Professor morre em reunião tensa de remanejamento imposto por Richa

Portal Vermelho - 3 de fevereiro de 2017 - 17h19 


Leandro Taques
  
Como ele, milhões de trabalhadores em todo o mundo são vítimas da burocratização e da arbitrariedade do Estado: privados do acesso a direitos previstos na legislação, eles costumam ser submetidos a altos níveis de tensão e estresse, que podem levar a circunstâncias extremas.

Um caso similar aconteceu em Curitiba, na última quarta-feira (1). A professora Maria de Fátima Girelli, que dava aulas de História no colégio Brasílio Vicente de Castro, localizado no bairro Cidade Industrial de Curitiba (CIC), sofreu um infarto e morreu durante uma reunião para discutir a redistribuição de aulas imposta pela Secretaria de Estado da Educação (Seed). A um ano da aposentadoria, ela estava farta dos desmandos promovidos pelo governo estadual (Beto Richa-PSDB-PR) e dividia com os colegas de trabalho sua angústia e nervosismo.

Injeções de adrenalina, choques e massagens cardíacas. Apesar do esforço dos colegas e dos profissionais de saúde, quando a professora chegou ao hospital Vitória, o quadro era irreversível.



Tensão

Segundo o médico e pesquisador Guilherme Souza Cavalcanti Albuquerque, que tem estudos na área de saúde do trabalhador, "não dá para afirmar a relação causal sem uma investigação específica do caso, mas é muito provável que a tensão da reunião tenha contribuído".

Na trama do cineasta britânico Ken Loach, o personagem Daniel Blake não resistiu a um segundo infarto de miocárdio decorrente da ansiedade provocada por um sistema ineficiente e por gestores incapazes de se solidarizar com seu estado de saúde. No drama real da professora Maria de Fátima, que tinha histórico de pressão alta, o novo modelo de redistribuição de aulas era apenas uma das medidas arbitrárias do governo Beto Richa (PSDB) que afetava a rotina dos professores do estado.

Funcionária da escola e amiga pessoal da professora há quatro anos, Jacira Jacinto atendeu a reportagem do Brasil de Fato após o velório, nesta quinta (2). "Foi uma perda irreparável. Uma pessoa dedicada, atenciosa. Ajudava todo mundo, até financeiramente, e não fazia distinção", relata. Jacira confirma a hipótese de que a reunião alterou o estado de humor da professora de História. "De manhã, ela estava alegre, tomou café na escola, conversou. Mas a gente sabia que era um momento tenso, por causa dessa reunião. Ela e outros professores sempre se queixavam sobre as coisas que o governo estava fazendo, com essa mudança das aulas, e isso vinha deixando ela muito preocupada, nervosa".

A Seed encaminhou para as escolas em dezembro do ano passado a Instrução N° 12/2016, com orientações sobre a elaboração do Calendário Escolar de 2017. A redistribuição das aulas, segundo a determinação da Secretaria, passa a ocorrer entre os dias 1º e 12 de fevereiro, que devem ser contabilizados no período de recesso. Como o deslocamento para fevereiro reduz o tempo de recesso em julho, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) sugeriu que a Seed alterasse as datas ou mantivesse os dias de recesso no meio do ano. O governo ignorou todas as propostas.

"Sempre no nosso mês de férias, o governo anuncia medidas que prejudicam a categoria", critica Luiz Fernando Rodrigues, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato). "Faz duas semanas que nós estamos denunciando o problema da redistribuição de aulas, que neste ano retira direitos dos professores e pune aqueles que ficaram doentes. E agora tivemos a primeira vítima fatal dessas maldades e crueldades promovidas pelo Estado".

Desde o início de janeiro, professores protestam contra os cortes de direitos promovidos pelo governo do Paraná. Entre eles, a punição de professores que ficaram doentes em sala de aula, a diminuição da hora-atividade e o aumento das horas em sala de aula, e o impedimento de professores do Processo Seletivo Simplificado (PSS) de assumir aulas na rede estadual. O governo Beto Richa também suspendeu a data-base do funcionalismo público por tempo indeterminado, o que atrasa o pagamento dos reajustes de salário dos profissionais da educação.

Maria de Fátima Girelli deixa uma filha e uma neta. O corpo foi velado na manhã desta quinta-feira (2) na capela São Leopoldo, na Cidade Industrial de Curitiba, próximo à escola.

Depoimento de ex-aluno

"Ela foi uma professora fantástica, que transparecia amor e alegria. Seu jeito especial de ensinar a história com toda certeza fez história". Guilherme Peterson foi aluno da professora Maria de Fátima e acompanha o dia a dia na escola Brasílio Vicente de Castro porque mora próximo ao colégio e tem vários amigos na comunidade escolar. Ele também ressalta que o ambiente era tenso em decorrência das resoluções recentes do governo estadual. "Não só ela, mas todos os professores estavam apreensivos com a redistribuição. Porque ela acabou com a hora-atividade, e aí o professor tem que se desdobrar mais para ganhar menos".

Posicionamento


A APP-Sindicato publicou uma nota oficial sobre o caso. Confira o texto na íntegra:

"A professora de história Maria de Fátima Girelli participava da distribuição de aulas no colégio Brasílio Vicente de Castro, em Curitiba. Colegas de trabalho relatam que ela estava muito preocupada nos últimos dias com as alterações na distribuição das aulas divulgadas pelo governo do Paraná. Há pouco recebemos a confirmação de sua morte, vítima de um Acidente Vascular Cerebral. A APP-Sindicato lamenta o fato é reafirma que continuará na luta contra as medidas anunciadas e pela revogação desta resolução da maldade que pune e deixa professores ainda mais doentes".

O governo do Paraná e a Seed não se pronunciaram sobre a morte da professora Maria de Fátima Girelli até o fechamento desta reportagem. 


Fonte: Brasil de Fato 

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