“João e o beduíno” – o conto de fadas macabro da Folha de São Paulo

Era uma vez um menino chamado João. Um dia, dois beduínos pegaram João pelos braços e o levaram para a “terra do nunca”, onde vivem os meninos pedidos.

Sergio Saraiva - março 8, 2017 - Cidadania

Habib´s
João era da Brasilândia e tinha 13 anos. E assim será pela eternidade, por mil e uma noites.
João tinha os dentes quebrados e não tinha escola. Ou tinha, mas ela não o atraia. A rua atraia.
João tinha pai e mãe separados. Uma irmã de 17 anos grávida e uma mãe grávida também.
Quando tinha fome, João pedia comida. Mas não pedia para o pai catador de sucata. Já aprendera que pedir o impossível não é para quem é pobre.
João pedia comida para quem tinha pão, mas não tinha fome… de justiça. Seu erro fatal.

Um dia, dois beduínos pegaram João pelos braços e o levaram para a “terra do nunca” onde vivem os meninos pedidos.
A Brasilândia não deixa de ser a “terra do nunca”. Mas João foi levado para o lado dos mortos da “terra do nunca”. De onde ninguém nunca voltou.
João morreu.
Não, a história de João não pode ser descrita em um livro infantil. Mas é tão comum por aqui que foi assim que a manchete da Folha de São Paulo a descreveu:
“Morto em frente a Habib’s, garoto empinava pipa e usava lança-perfume”.
Nessa manchete não há menino morto aos 13 anos. Há somente “morto”. Poderia se referir a um animal qualquer que antes estivesse vivo e agora está “morto”.
Nem há funcionários do Habib´s perseguindo um menino, arrastando seu corpo agonizante e o abandonando na calçada. Não, nem há o Habib´s. Há apenas o “morto na frente do Habib’s”.
Causa mortis? Drogas.
Não há perseguição de homens a meninos. Há apenas uma ”confusão na lanchonete”.
As imagens da realidade não interessam nem a Folha e nem a seus anunciantes.
A Folha preferiu escrever um macabro conto de fadas.
PS1: Otávio Frias Filho – o dono da Folha de São Paulo – escreve livros de literatura infantil. Mas não os escreve para o João da Brasilândia. Escreve-os para os filhos de Alberto Saraiva.
Alberto Saraiva – o dono do Habbi´s – escreve livros de autoajuda na primeira pessoa. Não creio que servissem de qualquer ajuda para o João.
Literatura inútil.
PS2: aviso importante – nem todo Saraiva é neto do meu avô. Esta Oficina tem um nome e uma tradição a zelar.

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