Só ruas e fracasso econômico ameaçam 'acordo de náufragos' entre Temer e Congresso

ANÁLISE
Para cientista político Leonardo Barreto, derrota do Planalto na votação da renegociação das dívidas dos estados ainda não é suficiente para dizer que relação de presidente e Congresso está abalada
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 22/12/2016 22:37, última modificação 22/12/2016 22:55
BETO BARATA/PR
Temer, Maia e Renan
"Não podemos esquecer que o Congresso é o pai do governo Temer", lembra cientista político
São Paulo – A derrota do governo Temer na votação de terça-feira (20) do Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016, o projeto de renegociação das dívidas dos estados com a União, ainda não é suficiente para dizer que as relações entre Planalto e Congresso estão seriamente esgarçadas, como avaliaram alguns analistas.

“Não se pode avaliar a relação (entre Temer e o Parlamento) apenas por esse projeto. Porque essa proposta tinha a particularidade de tentar colocar nas mesmas circunstâncias uma quantidade de realidades muito diferentes nos vários estados da Federação”, avalia o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, lembra, há estados governados por partidos de oposição que têm direito aos recursos, mas nem por isso concordam com o modelo econômico de Temer. Camilo Santana (PT-CE), Rui Costa (PT-BA), Tião Viana (PT-AC), Flávio Dino (PCdoB-MA) e Fernando Pimentel (PT-MG) são governadores de oposição.
“O projeto (da renegociação das dívidas) se excedeu do ponto de vista das contrapartidas (exigências feitas aos estados para obterem recursos, como a de privatizações e arrocho ao funcionalismo). Quando você mexe numa questão federativa, vigora mais a realidade do estado do que propriamente sua fidelidade ao governo”, diz o cientista político.
O governo Michel Temer e o Congresso Nacional vivem hoje sob a égide de “um acordo tácito de dois náufragos”, na opinião do analista. Por um lado, o governo apresentou uma proposta de “salvação nacional” que o Congresso apoia. Em contrapartida, o Parlamento recebe uma carta branca para tentar implementar uma espécie de agenda de “auto-salvação”: a agenda dos partidos envolvidos em problemas de corrupção, que tentam fazer valer medidas para evitar punições por condutas ilícitas ou suspeitas. "Se Temer cair, que segurança esse Congresso vai ter de continuar fazendo o que está fazendo? Ou  seja, existe um acordo tácito de dois náufragos."
Para Barreto, essa conjuntura apoiada pelo que ele chama de “modelo de dois náufragos” pode ser ameaçada por dois fatores: 1) o governo começar a ter dificuldades para dar suporte à política econômica, o mesmo problema da presidente Dilma Rousseff a partir de 2015, quando os setores econômicos se rebelaram e foi dada a senha de um processo de substituição; 2) A sociedade se rebelar generalizadamente contra o acordo de governabilidade que hoje existe entre o Congresso e o Planalto, acordo que envolve as agendas econômica e de “auto-salvação”, e tomar conta das ruas. Nesse caso, o crescimento das manifestações, hoje ainda insuficientes, poderiam ser a senha para a derrubada de Temer.
“São duas as ameaças a Temer para o ano que vem: o mercado perceber que o arranjo político não vai conseguir entregar a agenda econômica como se esperava e a população ter clareza sobre o arranjo de governabilidade que foi feito e começar a se mexer. São forças suficientes para o TSE tomar a decisão que ameaça tomar, por exemplo”, diz Barreto. Segundo o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, a corte pode julgar, ainda no primeiro semestre, o processo em que o PSDB pede a cassação da chapa Dilma-Temer.
Na segunda-feira (19), Gilmar avisou: “Eu estou fazendo uma estimativa de que, mantida a atual situação de temperatura e pressão, nós podemos julgar no primeiro semestre”, disse o também ministro do Supremo Tribunal Federal, em tom enigmático. “O primeiro fator é o termômetro do mercado (o governo não conseguir implementar a agenda econômica) e, o segundo, é o governo ser muito questionado pelas ruas. São as únicas duas hipóteses que motivariam o Congresso a romper esse abraço de afogados entre ele o Temer”, resume o cientista político na UnB.
Fora esses fatores, não há motivo, do ponto de vista do Parlamento, para a substituição de Temer. “O atual Congresso se entende bem com Temer, até porque ambos estão abraçados no mesmo projeto. Não podemos esquecer que o Congresso é o pai do governo Temer, que ele pariu por meio do processo do impeachment. O Congresso tem nas mãos a possibilidade de parir outro governo? Tem. Mas, por que motivo faria isso? Ele tem o governo nas mãos, que conversa bem com ele.”
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