PML: Temer e a falência múltipla de órgãos

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por Paulo Moreira Leite - 09/02/2017

Dia após dia, o simulacro de governo construído em torno de Michel Temer após o golpe parlamentar dá provas de enfrentar uma crise gravíssima que, a falta de nome melhor, podemos definir como falência múltipla de órgãos, que atinge a economia, a política, a vida dos 206 milhões de brasileiros.

Do lado de fora, tudo parece bem no organismo. O Congresso aprova medidas que, pelo caráter impopular, seriam impensáveis sob um regime democrático. A mídia amiga garante uma cobertura favorável  num adesismo que cedo ou tarde irá cobrar novos desfalques em sua já minguada credibilidade. O país enfrenta a mais grave depressão econômica de sua história, mas uma oposição desestruturada até agora não teve forças para comandar protestos e mobilizações em defesa dos salários e do emprego -- algo que foi possível fazer, todos irão recordar, mesmo durante o regime militar, nas gloriosas lutas que permitiram o nascimento de um barbudo de voz grossa e discurso firme, que ocuparia o centro da história brasileira pelas quatro décadas seguintes.


A situação real é outra, como se sabe desde o início de um ano inaugurado pelas grandes matanças que indicam a falência do sistema prisional.

Um resumo das últimas 24 horas permite um bom quadro da situação. Um juiz de primeira instância barrou a nomeação de Moreira Franca como ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, onde poderia proteger-se das investigações da Lava Jato. A AGU conseguiu derrubar a liminar contra o amigo de Temer mas uma segunda decisão judicial manteve o bloqueio à nomeação.

Uma semana depois de ter sua reeleição celebrada como uma vitória colossal de Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi acusado pela Polícia Federal de receber propina de R$ 1 milhão da empreiteira OAS. Nos patamares inferiores da pirâmide do Estado, também ocorreram movimentos que impressionam.

Numa ação que incluiu a exibição de armas para o alto, policiais civis inconformados com a reforma da Previdência, invadiram o Congresso na tarde de ontem. 

No Espírito Santo, estado que até outro dia era apontado pela TV Globo como exemplo a ser seguido pelo país inteiro, a greve da Polícia Militar por aumento de salário deixou a população entregue a ações de bandos criminosos, que já produziram 96 homicídios até ontem. Uma  foto na primeira página da edição de hoje do Estado de S. Paulo mostra moradores de um condomínio na grande Vitória fazendo barreiras para evitar a entrada de delinquentes.

No Rio, num esforço óbvio para evitar uma rebelião que só iria agravar um estado geral de revolta, no mesmo dia em que teve o mandato cassado no TRE por corrupção, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão assinou um aumento de 10% para  policiais e demais integrantes da segurança pública.

Com orçamentos arrebentados pela queda nas receitas próprias e repasses federais, o colapso de outros governos estaduais -- além do terminal Rio Grande do Sul -- e prefeituras é uma questão de meses, semanas, ou até menos. O horizonte real é a Emenda que reduz gastos por duas décadas, Numa republica federativa, todos os caminhos apontam para Brasília.

Neste ambiente, mesmo disfarces de quem se fantasia de gari são de natureza publicitária e têm pouca duração -- exibem um anúncio sem produto.  

O mal-estar tem uma origem material, fácil de identificar,  no programa de austeridade radical e permanente que Temer-Meirelles se empenham em aplicar deste o primeiro dia.

A dificuldade de encontrar uma saída real reside na fraqueza congênita da coalizão golpista que assumiu o governo a partir de maio de 2016. Consumou-se ali um clássico pacto com o diabo bastante estudado pela ciência política. Não há nada de religioso nessa visão.  

Governos sem voto popular estão condenados a conviver com as  comportas do inferno social que habita os subterrâneos de uma sociedade  desigual, atrasada, de longa reincidência autoritária como a nossa. Assim é o processo: cedo ou tarde, o demônio aparece para cobrar a conta, que é sempre pesada e difícil de pagar.    

É este o mundo que vem à luz, por baixo da superfície irresponsável de governantes que confessam -- sem constrangimento -- não ter medo da própria impopularidade, deixando claro que não é ao povo que pretendem prestar contas por seus atos.

Ao contrário dos demônios bíblicos, no entanto, os infernos humanos não são eternos e podem ser dobrados pela força da razão -- essa verdade que, numa democracia, se traduz pelo respeito à vontade da maioria e pelo retorno das mobilizações populares.

Os eventos das últimas 24 horas mostram que é mais o que tempo para reagir, para impedir um colapso democrático cujo saldo final é a consolidação do estado de exceção.

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