Stédile: “o Papa vai nos ajudar na crise”

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Por Paulo Moreira Leite - 21/11/2016

Na segunda e última parte de sua entrevista exclusiva ao 247, João Pedro Stédile, principal líder do MST, explica o golpe que derrubou Dilma: "A militância e a juventude foram para as ruas mas o povão não! E a força popular só se expressa na mobilização das ruas."Stédile também explicar o papel do Papa Francisco numa conjuntura mundial de ofensiva contra os direitos dos trabalhadores: "Tornou-se uma referencia política e filosófica, diante da crise ideológica e de líderes que a própria esquerda enfrenta em todo mundo." 

BRASIL 247 - Você foi uma das principais vozes na resistência ao golpe que derrubou Dilma Rousseff. Dois meses e meio depois, pergunto: em sua visão, quando ficou claro que seria muito difícil resistir?

STÉDILE - Sofremos uma derrota  política , mas foi  disputada em varias batalhas, em varias frentes e ao longo de todo ano. E por isso não houve um momento especifico. Durante o desenvolvimento dessa luta os movimentos populares construímos uma unidade na defesa contra o golpe, que foi muito importante. Que é a Frente Brasil Popular, porem não houve uma mobilização da classe trabalhadora nas ruas. E a força popular  só se expressa na mobilização nas ruas. A militância e a juventude foram para as ruas, mas o povão não! E há muitas avaliações diferentes para explicar por que  o povo não se mobilizou, que vai desde a campanha permanente da Globo a favor do golpe, a política econômica nefasta de 2015, que afastou a classe trabalhadora do governo Dilma, até causas estruturais da falta de trabalho de base e formação politica da classe durante os governos Lula-Dilma. Então não sabemos quando, mas sabemos porque perdemos.

247 - Você integra as lutas populares desde 1979, pelo menos. Era possível imaginar que, no final deste período, de mais de 30 anos, os movimentos populares e os partidos de esquerda estivessem tão frágeis?

STÉDILE - Não considero que estamos fragilizados. Acumulamos muita força popular  em vários aspectos.  O problema é que a luta de classes funciona em ciclos e apesar de termos elegido o governo Lula em 2002, isso não representou uma retomada do movimento de massas.  E por isso não tivemos forças mobilizadas suficientes para barrar o golpe, que aconteceu também porque a burguesia conseguiu uma ampla hegemonia no congresso, na mídia  e no poder judiciário.  Então era apenas uma questão de tempo, ela retomar o controle do poder executivo.  Quase conseguiu em outubro de 14, e depois passou a conspirar abertamente contra o governo Dilma.

247 - Fazendo um balanço desse período histórico, pergunto: onde foi que nós erramos? Numa entrevista publicada pela Carta Maior, em 2015, você dizia que há muitos anos a esquerda só pensava em eleição.

STÉDILE - Houveram muitos erros de parte dos governos Lula e Dilma,  no seu programa, que não teve coragem de propor reformas estruturais, como a reforma tributaria, de enfrentar a divida pública  que é a principal forma dos bancos extorquirem os recursos públicos, a reforma agrária e a democratização dos meios de comunicação. Seja na sua estratégia de manter uma conciliação de classes com setores conservadores. Houveram muitos erros de parte dos movimentos populares (estou falando no sentido amplo que envolve todas as formas de organização popular, como partidos, movimentos, sindicatos, etc..) nas nossas atividades internas. Muitos de nós  ficamos apenas esperando pelo governo, ou pressionando apenas por políticas publicas, o que é justo,  mas insuficiente. Deixamos de lado o trabalho de base e a formação política de nossa base. E não conseguimos construir nossos próprios meios de comunicação de massa.

247 - Como avaliar a  importância dos anos Lula e Dilma, do ponto de vista  histórico?

STÉDILE - A principal conquista desses mandatos foi ter barrado o neoliberalismo, e ter feito uma política soberana, voltada para os países dos BRICs e do hemisfério sul. O programa neodesenvolvimentista baseado na crescimento da economia através da indústria, na retomada do estado com políticas públicas para as maiorias e a distribuição de renda através do salário minimo, foram importantes e necessárias. Porém insuficientes para consolidar mudanças estruturais na sociedade brasileira. Como o Lula costumava dizer, no seu governo, todos ganhavam, mas os banqueiros ganharam muito mais, e com isso tivemos melhorias nas condições de vida da população com aumento do emprego e renda e elevação do consumo, mas foi acompanhada por uma brutal concentração da terra, da riqueza e da renda no país.

247 - Você acaba de voltar de um encontro de movimentos populares com o papa Francisco. Qual o papel que o papa  desempenha na atual conjuntura mundial?  

STÉDILE - O Papa Francisco se transformou um líder progressista para todo mundo, que extrapola a questão do Vaticano e da religião católica. E se transformou um líder por várias razões. Porque teve a sabedoria de enfrentar e pautar os verdadeiros dilemas da humanidade, debatendo suas causas, como a crise do capitalismo, a crise social, o desemprego, os refugiados, as guerras, etc. Por outra lado tem feito uma autocritica dos erros que o Vaticano cometeu. E recuperou a confiança e esperança mesmo entre os católicos progressistas, depois de dois papados extremamente conservadores, que isolaram a igreja da sociedade moderna.. Veja, no discurso que fez para os movimentos populares, entre outras reflexões compartilhadas, denunciou de que o estado capitalista, se transformou em terrorista, ao dominar as populações pela tirania do dinheiro e pela manipulação midiática do medo. Sobre o tema dos refugiados denunciou de que quando um banco quebra na Europa aparecem bilhões de euros para salvar seus lucros e acionistas. Mas não aparecem centavos para salvar milhares de vidas que todos dias aportam na Europa, expulsos pelas guerras, das armas vendidas pelas empresas europeias. Quem teria coragem de dizer isso hoje entre nossos políticos. A encíclica que o Papa fez sobre os problemas do meio ambiente (Louvado Seja!) é uma obra prima, que nenhum pensador ou corrente politica havia trazido antes como contribuição a esse debate. Recomendo que todos os militantes de esquerda a estudem. Assim, o Papa vai nos ajudar muito, para enfrentarmos o debate dos dilemas que a humanidade vive em função da crise imposta pelo capitalismo.

247 - Qual a importância do Papa para os movimentos populares do Brasil, em particular? 

STÉDILE - Participamos pelo Brasil  representantes de oito movimentos populares, como uma representação plural de movimentos do campo, urbanos, sindical, da CUT, movimento negro, de mulheres, juventude. E também levamos uma magistrada da Associação de Juízes pela Democracia como observadora, testemunha. Da mesma forma que a nível internacional, acho que a contribuição principal do Papa será em torno do debate sobre os problemas causados pelo capitalismo e a busca das necessárias soluções a partir das necessidades do povo. O Papa é um defensor inconteste, de forma pessoal e a partir da doutrina social da igreja, dos direitos dos trabalhadores, dos mais pobres. E defendeu no primeiro encontro que tivemos,  de forma clara, que somente teremos uma sociedade democrática, em todo mundo, quando em cada país, não houver nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, e nenhuma família sem moradia digna!

247 - Olhando para outros países e outros movimentos, você enxerga exemplos que poderiam ser discutidos e aproveitados?

STÉDILE - O conhecimento é universal e por tanto, todas as experiências positivas de propostas de saídas e políticas públicas, que forem positivas, em outros países devem ser estudadas e aproveitadas.

Agora a economia do planeta, é dominada pelo capitalismo, pelas grandes corporações internacionais e pelo capital financeiro, e está em  crise,  O capitalismo universalizou também os problemas. Por isso estamos enfrentando problemas parecidos, com causas parecidas, em todos os países do mundo. Aqui na América Latina estamos enfrentando em todo continente uma crise econômica e politica grave. No período anterior, havia três projetos em disputa permanente em nosso continente, o projeto neoliberal comandado pelos Estados Unidos, e liderado por México, Colômbia, Chile, Peru. O projeto neodesenvolvimentista, que tinha como representantes maiores Brasil, Argentina, Uruguai. E o projeto da Alba, de integração continental anti-imperialista comandado pela Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba, Nicarágua. Acontece que agora os três projetos estão em crise, e por tanto, exige processos de debate sobre programas, estratégias, e  mobilização popular, em todo continente.

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