Espírito Santo passa por vivência 'estranha e assustadora', diz professor
SEGURANÇA PÚBLICA
"O que tem aqui é a saída da força legal de repressão, a polícia, e um terreno livre para os crimes, alguns praticados até por chamados cidadãos de bem', desarmados, que encontram uma oportunidade"
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 09/02/2017 19h45, última modificação 09/02/2017 21h23
TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL
Pauta dos policiais tem dois pontos principais: anistia para todos e 100% de aumento para a categoria.
São Paulo – A grave crise na Segurança Pública do Espírito Santo não pode ser caracterizada ou comparada a uma guerra, como cidadãos desprotegidos tendem a definir, por pânico ou desespero. A capital Vitória e sua região metropolitana, desde que a Polícia Militar entrou em greve no sábado (4), passam por “uma vivência estranha e assustadora” que produz efeitos e reações em cadeia. “As lojas estão fechadas, os ônibus não funcionam, as pessoas não vão trabalhar, as padarias abrem em horários limitados. As pessoas têm medo de abastecer o carro, os caixas eletrônicos ficam sem dinheiro”, descreve Vitor Amorim de Angelo, professor de Sociologia Política da Universidade Vila Velha (ES).
“É um cenário inusitado, mas não é um cenário de guerra, porque não tem conflito entre forças. É uma vivência estranha e assustadora. Coisas banais do dia a dia se tornam, pelo menos na sua cabeça, coisas muito perigosas: por exemplo, parar num semáforo numa avenida movimentada às três da tarde.”
A situação nesse cenário “é de loucura”, diz o professor, já que a chance de haver atropelamentos e acidentes aumentam. “Mas se isso acontece, não tem ambulância, porque a ambulância do Samu só vem se a guarda municipal escoltá-la.”
Apesar de haver a informação de que há 2 mil soldados do Exército, o professor diz que quase não se nota sua presença. "Você não vê esses militares nas ruas. A situação não parece nem de longe que vai voltar à normalidade tão cedo. Os militares estão em lugares estratégicos para fazer segurança de prédios e terminais de ônibus, que não circulam, mas não fazem segurança nas ruas. Percorri as principais avenidas de Vitória e não encontrei nenhum militar, nenhuma viatura militar (do Exército)."
Não houve acordo em reunião realizada na tarde de hoje entre o governo e lideranças do movimento. Segundo a imprensa local, as mulheres e associações representantes dos policiais não aceitaram negociar com o governo. A pauta tem dois pontos principais: anistia para todos os policiais e 100% de aumento para a categoria. O salário base de um PM no estado é de R$ 2,6 mil. As lideranças exigem a presença do governador.
As informações são de que a conversa seria retomada no início da noite. Coincidentemente, o vice-governador César Colnago (PSDB) assumiu o cargo interinamente na sexta-feira (3). O titular, Paulo Hartung (PSDB), se licenciou um dia antes de a crise ser deflagrada, para uma intervenção cirúrgica em São Paulo.
Mais de 100 mortes já foram registradas desde o início da paralisação dos policiais militares. Elas são bem distribuídas geograficamente, segundo analisa o professor de Angelo. A maioria das pessoas assassinadas levam três ou quatro tiros na cabeça, nas costas ou no peito. São casos clássicos de brigas por pontos de tráfico ou entre gangues e acertos de conta. Esses crimes acontecem na periferia. Em regiões mais centrais ou nobres predominam os crimes patrimoniais.
O professor lembra a crise de 2006 em São Paulo para diferenciar o que ocorre no Espírito Santo de uma alegada guerra. “É muito diferente o que acontece aqui do que houve em São Paulo em 2006. O PCC atacava a polícia. Aqui não tem uma guerra entre uma força legal e uma ilegal. O que tem aqui é a saída da força legal de repressão, que é a polícia, deixando o terreno livre para os crimes, e alguns acontecem até mesmo praticados por chamados ‘cidadãos de bem’, desarmados, que encontram uma oportunidade”.
Carlos Elisei, que tem um restaurante em Vitória e mora perto da praia de Camburi, relatou: “Há meia hora passou uma picape aqui, os guardas municipais atrás atirando. A picape bate três carros, entra no nosso bairro. Está assim. A gente não tem como viver, como sair. Não tem ônibus, não tem táxi, não tem Uber. Não tem como sair de carro. Se sair de carro, alguém te aponta a arma, tira você de dentro do carro e leva. Mais de 300 carros foram roubados em cinco dias.”
O comerciante diz que é de São Paulo e está em Vitória há 34 anos. “Nunca pensei que pudesse acontecer um negócio desse.”
Vácuo de poder
Para Vitor Amorim de Angelo a crise talvez possa ser em parte atribuída a um vácuo de poder, com a licença de Paulo Hartung. “Há um vácuo de poder, porque o governador foi a São Paulo operar e o vice governador assumiu.” Hartung tem a alcunha de “Imperador”, pelo estilo de liderança que exerce.
Fiel ao estilo, mesmo licenciado, Hartung voltou de São Paulo, onde estava em tratamento, e já falou com a imprensa. “O que está acontecendo no Espírito Santo é chantagem aberta", disse hoje. “Mesmo havendo um governador em exercício, o retorno de Paulo Hartung de São Paulo foi emblemático: é como se o imperador estivesse voltando para impor uma ordem. A tônica de sua entrevista foi nessa linha”, avalia de Angelo.
Mas, para o professor, Hartung está numa “sinuca de bico”. “Se ceder e der aumento, outros servidores vão querer a mesma coisa, e aí acaba com o ajuste (das contas do governo) que ele mesmo defende. Se anistia os policiais, vai parecer que qualquer um pode fazer qualquer coisa, e a violência e a insegurança continuam. Se os policiais conseguirem mais alguns dias – e essa pode ser a estratégia – o governador fica sem saída, a não ser anistiando, até porque a crise já não é mais apenas de segurança, mas na economia com prejuízos de milhões e milhões de reais”, avalia.
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