Ruy Castro e a última ciência: esse tal de freios e contrapesos

por Luis Nassif - no GGN - 21/12/2016

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Graças à Internet, Ruy Castro, o notável biógrafo e cronista musical, ése tornou um homem de saber enciclopédico, tal a variedade de temas que levanta em sua coluna. É a prova maior da falência dos sistemas tradicionais de saber, do hábito anacrônico de aprender através da leitura de livros, do estudo sistemático dos clássicos, aquelas pessoas pedantes que, desde os tempos da Grécia antiga, inventaram de construir o conhecimento ocidental.
Ruy aboliu esses métodos lentos de conhecimento e se tornou um sábio meramente bebendo nas novas formas de comunicação.

Graças a isso, considerou-se suficientemente informado para, com seu vasto conhecimento de informática, cair matando sobre a ex-presidente Dilma Rousseff quando ela, em uma entrevista que me deu, perguntou “que nuvem é essa”, referindo-se a e-mails rackeados nos servidores da Odebrecht armazenados em nuvem.
Ruy caçoou do fato aparente de que Dilma não saberia o que é computação em nuvens. De nada adiantou explicar, aqui, que Dilma conhece muito mais informática do que Ruy, e que apenas valeu-se de uma ironia, figura de difícil entendimento para as mentes racionais e ferreamente cartesianas como a de Ruy. Talvez tivesse sido melhor compreendida se usasse uma expressão mais técnica, tipo  “que mané de servidor é esse”? 
Na coluna de hoje, na Folha, Ruy veste a capa do Super-homem da realidade virtual mesclado com uma sabedoria de um Merlin dos tempos modernos, pois dotado do poder de uma coluna na antigamente prestigiada página 2 da Folha. “Eu tenho a força da página 2”, parece dizer, ao se tornar analista internacional, derramando conhecimento e trazendo para seus leitores análises fresquíssimas sobre a eleição de Donald Trump (https://goo.gl/Dc0ZMF)
Ruy – que sempre foi um extraordinário captador das últimas tendências musicais norte-americanas – descobriu uma nova lei da física, o “sistema de freios e contrapesos”, que ele genialmente compara à rebimboca da parafuseta, e informa se tratar da nova moda nos Estados Unidos para definir um “complexo de entraves dentro do governo americano que impedem que um presidente, por mais estabanado, possa tomar decisões desastrosas”. 
Dilma não possui a facilidade de Ruy para criar imagens, muito menos para captar as últimas novidades dos Estados Unidos. Mas, em uma coletiva da qual participei, ela ousou mencionar essa tal rebimboca, obviamente sem a profundidade intelectual de Ruy.
Só que – ignorante que é – não sacou que era uma variante da lei da física. Pelo contrário, da mesma maneira que falou da tal nuvem, mencionou que se tratava da Teoria da Divisão dos Poderes, do filósofo francês Montesquieu,  baseado nas obras políticas de Aristóteles, e que, ao contrário do que Ruy imaginaria, não se trata de um antigo lateral direito do Bangú que era tratado de “João” por Mané Garrincha.
Dilma fez mais, quando um jornalista formado na mesma academia virtual que Ruy Castro, armou uma pegadinha: “A senhora diz que quem prega o impeachment é golpista. Quer dizer que os donos de shopping em Brasilia, que estão planejando fechar em apoio ao impeachment, são golpistas?”. Fez a pergunta como quem arma o alçapão definitivo para a pombinha branca. Os entrevistadores emudeceram ante aquela demonstração robusta do exercício da lógica. Mas Dilma, em total falta de respeito, liquidou com a formulação com um objetivo:
- Claro, né? E porque não seriam?
E não se voltou mais ao tema.
E toca a soltar definições sobre as diversas formas de envolvimento político, dos que planejam aos que ecoam. Acho que citou essa tal Montesquieu, que, ao contrário do imaginado por Ruy, não se trata do ponta-esquerda do Combinado do Quintino que, dotado de ideias anti-imperialistas, quis tirar dos físicos norte-americanos o mérito da criação da lei dos freios e contrapesos que, na Revoluçào Francesa foi o embrião de todas as democracias ocidentais, com a divisào de poderes entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, dos quais provavelmente Ruy já deve ter ouvido falar.
Nem ouso descrever o restante da análise que Ruy perpetrou sobre Trump. Só alguns pedaços,.
Genialmente, Ruy sintetizou toda a discussão sobre a ascensão da ultradireita a um banal “macaco em loja de louça”. E constatou – com o brilho dos que se valem da ironia mais sutil e sofisticada – que “se, de repente, ele (Trump) decretar que todos os cidadãos serão obrigados a usar a cueca por cima das calças, como o Super-Homem, ou que o Alasca seja devolvido aos esquimós e façam bom proveito, isso não será possível”. Graças a que? Isso: à lei da física que os gringos se basearam para inventar a rebimboca da parafuseta que, na verdade foi um pastiche da primeira lei do boteco do Edu, desenvolvida em Diamantina, onde nasceu JK e a princesa Leopoldina resolveu se casar.
E termina com um rasgo de ironia, um jogo de palavras à altura de Nelson Rodrigues: “Será uma batalha e tanto: Trump contra os freios e contrapesos. E quem levará a breca somos nós”.
Para os acadêmicos que estudam os efeitos do excesso de informação e da influência das redes sociais sobre a imprensa, Ruy se constituirá inegavelmente em um caso de estudo à parte pelo seu vasto conhecimento sobre a nova ciência que surge das brumas das redes sociais. E não ousem culpar as jovens gerações pelo atual nível da imprensa.

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