que renunciem à violência e rejeitem o terrorismo. É exigência bem baixa, para integrar-se ao processo político."
Significativamente, Mattis visitou Cabul apenas uma semana depois da missão de investigação chefiada pelo diretor da Agência de Segurança Nacional general-tenente HR McMaster que reporta diretamente a Trump. Transcrição daconferência de imprensa de Mattis está aqui.*****
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