Nassif: Xadrez do tribunal para a Lava Jato

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por Luis Nassif - no GGN - 11/812/2016 - 13:14

Peça 1 - o xadrez e as análises estratégicas
 
Adotei o nome Xadrez na série sobre o golpe por duas razões:
 
1. Analisar realidades complexas. 
 
Eventos dessa abrangência, que mexem com a vida e o futuro do país,  têm  inúmeros fatores de influência se entrelaçando, a crise econômica global, a política econômica interna, a geopolítica internacional, os interesses corporativos internos. 
 
O desafio consiste em identificar as grandes linhas de mudança globais, a maneira como se interrelacionam e a resultante final.
 
2. Estimar efeitos sobre o futuro.
 
Trata-se de um exercício complexo, que depende em parte de informação, e muito de intuição, de tentar identificar os desdobramentos de fatos atuais, de processos políticos, sociais e econômicos.
 
Os estrategistas se valem dessa metodologia para prevenir desastres, acertar rumos, minimizar custos e riscos, desenhar o futuro.
 
O desafio aqui é de fundo jornalístico, mais modesto. Não se pretende ter as respostas definitivas, mas criar uma moldura, uma forma organizada  para que a discussão possa fluir de maneira mais ordenada, aprimorando, confirmando ou retificando cada peça e mesmo as correlações entre elas, com a inestimável contribuição de vocês. 
 
Peça 2 - os funcionários e as autoridades públicas
 
Autoridade é todo aquele que exerce parcela de poder. Isso envolve uma responsabilidade adicional. Por isso mesmo não pode se ater exclusivamente aos fatos do momento, mas aos desdobramentos presentes e futuros. 
 
O exercício de previsão dos atos presentes, os desdobramentos futuros, são parte inerente da responsabilidade e de obrigação dos que exercem poder de Estado.
 
É a diferença do mero servidor público, que age de acordo com o princípio da legalidade, e à visão estática dos fatos.
Transportando as definições para a Lava Jato, a Procuradoria Geral da República é a autoridade. Não é um dos poderes originais do Estado - Executivo, Legislativo e Judiciário -, mas detém parcela de poder, como a Polícia, pela margem de discricionariedade na aplicação da lei. A discricionariedade existe para que se tenha o poder de decisão para aplicar melhor o que diz a lei. Se fosse um exercício mecânico, bastaria um manual e um computador.
 
Já os membros da força-tarefa são funcionários públicos e, como tal, limitam-se ao cumprimento burocrático da lei.
 
Peça 3 – a responsabilidade da Lava Jato
 
Voltemos ao tema do último Xadrez, o "Xadrez do Assassinato Político e o MPF" (https://goo.gl/2Z5KOG).
 
Lá se mostra que a Lava Jato e o Procurador Geral da República Rodrigo Janot exerceram um papel antinacional, de pacto com autoridades norte-americanas visando ações contra uma estatal brasileira.
 
Não apenas isso.
 
O enorme estrago promovido na cadeia do petróleo e gás, a destruição das empreiteiras, o desmonte da indústria de defesa, a tentativa de criminalizar as ações comerciais e diplomáticas na África, tudo isso configura claramente uma ação antinacional, embrulhada no pacote da anticorrupção.
 
Por ora, a enorme barreira ideológica de pós-verdade imposta pela mídia tratou essa destruição como inevitável. 
 
Mas a história não acaba em 2016. Em um ponto qualquer do futuro, quando tiver reinício o processo de reconstrução do país, haverá o balanço inevitável desses anos de destruição. E não haverá como não se apurar as responsabilidades. 
 
De um lado, da parte dos que se darão conta dos enormes prejuízos para o desenvolvimento nacional; de outra, dos que estão atrás de revanche.
 
Se, ao contrário dos tempos atuais, a força tarefa tiver a sorte de ser julgada dentro das normas do estado de direito, serão absolvidos. Como funcionários públicos, cumpriram apenas o que dizia a lei. E se avançaram nos limites de lei, e os avanços foram endossados por tribunais superiores, estarão a salvo de punições maiores. 
 
São figuras menores que cresceram porque as instituições se tornaram menores. No máximo serão personagens de crônicas de costumes sobre o deslumbramento de mentes povincianas, quando o destino coloca em suas mãos o martelo de Thor.
 
Peça 4 – a responsabilidade de Rodrigo Janot.
 
Mas não haverá como eximir de responsabilidade o PGR Rodrigo Janot.
 
Ele é a autoridade, a quem compete o discernimento  para impedir os enormes malefícios que a operação trouxe para o presente e o futuro do país, impor o freio na ação da força tarefa, a definição de estratégias que assegurassem a punição dos culpados sem a destruição da economia.
 
Daqui a alguns anos, quando o país estiver se esfalfando para recuperar o tempo perdido, tentando desenvolver setores competitivos para a luta da globalização, deparando-se com a regressão dos indicadores sociais, de avanços tecnológicos, de modernização do trabalho, ficará mais nítida a percepção de desperdício, da destruição inútil ocorrida nesses tempos de dissipação. E não haverá como levantar mais o álibi da inevitabilidade dos danos colaterais.
 
Juízes técnicos, isentos, como não são os de agora, constatarão facilmente os inúmeros caminhos que havia para se coibir a corrupção e punir os corruptos sem destruir a economia.
 
Disporão dos sucessivos alertas do que estaria ocorrendo. Haverá condições de se ter acesso aos documentos e trocas de mensagens da cooperação internacional e dos acordos montados individualmente pela Lava Jato.
 
Certamente Janot alegará, em sua defesa, que as pressões foram enormes, que não houve como enfrentá-las. E a acusação constatará que ele falhou com seus deveres funcionais, com sua responsabilidade em relação ao país.
 
Serão levadas à sua responsabilidade os milhões de brasileiros que perderão oportunidade de sair da miséria pela destruição da economia brasileira, os atrasos na infraestrutura, a perda de qualidade dos empregos.
 
Durante algum tempo Janot dirigiu a Escola Superior do Ministério Público da União. Nela, organizou diversos seminários sobre problemas nacionais, onde foram esmiuçados cada um dos fatores de desenvolvimento.
 
O trabalho meritório de antes será o agravante quando tiver de responder a um tribunal. Não poderá acenar sequer com o álibi da ignorância.
 
Que a maldição da nacionalidade abortada recaia sobre ele e parceiros, como o ex-Ministro José Eduardo Cardozo, que viram as tropas bárbaras avançando e, por cumplicidade, acomodamento ou medo, deixaram de cumprir com seu dever perante o Brasil e perante a história.

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