A SUBJUGAÇÃO DOS ESTADOS AO NEOLIBERALISMO PELA DÍVIDA. POR JOSÉ CARLOS ASSIS

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O mesmo processo de dívida pública que subjugou a política econômica brasileira (e dos demais países em desenvolvimento) à banca internacional, através do FMI e do Banco Mundial, subjugou os Estados federados brasileiros aos ditames neoliberais do poder central. O mecanismo é o mesmo. Há uma diferença, na medida em que, no caso da dívida externa, chegou a entrar algum dinheiro no começo do processo. No caso da dívida dos Estados federados junto à União, não entrou nada. Só tem saído na forma de pagamentos à União.

Tenho explicado o funcionamento dessa armadilha financeira, no caso dos Estados, e as pessoas ficam incrédulas. É que a dívida – esta mesma dívida que está sendo “negociada” com o Governo Federal, e que gerou um justificado princípio de rebelião na Câmara – não existe. Tecnicamente falando, é nula. Sua origem são dívidas estaduais pagas aos bancos pelo conjunto do povo brasileiro em fins dos anos 90 com títulos da dívida pública. Portanto, o povo a pagou. Não faz sentido que, depois desse pagamento, o povo a pague de novo.

A confusão se dá porque as pessoas acham que o Governo Federal mobilizou recursos próprios nesse processo para pagar a dívida original dos Estados, roladas através dos bancos estaduais que foram extintos. Acontece que o Governo central não tem dinheiro. Opera com recursos da sociedade advindos de impostos ou dívida pública. Quando os impostos são insuficientes ele recorre ao lançamento de títulos no mercado. Portanto, foi com recursos da dívida pública que a dívida estadual foi paga e zerada. Não faz sentido que seja paga de novo.

Para se entender isso de forma simples, basta dizer que os contribuintes brasileiros pagaram a dívida, e essa mesma divida está sendo cobrada de novo dos mesmos brasileiros na condição de contribuintes dos Estados. São os mesmos porque quase todos os Estados, na origem desse processo, tinham bancos estaduais e giravam sua dívida mobiliária através deles na banca privada. Os títulos estaduais foram liquidados na banca pelo valor de face. Esta ganhou bilhões de reais. Os Estados absorveram o prejuízo através de dívida inexistente.

O projeto aprovado na Câmara é um embuste, tanto na forma original quanto na forma do substitutivo. A dívida tinha que ser declarada nula, e não sujeita a uma negociação na qual o Governo Federal maneja todas as cartas para conceder um mísero adiamento de três anos no pagamento. E os Estados deveriam ser ressarcidos do que pagaram indevidamente no passado. Isso resolveria todos os problemas financeiros dos Estados, de forma imediata. É estúpido dizer que o Governo Federal não tem dinheiro para esse ressarcimento. Tem sim. Basta emitir títulos públicos em montante equivalente a ele.

Qual é a lógica política desse processo de endividamento? No plano federal, a “explosão” da dívida no início dos anos 80 nos colocou na trilha do neoliberalismo mediante as imposições do FMI, do Banco Mundial e indiretamente das agências de risco para “consolidá-la”. Desde então, fomos obrigados a fazer políticas monetárias e fiscais restritivas. No caso da dívida dos Estados, quem funciona com o papel do FMI e do Banco Mundial é o Governo Central, isso quando as pressões de privatização e degradação do serviço público não vem diretamente através daquelas agências “credoras”. Claro, isso em algum momento tem que acabar. Acho que a hora está próxima.

Por que ninguém, nenhum governador, nenhum secretário de Fazenda, nenhum secretário de Planejamento se deu conta de que a dívida junto ao Governo Federal é nula? É um mistério, explicável por três razões: os governadores, em regra, não são entendidos em finanças; eles escolhem secretários de Fazenda e de Planejamento por critérios políticos, não por conhecimentos específicos; finalmente, todos eles tem uma posição submissa perante o Governo Federal que os mantém dessa forma pelo fato de que controlam o caixa, e os favorecimentos aos Estados. Entretanto, por força da própria rolagem da dívida ilegítima a juros escorchantes, um dia a casa cairia. Caiu.

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