Emir Sader: O assalto do Estado brasileiro pela Lumpenpolítica

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por Emir Sader - 10/02/2017

A degradação da política brasileira vem da época da ditadura militar. O poder real exercido pelas altas patentes das FFAA tinha sua correspondência formal no plano da política civil por partidos e políticos fajutos, que se prestavam a fingir que detinham algum tipo de poder. No momento da eleição do ditador de turno, as patentes de 5 estrelas das FFAA se reuniam secretamente, tomavam uma decisão e despachavam o nome pro Congresso, que se dispunha a formalizar a decisão.

Uma camarilha de políticos foi se multiplicando, da qual, entre os originários da ditadura, José Sarney e Marco Maciel, como sucessores de Auro de Moura Andrade e Ranieri Mazzilli – tristemente célebres estes dois, por terem aberto o espaço institucional para que o golpe de 1964 fosse dado, ao declarar a vacância do poder.

Na transição para a democracia, com a derrota da campanha das diretas e a eleição do primeiro presidente civil pelo Colégio Eleitoral, um grupo de políticos se distanciou do candidato da ditadura – Paulo Maluf – e aderiu ao da oposição – Tancredo Neves –, reivindicando-se como "liberais" e aliando-se ao MDB. Transitaram assim da ditadura à democracia e, pela circunstâncias que conhecemos, Sarney passou, em semana, de presidente do partido da ditadura – Arena – e chefe da campanha contra as Diretas a primeiro presidente civil do Brasil, depois da ditadura militar.

Aquela aliança entre o PMDB e o PFL deu a base de sustentação ao governo Sarney. O fracasso do governo deste levou ao esgotamento da força que o PMDB, liderado por Ulysses Guimarães, tinha, a ponto que este, candidato à presidência da República em 1989, teve uma votação irrisória. O PMDB perdia sua capacidade de direção política, tornando-se, a partir dali, em coadjuvante de outros partidos.

Graças à força adquirida na oposição à ditadura e consolidada como força corporativa durante o governo de Sarney, o PMDB se projetou como a principal força parlamentar, tornando-se o partido indispensável para a governabilidade de outros partidos. Salvo o breve período de Fernando Collor de Mello, aliou-se ao PSDB para tornar possível o governo de FHC e ao PT, para tornar possível o governo Lula.

Já sem Ulysses Guimarães, tornou-se uma federação de lideranças estaduais, sem programa próprio, sem lideranças nacionais que pudessem disputar a presidência da República. Para onde pendesse, se constituiria a maioria parlamentar. Mas a disputa da presidência do Brasil se faria sem a participação do PMDB, que aguardaria as definições, para se somar ao ganhador, cobrando o preço correspondente. Foi adepto do Plano Real com FHC e da prioridade das políticas sociais com Lula.

Na crise forjada pela direita contra o governo Dilma Rousseff, surgiu a possibilidade de que o PMDB se prestasse para outro tipo de operação. Uniu o que de mais conservador havia nas propostas políticas no país e se propôs a ser instrumento do golpe – única forma que teria de chegar à presidência.

O governo instaurado pelo golpe reúne o que de pior a política brasileira tem, como programa e como políticos. Algo que podemos chamar de lumpenpolíticos, disponíveis para as operações políticas possíveis, contanto que isso lhes represente acesso ao poder, com todas as benesses que represente.

Em continuidade com o tipo de político que se dispôs a abrir espaço institucional para o golpe, como Auro de Moura Andrade e Ranieri Mazzilli, e aos que se prestaram a dar a fachada civil para a ditadura militar, como José Sarney e Marco Maciel, entre tantos outros, funcionam como marionetes do projeto de restauração neoliberal, da mesma forma que apoiaram sua implantação com FHC e sua negação com Lula.

São subprodutos do poder, de onde extraem os cargos e os recursos para sobreviverem, comercializam a ideologia que estiver disponível para seus interesses pessoais, Hoje se fazem instrumentos do desmonte do Estado brasileiro, das políticas sociais, dos direitos dos trabalhadores e soberania externa do país. Como não são nada como projeto político, se prestam para vários projetos distintos, conforme sua presença parlamentar lhes permite negociar.

São o que de pior a política brasileira já produziu, uma espécie de antologia da escória política. Passarão à historia como passaram Auro de Moura Andrade e Ranieri Mazzilli, como garçons que servem o banquete para que as grandes corporações privadas nacionais e internacionais voltem a se apropriar das riquezas do país. Que o usam como instrumentos descartáveis, até que eles virem carniça e despareçam, em meio ao opróbio a que serão vinculados seus nomes.

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