Quase cinco anos após assassinato de delegado da PF, ruralista do Paraná segue impune. Por Patricia Faermann

Á esquerda, o pai da vítima, Geraldo Barbosa. Á direita, o réu Alessandro Meneghel
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por Patricia Faermann - no GGN - 03/01/2017

Jornal GGN - Em 2012, um crime na cidade de Cascavel, no Paraná, gerou grande comoção e alertou para os resquícios do coronelismo no país e o poder de influência de ruralistas sobre o sistema político e judiciário, alimentado pela impunidade dessas figuras. Após quase cinco anos, o réu ainda não foi julgado. 
O delegado da Polícia Federal, Alexandre Drummond Barbosa, foi a vítima que morreu a tiros no dia 14 de abril de 2012. Após um simples desentendimento em uma boate de Cascavel, foi executado por Alessandro Meneghel. Não foi apenas o relato de testemunhas que narraram a barbárie de uma espingarda calibre 12 com mais de 40 tiros. Vídeos e perícias confirmam o cruel assassinato.
Mas Meneghel, ex-presidente da Sociedade Rural do Oeste, é pessoa influente na região do Paraná. Naquele ano, em 2012, havia lançado a sua pré-candidatura a deputado estadual no Paraná pelo DEM, contando inclusive com o apoio e elogios de Beto Richa (PSDB), atual governador do Estado e então também candidato ao posto:
Alessandro Meneghel (acima) com José Serra e Beto Richa    
Diante de sua influência, a própria Polícia Federal se viu obrigada a publicar o vídeo de câmeras nas ruas da boate, que registram o crime, nas redes sociais, sob o temor de que nas mãos da Polícia Civil o arquivo desaparecesse.
A família de Meneghel não se deteve com as provas e indícios de conhecimento público. Inicialmente, chegou a contratar o perito Ricardo Molina, para desmentir a versão da vítima. Mas o pai de Alexandre, Geraldo Barbosa, é ex-professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em ótica. 
Não se cansou e não se deixou abater para verificar, quantas vezes fossem necessárias, o filho ser morto a tiros para reconstituir as imagens e provas o assassinato por Alessandro Meneghel, resultando em um detalhado e milimetricamente embasado relatório sobre as posições da vítima e do réu, do carro do ruralista, dos ângulos de disparos do dia da morte.
"O primeiro tiro ocorreu no intervalo entres os quadro 156 e o 166, o que corresponde a 10 quadros e ao tempo de 10 X (0,03seg/quadro)=0,3segundos (aproximadamente o tempo de um piscar de olhos). Como existe um tempo para reação coletiva, no Estudo de Imagens estima-se que o primeiro tiro tenha ocorrido no quadro 158. Ou seja 2 X (0,03seg/quadro)=0,06seg=aprox. 0,1seg após o agente ter sido visto de costas nos quadros 155/156. CONCLUSÃO: Tanto o intervalo de tempo de 0,3seg ou o mais provável de 0,1 seg é muito curto para ser possível ao agente ter visto o réu, ter virado, sacado sua arma em baixo da camisa, mirado e atirado conforme declarado pelo réu no seu Interrogatório", é trecho das notas produzidas.
Outras provas foram coletadas, além do estudo e dos vídeos, como depoimentos de testemunhas e presentes na boate em que ocorreu o crime, e pessoas que corajosamente admitiram terem sido intimidadas após prestar informações.
A versão de Meneghel é outra: assumiu que houve uma discussão, fora da boate, chamando o então delegado da PF de "vagabundo, filho da puta e que iria bater [em Alexandre]". Mas que na saída, o delegado é que teria se aproximado, sacando uma pistola e começando a atirar no réu, quebrando o vidro de sua camioneta. Segundo o influente ruralista, como suposta reação, sacou uma pistola, fez dois disparos e deu ré com o automóvel.
"No Estudo de Imagens [anexo abaixo], fica explicito que todas essas declarações são mentirosas, estórias inventadas e, não fossem os fatos gravados pela câmera, a família os transformaria em verdades. Versões diferentes apareceram posteriormente, sem qualquer convencimento ou que resistam aos fatos registrados pela câmera, a cada fração de segundos", escreveu o pai Geraldo Barbosa.
O histórico do ex-pré-candidato a deputado estadual já mostra outras passagens pela Justiça. Em 2009, já esteve detido na cidade de Toledo, acusado de porte ilegal de armas. Dois anos antes, era indiciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha ou bando armado por ações contra invasões em propriedades rurais do interior do Paraná [leia aqui]. Teria organizado milícias para acabar com acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
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Mas a sequência de irregularidades não paralisa na própria defesa e atos da família no caso da morte de Alexandre Barbosa. Geraldo denunciou que as armas portadas por Meneghel eram ilegais, que o advogado ilegalmente fez declarações públicas com versões que não conseguiu comprovar no processo, alertou para o desaparecimento de provas e "influências ocultas", e a relação da família do ruralista com autoridades locais.
"A família Meneghel mantém influência em várias instancias do poder local em Cascavel e pode-se até quantificar ações que levam a esta influência, como churrascos oferecidos às polícias Civil e Militar, cavalos dados à Polícia Militar e muitos outros eventos de caráter político", disse Geraldo.
Já preso, o então criminoso logrou a transferência de uma prisão mais dura (Penitenciária Estadual de Cascavel - PEC) para outra quase aberta (Penitenciária Industrial de Cascavel - PIC), solicitada pelo próprio diretor da penitenciária, após um motim que teria sido estimulado, segundo o Ministério Público, pelo próprio ruralista.
Tempos depois, em 2015, conseguiu ainda a mudança do regime para domiciliar por um Habeas Corpus, alegando que a mãe do réu estava em estado crítico de saúde, necessitando da presença do filho para os cuidados. Com isso, alcançou a liberdade controlada, com tornozeleira, para a casa da família [leia aqui]. No mesmo período, a mãe de Meneghel, supostamente doente, foi vista em um casamento, consumindo bebidas alcoólicas, fatos registrados em fotografias. 
Mais recentemente, em dezembro do ano passado, o pai da vítima relata que um juiz substituto, Benjamin Acácio de Moura e Costa, chegou a ampliar a liberdade do réu, concedendo a permanência na fazenda da família oficialmente durante um conflito de pareceres entre juízes da segunda instância e promotores do caso.
A defesa de Meneghel também tentou cancelar sessões de julgamento, em diversas ocasiões, para atrasar o processo e condenação do réu. Uma das estratégias adotadas pelo advogado Cláudio Dalledone Junior foi a de provocar os promotores para obter reações que cancelassem o júri.
Em uma das tentativas, em março de 2016, Dalledone Junior dirigiu-se à promotora auxiliar Ana Vanessa Fernandes Bezerra, afirmando que "ela era jovem e ele adoraria ter a oportunidade de brincar com ela". Na audiência, o juiz teve que interceder diversas vezes diante da agitação dos jurados. A promotora abriu um processo de desacato contra o advogado, que ainda está em tramitação. Por outro lado, a defesa conquistou a perda técnica do júri.

Outra medida tomada pelo advogado foi o anúncio da "necessidade de uma cirurgia em caráter urgente para ele, devido a uma hérnia", marcada justamente no dia da sessão de audiência com os promotores originais. 
"Numa nova estratégia para mais um atraso do Júri, Júnior solicitou um novo desaforamento para cidade diferente de Curitiba. O pedido foi indeferido, somente recentemente, levando a quase um ano de espera até o próximo Júri", relatou ainda o pai da vítima [leia aqui].
A sequência de medidas tomadas pela família e defesa de Meneghel junto a juízes, autoridades, obstaculizando o andamento da investigação e dos julgamentos e prorrogando as sessões, resultou em quase cinco anos de impunidade e supostas benesses fornecidas a Alessandro, após o assassinato cruel e de grande comoção.  Mais uma audiência está marcada para o dia 21 de fevereiro. Segundo Geraldo Barbosa, nada indica impedimentos para o novo Júri. 
Acompanhe aqui as reportagens feitas em 2012:

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