Neoliberalismo: a história profunda que jaz por trás do triunfo de Donald Trump

14/11/2016, George Monbiot, The Guardian






Entreouvido na Vila Vudu:

Vamcombiná: quando até o Instituto Millenium teria de estar criticando a Killary 
por ter traído os ideais de Hayek (é o que se lê no artigo abaixo), mas até o Instituto Millenium está criticando o adversário da Killary agora eleito, e o de-to-na com o palavrão mais feio que os Milleniums conhecem ("Trump é Lula")...

FRANCAMENTE, tá na cara que alguma coisa está é muuuuuuuuito mal contada,
na insuperável burritsia 'analítica' da elite USP-UDN & Estadão [pano rápido]



Os eventos que levaram à eleição de Donald Trump começaram na Inglaterra, em 1975. Numa reunião, poucos meses depois de Margaret Thatcher assumir o comando do Partido Conservador, uma de suas companheiras – ou pelo menos é o diz a história – explicava o que, para ela, seria o núcleo dura das crenças do conservadorismo. Mas Thatcher abriu a bolsa, tirou de lá um livro amarfanhado e bateu com ele na mesa. "Nós acreditamos nisso" – disse ela. Assim começou uma revolução que varreria todo o planeta.

O livro era The Constitution of Liberty de Frederick Hayek [A Constituição da Liberdade]. Sua publicação, em 1960, marcou a transição de uma filosofia honesta, ainda que extrema, numa fraude de proporções monstro. A filosofia era chamada "Neoliberalismo". 



Ali, a característica que definiria as relações humanas seria sempre a concorrência, a competição. O mercado descobriria uma hierarquia natural de ganhadores e perdedores, criando sistema mais eficiente que jamais poderia ser alcançado mediante planejamento nem por projeto. Qualquer coisa que impedisse esse processo, como impostos significativos, leis regulatórias, atividade sindical ou oferta de qualquer coisa pelo Estado, seria contraproducente. Empresários perfeitamente livres gerariam a riqueza que, em seguida, escorreria pirâmide abaixo [ing. trickle down] para todos.



Valha o que valer, essa era a concepção original. Mas quando afinal Hayek veio a escrever The Constitution of Liberty, a rede de lobbyistas e pensadores que aquela concepção gerara já era abundantemente paga por multimilionários que tomaram a doutrina como ferramenta para se defenderem contra os riscos da democracia. Nem todos os aspectos do programa neoliberal promoviam os interesses deles. Ao que parece, Hayek arregaçou as mangas para preencher as lacunas.

Começa o livro expondo a concepção mais rasa que jamais existiu de liberdade: uma ausência de coerção. Rejeita noções como liberdade política, direitos universais, igualdade entre os homens e na distribuição da riqueza, todas essas noções, porque limitam a ação dos ricos e poderosos, interferindo na ausência de qualquer coerção (a "liberdade") que o modelo exige necessariamente.

Democracia, por sua vez, "não é valor definitivo ou absoluto". De fato, a liberdade depende de impedir-se que a maioria possa escolher a direção que política e sociedade devam tomar.

Para justificar essa posição, Hayek cria uma narrativa heroica da riqueza extrema. Aproxima a elite econômica, livre para gastar o próprio dinheiro de novas maneiras, e os pioneiros da filosofia e da ciência. Assim como o filósofo político tem de ter liberdade para pensar o impensável, assim também os muito ricos têm de ser livres para fazer o factível, sem nenhuma consideração com o interesse público ou a opinião pública.

Os ultra ricos são "escoteiros", "batedores" [ing. "scouts"], "sempre a experimentar novos estilos de vida", que abrem as trilhas pelas quais seguirá o resto da sociedade. O progresso da sociedade depende da liberdade que tenham esses "independentes" para ganhar tanto dinheiro quanto desejem e gastá-lo como queiram. Tudo que é bom e útil, portanto, é fruto da desigualdade. Não pode haver conexão entre mérito e recompensa, nenhuma distinção entre renda justa e não justa e nenhum limite aos rendimentos [ing. rents] a serem cobrados.

Riqueza herdada é mais socialmente útil que riqueza alcançada com trabalho: "os ricos ociosos" [ing. "the idle rich"] que não têm de trabalhar pelo próprio dinheiro podem devotar-se a influenciar "campos de pensamento e opinião, de gostos e de crenças". Ainda que pareçam estar gastando dinheiro só em "gastos sem objetivo" [ing. "aimless display"], estão, de fato, operando como a vanguarda da sociedade.

Hayek suavizou sua oposição aos monopólios, e endureceu sua oposição aos sindicatos. Atacou os impostos progressivos e as tentativas, pelo Estado, de melhorar as condições gerais de bem-estar dos cidadãos. Insistiu que "há motivos insuperáveis que se podem opor a serviços de saúde gratuitos para todos"; e descartou qualquer movimento para conservar recursos naturais. Ninguém, entre especialistas e interessados em geral que acompanham esses assuntos, surpreendeu-se quando Hayek recebeu o Prêmio Nobel de economia.

No momento em que Mrs Thatcher batia na mesa o livro de Hayek, uma vivíssima rede de thinktankslobbyistas e acadêmicos que viviam de promover as doutrinas de Hayek já se formara dos dois lados do Atlântico, abundantemente financiada por algumas das pessoas e empresas mais ricas do mundo, dentre os/as quais DuPont, General Electric, as cervejarias Coors, Charles Koch, Richard Mellon Scaife, Lawrence Fertig, a Fundação William Volker e a Fundação Earhart. Servindo-se de psicologia e linguística para resultados realmente impressionantes, os pensadores que esses patrocinadores mantinham encontraram as palavras e os argumentos necessários para converter o que era hino religioso de uma elite, em um programa político plausível.

As ideologias que Margaret Thatcher e Ronald Reagan defendiam eram apenas duas facetas do neoliberalismo. Fotografia: Arquivo Bettmann / Bettmann

O Thatcherismo e o Reaganismo não eram ideologias por direito próprio: eram apenas duas caras do Neoliberalismo. Os cortes massivos para os ricos, o ataque violento contra os sindicatos, redução na moradia subsidiada, desregulação, privatização, terceirização regras concorrenciais para os serviços públicos, todas são ideias propostas por Hayek e seus discípulos. Mas o real triunfo dessa rede não foi ter capturado a direita, mas a colonização dos partidos que, antes de colonizados, defendiam tudo que Hayek detestava.

Bill Clinton e Tony Blair não têm narrativas próprias. Em vez de desenvolver uma narrativa política nova, acharam que bastaria uma triangulação. Em outras palavras, extraíram alguns elementos das crenças ativas nos respectivos partidos, misturaram com elementos das crenças ativas entre os respectivos opositores e desenvolveram, a partir dessa combinação improvável, uma "terceira via".

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