Condução coercitiva e busca e apreensão viraram castigos judiciais. Por Eduardo Guimarães
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Na última terça-feira à noite, saí para jantar fora com a minha esposa, minha filha Victoria e bons amigos que vieram para nos distrair de todo o drama que estamos vivendo. Minha mulher, porém, passou a noite distante, olhar perdido, calada. Prenúncio de que não estava bem.
Como vem acontecendo desde o aumento brutal de minha exposição na grande imprensa, fui reconhecido por simpatizantes que também ceavam no restaurante. Minha esposa, porém, fica temerosa quando sou reconhecido na rua.
O que ocorre é que, desde que tudo isso começou, venho sendo reconhecido por simpatizantes e antipatizantes. Os primeiros vêm sendo efusivos e os segundos, por sorte, comedidos.
No dia seguinte à condução coercitiva, jantávamos fora quando um grupo de homens velhos, ricos e de meia idade se aproximou de nossa mesa e começou a comentar como julga “absurdo quem não é jornalista se meter a fazer jornalismo”.
À óbvia provocação deixou minha esposa nervosa; teve medo que eu reagisse. Fingi que não era comigo e eles se cansaram e foram embora. Mas outros virão.
Voltando à noite de terça-feira, quando chegamos em casa ela estava nervosa, não se sentia bem e acabou me pedindo para largar o jornalismo porque “neste país a gente não pode dizer o que pensa livremente”.
Lembrou dos momentos de terror que vivemos enquanto os meganhas do juiz Sergio Moro reviravam nosso lar. Falou dos olhares de reprovação de certos vizinhos, das terapeutas de minha filha que se desligaram do tratamento dela por ignorância e falta de humanidade.
Fiquei muito abalado com o abatimento da minha mulher; justo ela, mulher corajosa como poucas. Não me contive e relatei no Facebook o desabafo dela em um protesto contra a violência de que meu lar foi vítima.
Alguns entenderam que vou desistir do meu trabalho jornalístico porque minha mulher pediu, mas eu a convenci de que baixarmos a cabeça, de que acovardarmo-nos não seria melhor, mas pior porque é isso que nossos algozes buscam.
Desistir de lutar é tombar sem honra. E permitindo ao inimigo ser ainda mais perverso.
Explico todo esse drama porque, conversando com advogados, juristas, cientistas sociais, enfim, com toda sorte de pensadores do Estado de Direito, chegamos à conclusão de que instrumentos da lei como condução coercitiva e ordem de busca e apreensão estão sendo distorcidos.
O instituto da condução coercitiva é imprescindível para a prevalência da lei. Se a Justiça ou a autoridade policial exigem a presença de alguém e essa pessoa ignora a exigência de autoridades constituídas, não há outro jeito além de usar a coerção.
No caso da busca e apreensão, trata-se de um método investigativo extremo, mas que precisa ser usado em benefício da sociedade contra criminosos que tentam ocultar seus intentos.
Tudo muito bom, tudo muito bem. Até, porém, que tais instrumentos para o cumprimento da lei se convertam em instrumentos de tortura, em meios para castigar inimigos pessoais de autoridades ou para gerar efeitos políticos.
O exemplo mais cabal desse uso maléfico de instrumentos legais foi a condução coercitiva do ex-presidente Lula.
É óbvio que um ex-presidente da República não precisava ser levado à força para depor; só uma mente insana imagina que ele se negaria a tanto. E que, vivendo tudo o que estava vivendo há tanto tempo, dificilmente teria em casa alguma coisa que o comprometesse.
É igualmente óbvio que a condução forçada de Lula para depor e a devassa em seu local de moradia e no de trabalho tiveram a intenção de castigar o inimigo político Lula e ao mesmo tempo desmoralizá-lo, além de fragilizar sua família.
Todos sabem que dona Marisa Letícia faleceu por estar vivendo um clima de terror como o que atingiu minha esposa 24 horas antes de eu escrever este texto.
A quem reclamar da Justiça brasileira? A corregedoria da Justiça está prostrada diante do apoio popular de autoridades que abusam de seu poder para torturar inimigos políticos e pessoais não só por vingança, mas para ganharem popularidade entre energúmenos que se regozijam com o sofrimento de quem pensa diferente deles.
E como há energúmenos neste país…
Há pouco o que fazer. Mesmo processos eleitorais são relativos, pois a casta abastada e poderosa que derrubou o governo Dilma Rousseff não irá se deter nem diante do voto popular para afastar quem governe de forma que desagrade a essa minoria infinitesimal.
Porém, assim como durante a ditadura militar, em algum momento o povo mesmo vai dar um basta nessa situação. As pessoas que aceitam essas barbaridades vão entender, cedo ou tarde, que arbítrio não respeita nem ideologias.
Soltar o arbítrio na sociedade equivale a abrir a jaula de um leão do zoológico esperando que ele faça distinção entre cor da pele, classe social e ideologia dos que encontrar pela frente. Mas, por incrível que pareça, os fascistas e golpistas acreditam nisso.
Enquanto os golpistas não desfiguram de vez o STF, é lá que reside a esperança de barrar esse uso bestial de instrumentos como condução coercitiva e busca e apreensão. Que a mais alta Corte de Justiça do país ponha um paradeiro nessa vergonha antes que seja tarde.
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