Tijolaço: O sonho e o pesadelo



deserto
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Por vezes, não consigo entender o comportamento de gente que, bem formada, tem diante da realidade do Brasil e do mundo neste momento, uma postura onírica e egocêntrica, achando que os “movimentos e coletivos” – que reconheço desde sempre como parte (e parte da vanguarda)  do processo político –  não precisam, em primeiro lugar, preocupar-se com a reinclusão neste processo das massas da pobreza, perplexas e distantes da luta política e, junto a isso, lançar pontes para a construção de uma frente que não pode ficar restrita à esquerda.
Estamos, aqui, a caminho de uma ditadura  de estranha rota, onde a corporação judiciária abriu o caminho para a politicalha  romper a institucionalidade e, agora no poder, a politicalha tenta se defender da corporação,  com a ambição de poder à boca.
Ou alguém vai se enganar achando que o confronto entre  o Judiciário e o Legislativo se dá por razões legais,  éticas ou morais?

O processo de ódio que se despertou aqui pela mídia vimos, também, despertar-se apesar dela, nas eleições americanas.
Mesmo que o tão propalado “sistema de freios e contrapesos” possa “amansar” Donald Trump,  em algo ele será uma mudança no processo de globalização e na financeirização total da economia mundial.
Wall Street perdeu, não se sabe o quanto, mas perdeu.
Tanto pela natureza entreguista quanto pela mediocridade, o arremedo de governo – enquanto ainda o há –  de nosso país deixa-nos expostos totalmente à crise em que o mundo mergulhará. O país afundará, é possível, numa crise semelhante à do Governo Sarney, que tinha maioria parlamentar, mas legitimidade política zero.
Não é preciso falar que aquilo desembocou em Collor, embora tenha feito surgir Lula no cenário político nacional.
Não sou petista ou “lulista”.
Ou não no sentido de negação do passado das lutas sociais como PT e Lula surgiram e às quais, para desgosto de muitos, este absorveu e passou a encarnar.
Mas acho uma cegueira total não ver que é nele, e só nele, que há memória no nosso povão, sem o que seremos presas muito fáceis para um “salvador moralista da direita”.
E olhem que não sei se nem ele será o suficiente, tal o estado de mistificação que fomos levados pelos parceiros do golpe, a mídia e a Judiciário, que estarão juntos quando lhes surgir a oportunidade de varrer a politicalha da qual se serviram para demolir o poder democrático.
Tento manter meus olhos abertos, fugir dos sonhos mais doces, porque os tempos são de amargo pesadelo.
A política, não a pureza onírica, é a nossa melhor arma contra o Moloch que avança.
Não temos, diante do povo brasileiro, o direito de nos enganarmos e pretender que “movimentos e coletivos” nos bastarão.
Sem as raízes profundas, a história e a quase história, sem as identidades que atravessam gerações somos apenas um grupo de pessoas generosas e bem intencionadas.
Seremos flores sem raízes, destas que desabrocham efêmeras, enquanto as retorcidas plantas do deserto resistem e têm os espinhos endurecidos o bastante para não serem devoradas.

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