Má notícia para os BRICS: Feroz arrocho neoconservador no Brasil

15/12/2016, Andrew KorybkoKatehon, Moscou

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Michel Temer e sua gangue de usurpadores tentam meter goela abaixo do Parlamento uma lei sem precedentes do mundo, depois de um bem-sucedido 'golpe parlamentar' contra Dilma Rousseff. Essas medidas reacionárias visam a congelar por 20 anos o gasto federal, que só poderá aumentar o equivalente à inflação do ano anterior. Apoiadores da 'ideia' dizem que seria medida necessária, que deveria já estar implantada, para sanar o déficit do Brasil em conta corrente. Os opositores repetem que a nova norma paralisará o desenvolvimento social e engessará a economia. É a questão mais controversa hoje no Brasil, e o Partido dos Trabalhadores, principal partido da oposição, exige que se faça um referendum pelo qual o povo decida. A coalizão hoje no governo quer evitar a todo custo a democracia direta e quer que todas as decisões sejam levadas ao Parlamento, onde certamente tudo q o governo usurpador golpista encaminhe será aprovado com mínimas correções.

Privatização induzida por estagnação institucionalizada 

O Brasil é uma das maiores economias do mundo e membro fundador dos BRICS. Daí que a muito provável implementação dessas iniciativas certamente afetará seus vizinhos latino-americanos e membros dos BRICS, caso efetivadas. É o que se constata, sobretudo se se considera que as medidas são propostas para perdurar por 1/5 de século, uma eternidade em termos econômicos, sobretudo ao ritmo atual de vertiginosas mudanças tecnológicas e desenvolvimentos estruturais. Os críticos têm boas razões para entender que impor rígido limite aos gastos precisamente nesse momento e por tão longo período de tempo retardará gravemente o desenvolvimento social e físico do país, o que resultará em o Brasil perder competitividade e todos os avanços que obteve desde o início do primeiro governo do presidente Lula da Silva, em 2003 e fez do Brasil uma grande potência mundial.
Há medos legítimos de que essas limitações financeiras drásticas autoimpostas que o Brasil vai aos poucos legalizando, engessarão o país e impedirão que tenha a necessária flexibilidade para adaptar-se a crises econômicas, sociais e todos os tipos de crise que inevitavelmente ocorrerão em tão longo período de tempo. Assim, as atuais medidas parecem estar irresponsavelmente pondo o país no patamar de mais extremamente alto risco estratégico, absolutamente sem razão alguma, além de satisfazer necessidades de curto prazo de parte pequena, a mais elitista, de um eleitorado fortemente polarizado.

A estagnação institucionalizada das possibilidades de desenvolvimento que inevitavelmente decorrerá só poderá ser revertida com furiosa privatização de setores inteiros da sociedade e da infraestrutura, e com empréstimos que venham de bancos estrangeiros. E Temer e os conspiradores a ele associados tentam induzir a privatização em grande escala do país, servindo-se de discursos da mais demagógica política, no esforço para colher bons dividendos desse processo que não é político: é apenas pecuniário.

Falsas esperanças 

A razão pela qual tudo isso é ameaça aos BRICS está na evidência que o golpe no Brasil certamente levará os EUA e outros países ocidentais e suas instituições afiliadas (p.ex. FMI, Banco Mundial, etc.) a se intrometer para satisfazer essa demanda artificialmente criada; com isso, terão dado passos largos na direção de afastar o Brasil do emergente mundo multipolar do qual se esperava que o país fizesse parte, ao mesmo tempo em que arrasta o Brasil para dentro do velho mundo unipolar existente. 

O único desenvolvimento capaz de impedir que esse cenário se concretize seria levar a questão a referendum e a oposição derrotar a situação; na sequência, o Partido dos Trabalhadores poderia usar tecnologia reversa de Revoluções Coloridas para voltar ao poder, os militares intervêm inesperadamente, sob qualquer pretexto, e reverte pela força essa legislação, e mude tudo mais que decidam mudar. 

Mas, por atraentes que essas possibilidades soem a observadores distantes, nenhuma delas parece viável ou provável; apoiadores do multipolarismo não devem deixar que cresçam muito as esperanças de que alguma delas se concretize.
Temer e seus associados não têm certeza de que suas propostas tão controversas e tão fortemente polarizadas sejam mesmo aprovadas, ao mesmo tempo em que não podem correr o risco de as ver derrotadas nas urnas, o que implicaria pesado golpe normativo contra seu 'governo' pós-golpe, o que explica por que se opõem tão furiosamente ao plebiscito.

Assim também, por causa do golpe para mudança de regime que levaram a efeito, os golpistas hoje estão dedicados a fazer de tudo para manter-se no poder, sem serem eles também arrancados do mesmo governo. Por isso se pode prever que, sim, lançarão mão de qualquer tipo de violência policial ou militar para sufocar qualquer incipiente resistência que se organize com sua autoridade. 

Quanto a golpe militar, realmente não se veem sinais de que possa acontecer no curto ou médio prazo. De fato, pode-se dizer que esse braço do "estado profundo" no Brasil (militares de carreira, pessoal da inteligência e burocracias diplomáticas) está tacitamente apoiando o golpe anti-mundo-multipolar de Temer, dado que, para começar, não criaram qualquer obstáculo ao golpe e passivamente o viram desdobrar-se ante seus olhos.

A "Terceira Força" 

Há porém uma remota chance de que a inquisição política ("Operação Lava-jato") em andamento nos tribunais contra o simultaneamente o Partido dos Trabalhadores, que foi derrubado, e que tinha política multipolarista, e os atuais usurpadores unipolares resulte em mudanças no poder que, hoje, ainda não se deixam ver claramente. Mesmo que nesse momento ainda não se consiga ver com clareza sequer quem está por trás do golpe em curso. Num dado momento, até se poderia dizer que os juízes só queriam derrubar Rousseff e facilitar o 'golpe parlamentar' depois da deposição da presidenta. Mas os juízes continuaram a inquisição dita 'contra a corrupção' e chegaram até a encarcerar recentemente o corrupto máster e 'cérebro' do golpe, Eduardo Cunha. 

Pelo que se pode ver, o pessoal que opera os cordões por trás da "Operação Lava-jato" está determinado a destruir a maior quantidade possível de políticos, sejam pró-mundo unipolar ou pró-mundo multipolar, e é muito provável que até usurpadores golpistas de mais alto escalão venham a ser presos, e que suas carreiras políticas sejam para sempre arruinadas pelo envolvimento nesse affair.

O que absolutamente ninguém sabe é o que, exatamente, o pessoal que está por trás do golpe no Brasil espera alcançar com a destruição em massa dos dois principais partidos políticos no Brasil. 

Embora seja possível que essa '3ª força' seja motivada exclusivamente pelo amor à lei e pela paixão de "levar criminosos aos tribunais", pode-se também argumentar que parece haver intenção mais deletéria por trás de todas as ações do golpe em curso no Brasil. Essa intenção parece ser a de 'limpar' e 'expurgar' todos os rostos públicos que representam o "estado profundo". Seja qual for a facção clandestina por trás de tudo isso, também parece estar operando segundo plano de longo prazo para descartar todos os possíveis adversários no espectro político, antes de mostrar quem é o procurador que aquela facção clandestina quer ver no poder. 

É óbvio que agora os inquisidores operaram baseados em informação de fundamento legal duvidoso que receberam da Agência de Segurança Nacional dos EUA e de outras agências de inteligência norte-americana envolvendo amplo segmento doestablishment brasileiro. Mas tudo sugere que não se contentam mais com cumprir apenas o plano dos EUA, de remover a presidenta Dilma Rousseff; e que alguns se 'desviaram' e 'perverteram' completamente e podem ter passado a atacar os delegados de Washington para a fase do pós-golpe.

Ninguém percebeu a tempo a 'mudança de regime' que chegava

Porque ninguém percebeu a tempo a 'mudança de regime' que chegava ao Brasil, é possível que os organizadores do "estado profundo" que estão por trás dessa 'limpeza', verdadeiro 'expurgo' em grande escala, estejam tentando aproveitar o momento de confusão política e agitação social, para se livrarem do maior número possível de seus adversários, como meio para facilitar a ascensão de algum ator político até aqui relativamente desconhecido, que aparecerá para "salvar o país" desse torvelinho político de longo alcance. 

Esse modelo replica estruturalmente os tradicionais golpes militares, embora sem o componente militar formal; pode-se dizer que seria um golpe pós-moderno, uma vez que é executado todo ele por baixo dos panos, mas servindo-se, nominalmente, de meios 'legais'.
A julgar pelo rastro que os golpistas deixaram ao longo do processo de derrubar a presidenta Rousseff, pode-se dizer que essa '3ª força' não é favorável de modo algum ao mundo multipolar. O que se sabe com certeza é que mais uma vez se confirma que "a revolução devora os próprios filhos"; e alguns dos conspiradores nesse golpe pró-mundo-unipolar já começam a se enredar na mesma teia viscosa que armaram como o golpe para derrubar Rousseff.

Assim sendo, embora não se possa prever com qualquer razoável grau de confiança que acontecerá assim, não se pode tampouco descartar a hipótese de que a '3ª força' por trás da "Operação Lava-Jato" não se deterá nem com o sucesso da operação para mudança de regime contra Rousseff e, de fato, prosseguirá até conseguir expurgar também o governo Temer e tantos políticos quantos a 'operação' consiga derrubar, na tentativa de, depois, implantar no poder alguém do grupo 'deles' mesmos. 

Uma das muitas consequências desse 'supergolpe' seria que, afinal, o muito controverso arrocho, com congelamento total do orçamento, poderia ser descartado completamente, ou pelo menos suspenso temporariamente, ou apresentado em referendum para que a população vote, o que poderia levar a descartar completamente o arrocho. 

Para que não restem mal-entendidos: não estou dizendo que acontecerá assim, nem prevendo, nem sugerindo que seja assim; apenas entendo que esse cenário não é completamente implausível, principalmente se se vê que a '3ª força' está agora começando a atacar as mesmas lideranças pró-EUA que a '3ª força' ajudou a impor no poder no Brasil, depois de ela ter criado as circunstâncias 'constitucionais' para iniciar todo o golpe.

Gestão multipolar 

Na ausência de quaisquer das acima mencionadas mudanças na liderança que poderiam vir a reverter o violento arrocho aplicado ao orçamento do Brasil, Rússia e China devem cooperar ativamente para oferecer soluções financeiras atraentes para salvar a integridade dos propósitos multipolares de seu parceiro "B" dos BRICS. 

Alguns sugerirão que esses países usem os recursos financeiros do Novo Banco de Desenvolvimento, e ofereçam empréstimos a juros baixos ao Brasil durantes esses tempos difíceis, e com vistas a impedir a entrada de concorrentes ocidentais. Mas, por mais que essa proposta pareça ser ideal em teoria, é impossível de executar, porque aquelas instituições bancárias de fomento são orientadas exclusivamente para projetos de desenvolvimento de infraestrutura, e não podem emprestar dinheiro a membros eventualmente em dificuldades de orçamento.

É verdade que essa plataforma pode ser útil para financiar importantes projetos da Nova Rota da Seda no Brasil e para impedir que acabem controlados por banqueiros ocidentais, mas tudo isso, para começar, depende de Brasília pedir, o que pode jamais acontecer, se Temer e a 'elite' pós-golpe receberem ordens estritas para só aceitar empréstimos de banqueiros ocidentais.

É projeto de longo prazo, mas os membros remanescentes dos BRICS, coletivamente ou individualmente podem oferecer financiamento em condições muito competitivas ao Brasil, caso em que Temer ou qualquer de seus possíveis substitutos talvez estejam em posição que não lhes permita recusar racionalmente, sem gerar ainda maior fúria popular contra seu governo e facilitar os passos para uma Revolução Colorida reversa. 

Persiste porém a mesma incógnita, porque as autoridades sempre poderiam simplesmente ordenar que policiais e militares ataquem, em resposta de linha ainda mais dura contra quaisquer manifestações antigoverno. Com isso estaria caracterizado mais um período de ditadura militar de fato no país (ainda que não se veja golpe militar formal e os generais só comandassem de dentro das tocas ou por trás da moita). Por tudo isso não se pode sequer dar por garantido que o Brasil aceitaria qualquer pacote de financiamento, por melhores que sejam as condições, se oferecido por parceiros multipolares. Mas isso tampouco significa que os parceiros multipolares devam desistir de competir contra o ocidente, para "salvar o Brasil de si mesmo". 

Em termos do grande quadro é muito melhor que capitais e interesses dos países BRICS venham a buscar participação financeira maior num Brasil que será rapidamente privatizado, que a participação de EUA e aliados, porque assim poderão lutar para manter o grande país sul-americano fora do controle total pelas garras do mundo unipolar, por tempo suficiente para que o povo brasileiro se recomponha e, esperemos, consiga reverter os efeitos institucionais do golpe, depois das eleições previstas para outubro de 2018. *****

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