Pepe Escobar: Integração da Eurásia avança em terceira

25/2/2017, Pepe Escobar, SputnikNews

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A Europa, relativamente integrada, vive em velocidade de segunda marcha de facto. A integração da Eurásia, work in progress e com alcance muitíssimo maior, é processo que avança nesse momento em terceira marcha, como se vê pelo posicionamento dos três '-stões' centro-asiáticos.

Longe do ciclo frenético do noticiário 24 horas/dia, 7dias/semana, o Turcomenistão caminhou silenciosamente para as urnas. O presidente Gurbanguly Berdymukhamedov, no poder agora há dez anos, alcançou 97,69% dignos da Coreia do Norte dos votos, entre 3,22 milhões de cidadões registrados para votar.

Tudo indica que o nome de Gurbanguly não será jamais corretamente pronunciado no Departamento de Estado dos EUA na Av. Beltway, como Melissa 'Spicey' McCarthy sugere fortemente num sketch de TV já legendário. Nada que preocupe alguém que fez erigir em ouro uma estátua de si mesmo em Ashgabat e trabalha também como cantor folk superstar.

Gurbanguly está garantido por mais sete anos no poder, graças a uma reforma constitucional aprovada em setembro passado. Foi dentista do líder anterior, impressionantemente excêntrico Saparmurat Niyazov, que morreu de ataque cardíaco em dezembro de 2006.

Os '-stões' centro-asiáticos configuram a proverbial encruzilhada dos impérios: China a leste, Turquia a oeste, Rússia ao norte, Afeganistão e Índia ao sul.

Longe vão aqueles dias no final do século 19, quando Londres e São Petersburgo disputavam O Grande Jogo em seus vastos territórios. Foram também tempos quando, depois do 11/9, Washington fez avançar  O Novo Grande Jogo, mediante a expansão de seu Império de Bases e Dick "O Lado Obscuro" Cheney enviava missão após missão para assinar negócios que lhes faziam saltar os olhos das órbitas, de petróleo e gás do Cáspio.


Atualmente, o nome do jogo é uma lenta, mas garantida, interpenetração e integração do projeto Um Cinturão, Uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)] com a União Econômica Eurasiana [ing. Eurasia Economic Union (EEU)], para formar um Grande Empório Eurasiano.

E o que chama a atenção é que aquele idiossincrático, esquisito, autoisolado Turcomenistão, perfeita e absoluta 'República de Gás' (a quarta maior reserva do mundo) não está integrado ao jogo.

Pior: por causa de uma má gestão geoeconômica indecifrável, Ashgabat está não apenas criando riscos para suas relações com seus dois maiores compradores de gás natural – Irã e Rússia – mas tampouco fechou qualquer acordo lucrativo para vender gás à disposta e competente União Europeia. Daí o cenário uber-surrealista, de uma república de gás incapaz de monetizar sua riqueza natural – além do gasoduto Turcomenistão-China, o primeiro a levar gás natural da Ásia Central para a China.

Oleogasodutostão contudo é caixa de surpresas em eterna evolução. A possibilidade de o gás turcomeno chegar ao Ocidente via Irã permanece, se se considera que a construção de um gasoduto trans-Cáspio até o Azerbaijão continua a ser completo e absoluto pesadelo geopolítico, logístico e financeiro.

As melhores opções seriam ou um gasoduto Turcomenistão-Irã até um terminal de exportação de Gás Natural Liquefeito [ing. LNG] em Omã, ou outro, que conecte com a Turquia através do Irã e dali ligado ao Gasoduto Trans-Anatoliano e ao Corredor Sul de Gás da União Europeia.

Bruxelas, obcecada com a dependência europeia da Gazprom, é apaixonada promotora dessa solução, que também implicaria preços mais baixos para o gás. Moscou, que compete com Ashgabat, não está exatamente interessadíssima.

Possível cunha nessa engrenagem seriam – e o que poderia ser, senão eles? – os terroristas do Daech. O mais terrível pesadelo de segurança da Ásia Central tem tudo a ver com o Daech instalar califato alternativo no oásis de água e agricultura ao longo do rio Murghab, no canal Karakum e no rio Amu Darya, que o Turcomenistão partilha com o Uzbequistão.

Imaginem a possibilidade de um Califato Centro-Asiático com acesso próximo a suprimentos ilimitados de gás natural. Não surpreende que a Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organization, SCO] – até aqui deixada de lado por Ashgabat – já esteja sob sinal vermelho.

Putin no Tadjiquistão 

Comparem as idiossincracias azul e ouro do Turcomenistão com o Tadjiquistão privado de fontes de energia, que está a um passo de se converter em membro pleno da União Econômica Eurasiana que atualmente reúne Rússia, Armênia, Belarus, Cazaquistão e Quirguistão.

O presidente Putin em breve fará um tour centro-asiático pelo Tadjiquistão e Quirguistão. A proverbial cooperação em comércio, investimento, energia, educação e ciência estará sobre a mesa.

E há, sim a questão tadjique chave: trabalho de migrantes. Já há até, se pode dizer, uma ponte aérea, tantas são as linhas russas e tadjiques autorizadas a voar regularmente de um lado para o outro.

O Tadjiquistão pode ser grande importador de bens e serviços russos. Mas o que Dushanbe exporta é, sobretudo, a própria força de trabalho. O dinheiro que tadjiques enviam para as famílias responde por metade do PIB do país, cerca de $4 bilhões/ano. Segundo o Diretorado Principal para Questões de Migração em Moscou, ano passado houve quase 900 mil tadjiques residentes na Rússia. Contando o mercado negro, o número é muitíssimo superior a isso.

Assim sendo, a questão da migração terá de ser acertada, no caso de o Tadjiquistão passar a integrar a União Econômica Eurasiana. O apoio popular à integração é alto, 68%, segundo pesquisa recente do Banco Eurasiano de Desenvolvimento.

Há corredor, sairei a viajar

A estrela da Ásia Central continua a ser, inquestionavelmente, o Cazaquistão. Paraíso de petróleo e gás, muito urânio, no coração da Eurásia; economia que funciona, altamente "investível"; e diretamente conectada a ambos os lados, ao Projeto OBOR e à União Econômica Eurasiana.

A política geoeconômica oficial é tipo Cazaquistão em Primeiro Lugar, o que implica Astana manter boas relações sem discriminação, com Moscou, Pequim e Washington. 


As conversações de paz para a Síria, as que realmente contam, estão acontecendo em Astana. O presidente Nursultan Nazarbayev está trabalhando em tempo integral. Foi em grande medida responsável pela détente Erdogan-Putin ano passado, que culminou em receber em sua capital o processo de tentativa de paz e em firmar o papel de Astana como ator ator geopolítico top, multicultural, multiétnico. E só ajuda que o Cazaquistão esteja com assento, por dois anos, no Conselho de Segurança da ONU.

A espetacular entrada na maturidade como ator mundial está marcada para esse verão, na feira internacional EXPO-2017, que acontecerá de junho a setembro. O tema geral é Energia Futura: energia limpa, novos materiais de construção e tecnologias de grade inteligente. Significa que Astana já se posiciona, inteligentemente, com muito mais que petróleo e gás.

A EXPO-2017 está custando em torno de $3 bilhões, financiada por um mix público/privado. O local depois será convertido no  Astana International Financial Center, um ambicioso centro de encontro e articulação para todos, da Ásia Central ao "Cáucaso, China Ocidental, Mongólia e Europa."

O ângulo norte-americano no Cazaquistão pode vir a ser chave no governo Trump. A Exxon faz negócios no Cazaquistão há mais de 20 anos. Quase tudo tem a ver com o campo Kashagan, imensamente complicado e caríssimo, ao norte do Cáspio, perto de Atyrau – que só no ano passado começou a exportar petróleo.

O secretário de Estado dos EUA T. Rex Tillerson tem longa história de tentar impedir a venda da parte da Exxon na empresa estatal de petróleo KazMunayGas abaixo do preço que ele desejava. No final, cedeu. Mas se os preços do petróleo subirem, a Exxon voltará inevitavelmente a Kashagan, num piscar de olhos.

E há também o campo Tengiz, onde Exxon, Chevron e (atualmente autorizada pelos EUA) Lukoil combinaram investir estonteantes $37 bilhões ano passado. Assinaram a parceria original antes das sanções impostas pelo governo Obama.

Não surpreendentemente, muita coisa está na dependência de as sanções serem levantadas. Seria luz verde para uma renovação da parceria entre os "Big Oil" dos EUA e da Rússia. A Exxon, estrategicamente, também financiou programas de educação superior na Universidade KIMEP em Almaty.

Também não surpreendentemente, a China já é principal investidor do Cazaquistão. Nesse caso, tudo tem a vem com o projeto "Um Cinturão, Uma Estrada", como se lê num detalhado relatório do Conselho Europeu de Relações Exteriores sobre "nodos privilegiados de transporte e gás na Ásia Central". 80% de todo o investimento externo nos '-stões' da Ásia Central vai para o Cazaquistão.


O Banco Mundial prevê 4% de crescimento do PIB até 2019. O Cazaquistão – ao lado do Irã – aparece como um dos principais corredores comerciais da China, no Santo Graal de um empório Eurásia de tarifa unificada. O ex-ministro de Relações Exteriores do Cazaquistão Erlan Idrissov não poderia ter sido mais explícito: o objetivo é converter o país num "nodo logístico para China e Eurásia".

Projeto "Um Cinturão, Uma Estrada"? União Econômica Eurasiana? Corredores comerciais de primeira linha? Integração da Eurásia? Nada significariam, não fosse aquele swing cazaque. *****

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