O prefeito marqueteiro e o jornalismo merchandising. Por Sergio Saraiva

doria1-jan17
.
por Sergio Saraiva - fevereiro 12, 2017 - Política

Chamou-me a atenção o uso do advérbio de exclusão “apenas” na manchete da Folha on line a respeito da pesquisa de aprovação do prefeito de São Paulo – João Doria. Seu uso denota uma opção do autor, um destaque que o jornalismo isento deveria evitar e que em análise de dados estatísticos já entrou no campo da opinião.
“Apenas 13% reprovam gestão de prefeito; aprovação cai nas classes mais baixas de SP”.
No impresso, a manchete é mais comedida, mas não menos laudatória: “Paulistano aprova Doria em seus principais programas.

Atenção para esse “principais programas”, comentaremos logo abaixo, mas é chave para entender como pesquisa foi feita.
A pesquisa é extemporânea e o porquê está no próprio texto da matéria:
“O levantamento atual não permite comparações com prefeitos anteriores, já que pesquisas de avaliação nos últimos mandatos foram feitas somente após os cem primeiros dias de gestão”.
Ora, se é a própria Folha reconhece que a pesquisa é prematura, por que foi executada? E que mereça um editorial que nada acrescenta à matéria requer uma explicação que vá além da lógica da relevância da informação.
A resposta, porém, também está na matéria. Na análise de Eduardo Scolese:
“O mandato é de quatro anos, portanto comemorar um mês de sucesso de crítica seria prematuro. Por isso, Doria corre. Ele sabe que a tarifa de ônibus congelada e a paciência do paulistano não são eternos”.
Uma boa ação de marketing tem o seu momento adequado. Doria e a Folha sabem disso. Essa é a razão da pesquisa agora.
Vejamos os assuntos tratados na pesquisa:
doria2-jan17
Grafites e pichações, aumento da velocidade nas marginais, Corujão da Saúde e Cidade Linda.
Grafites e pichações são culturalmente importantes, mas irrelevâncias para a administração de uma cidade como São Paulo e, mesmo assim, já demonstraram que a sanha marqueteira de Dória o leva a cometer erros – apagar os grafites, por exemplo.
O aumento da velocidade já é dado como certo que trará aumento de acidentes, mas até agora, ainda não há dados para serem avaliados.
O Corujão da Saúde – reservar as madrugadas, quando os ricos dormem, para os pobres realizarem exames médicos – e o Cidade Linda necessitam de tempo para mostrarem se realmente são viáveis. Mas, neste instante, são um belo showroom – somente para ficarmos no campo do marketing. Aliás, o Cidade Linda não tem sido mais do que pretexto para Doria apresentar-se fantasiado. Aguardemos o que restará dele, depois do Carnaval.
Havia outros temas a serem tratados pela pesquisa. Saber o que os paulistanos acham deles.
Para a educação, as propostas de Doria que aos poucos vão sendo implantadas sem alarde são:
Reduzir a distribuição de leite aos alunos da creche ao 9º ano, o transporte gratuito dos alunos e a distribuição de material escolar.
E claro, o aumento disfarçado da tarifa de ônibus.
Doria mantém a tarifa básica, mas aumenta todas as outras formas de cobrança nos “bilhetes únicos”. Malandragem alckmista que está, por enquanto, impedida pela Justiça.
doria3 jan17.jpg
Além da tentativa de demissão dos cobradores. E do aumento das passagens para quem pagar em dinheiro, se os cobradores não puderem ser demitidos.
Assuntos de impacto direto na vida dos paulistanos de baixa renda, mas que, embora o Datafolha não tenha liberado os dados brutos da pesquisa, pelo que foi publicado, creio que não foram tratados.
Motivo óbvios – não vinham ao caso.
Existem várias maneiras de se mentir com a estatística de uma pesquisa. Uma delas é perguntar aquilo que já se sabe a resposta e deixar de perguntar o que não interessa saber.
Pode ser marketing, mas não é jornalismo.
Quanto à comparação entre Doria e Haddad, a Folha tem o cuidado de pontuar que a primeira pesquisa com o ex-prefeito foi feita após os 100 dias de “lua de mel”, mas destaca que, então, Haddad tinha “apenas” 31% de aprovação contra os 44% de Dória, hoje, com 40 dias de governo.
Para que citar, se não são comparáveis?
“It’s the marketing, stupid”.
O que a Folha não diz é que a reprovação de Haddad, então, era de “apenas” 14%. Os mesmos 13% de Doria, hoje.
Mas manchete em abril de 2013 era:
“49% avaliam que Haddad fez menos do que o esperado”
Os outros 51% – a maioria – era o dado que não interessava.


Comentários