Tereza Cruvinel: O trololó de Temer e as sombras que nos rondam

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por Tereza Cruvinel - 25 de dezembro de 2016

 Falar de política externa é sempre um bom refúgio para um governante sem a nada a dizer sobre realizações internas. Foi o que fez Temer em seu artigo deste dia de Natal no jornal O Estado de S. Paulo. Falou mesmo foi de diplomacia presidencial, embora isso não seja sinônimo de viagens internacionais, como ele parece achar. Mas dá no mesmo: a maioria da população é alheia e indiferente ao assunto. Ainda mais num tempo destes, de desemprego e queda na renda, direitos trabalhistas e previdenciários ameaçados, vida apertada e ambiente social envenenado. Falar de diplomacia presidencial numa hora destas é trololó.

       Mas serve o artigo de Temer para nos lembrar que seu governo, afora os males que estão na cara de todos, tem servido também para tornar o Brasil um país mais vulnerável, irrelevante no cenário global e sujeito à manipulação por forças estrangeiras interessadas em transformá-lo, com todas as suas riquezas, em campo de rapinagem.

       Em seu artigo,  Temer fala de perfumarias diplomáticas: uma viagem à Argentina para estreitar laços com Macri, o discurso na ONU, que deriva da tradição e não de sua projeção e outros eventos multilaterais a que compareceu (ou que recepcionou, como é o caso da cúpula da CPLP) porque estavam na agenda, não porque tenham resultado de iniciativas dele.

       A política externa real de seu governo é a das relações amistosas e solícitas com os EUA,  a do tacão contra a Venezuela, expulsa do Mercosul, é a do distanciamento dos BRICS e do enfraquecimento das iniciativas para a integração sul-americana.

       Mas decorrem muito mais da política interna, da degradação econômica, social e sócio-cultural criadas por seu governo, os perigos que rondam o futuro do Brasil.  Em seis meses de governo, a instabilidade política  só fez piorar. A Lava Jato continua avançando contra o sistema político, angariando apoio dos indignados com a corrupção. Mas, de Curitiba, afora sentenças e rompantes,  não vem qualquer luz sobre a saída para a crise. O enjaulamento de toda a elite política e empresarial serve para saciar psicologicamente os justamente indignados com imoralidades,  mas não resolverá os problemas reais do país.

       O governo fruto do golpe equilibra-se precariamente sobre o vagão da instabilidade política e o agravamento da situação econômica por medidas que também prometiam “colocar o país nos trilhos”,  O descarrilhamento é iminente. O governo é frágil e impopular, a econômica não encontra seu rumo e a situação da política interna é de terra arrasada, com partidos e atores em crescente processo de deslegitimação. No limite, vem a convulsão.  Tudo isso abre o campo para a predação internacional, que já vem sendo feita por iniciativa do próprio governo nacional, que entrega o pré-sal na bacia das almas a grupos internacionais.

       O risco da convulsão social aparece muito no discurso dos políticos mas como a credibilidade deles anda no carpete, a expressão soa como retórica terrorista.  Não vale à pena pagar para ver.  A falta de coesão, as divisões sociais por questões políticas ou religiosas já mostraram, em outros países – o Líbano é exemplo clássico – sua força destruidora.

       Temer foi empossado prometendo pacificar o Brasil mas a polarização que ajudou a fomentar o golpe acabou se aprofundando.  A sociedade antes trincada, rachou, para além de coxinhas e mortadelas; alcançando as relações interpessoais com uma virulenta falta de limites na divergência e o desprezo pelo diálogo. O obscurantismo e a ignorância estão em alta. Uma sociedade assim doente, submetida a uma forte recessão, a um desemprego crescente, à descrença na democracia e nas instituições, é uma panela de pressão. Quando ela explode, temos a convulsão. A lei da selva, o salve-se quem puder.

       Quando um país perde seu rumo e começa a se desintegrar,  e não dispõe de um governo que defenda com firmeza seus interesses, o que exige mais que “diplomacia presidencial” de viagens e convescotes, os predadores aterrissam e o submetem. É este o risco real que nos espreita e que só pode ser espantado  pela relegitimação do governo pelo voto.

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