Wanderley Guilherme: NENHUM PAÍS…

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por Wanderley Guilherme dos Santos - no Segunda Opinião - 27/01/2017

Deve existir outro país em algum lugar desse exagerado território, anonimamente infiltrado nas desatenções da população atual, visível e indiferente. Provavelmente terá juízes, empresários, profissionais liberais, operários nos campos e nas fábricas, artistas, cientistas, praias, florestas e montanhas, cabras e onças pintadas. Os dias se alongarão por vinte e quatro horas, alternando claridade e breu, ora com acompanhamento musical de mudos raios solares, ora com arranjos desafinados de pingos de chuva. O comércio funcionará normalmente o ano inteiro, abastecido pela produção industrial, de boa qualidade e em constante inovação, circulando a preços razoáveis. Número apropriado de farmácias e bares, vistas as taxas reduzidas de enfermos compulsórios e de bêbados desesperados. Lugar de onde se vá daqui a acolá apreciando paisagens hospitaleiras, nada especialmente, apenas sucessão de bairros sem ocupação militar ou paramilitar, nem conjuntos de casas e pessoas contidas em cativeiros sob a vigilância armada de proxenetas da fragilidade de alguns: cocainômanos e assemelhados. Marcam-se encontros noturnos em esquinas para a troca de notícias, esticar as pernas, inventar anedotas e jurar de pés juntos que as lorotas que contam são a mais pura verdade – a visão de um disco voador, um macaco que sabe multiplicar e dividir, as grandes e ricas pastagens que avós imigrantes abandonaram em recanto europeu, e que um dia herdarão. Depois, vão-se todos, vagando por ruas iluminadas, acolhedoras, em direção às casas nas quais escolherão uma das múltiplas opções de competente noticiário de telejornalismo, ou de entrevistas informativas, ou filmes, antes do sono se aproximar. Esse outro país existe, provavelmente, bem mais interessante e cheio de pulsão e diversidade do que esbocei sem grande esforço. Mas seu nome não é Brasil.

Nem lá, contudo, sobrevive a utopia democrática, concebida por seus advogados como projeto de futuro a ser instaurado pela virtude gestante da humanidade. Fabricada mediante labuta centenária, abrigava o projeto a expectativa de que dela cuidassem seus beneficiários. Fracassou. Esgotou-se a ideia como apelo eficaz à cooperação, convertida em escudo protetor de todas as ambições predatórias. Pareceu vingar durante a segunda metade do século XX, mas foi-se revelando que a insanidade a envolver elites e povos não resultava ora da ação de líderes malévolos, ora de desigualdades sócio econômicas, ora de ocasionais cegueiras da razão. Não. A crença iluminista de que a humanidade portava uma reserva ontológica de juízo não se sustenta na história. Em condições propícias, a espécie é fascinada pelo mal, sem distinção de raça, classe, gênero ou idade. O tempo presente descobriu que a democracia, ela mesma, patrocinou a manifestação em escala sem precedente de bilhões de egos facinorosos, em conflito ilimitado, de cima abaixo, de norte a sul, de leste a oeste, entre ricos e pobres, homens e mulheres, jovens e anciães. Não existe nobreza em nenhum lugar social. O projeto democrático é excessivo para o potencial da espécie

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