Os obstáculos impostos por Gilmar na investigação de Aécio sobre Furnas
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A polêmica delação de Delcídio do Amaral, revelada em março deste ano, retomou contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) três acusações engavetadas: de ter sido beneficiário do esquema de corrupção da hidrelétrica de Furnas, em Minas Gerais; de possuir uma conta secreta no paraíso fiscal de Liechtenstein para ocultar e manter valores no exterior; e de agir para maquiar dados do Banco Rural obtidos pela CPI dos Correios, em 2005, que implicariam ele no chamado mensalão tucano.
Se o caso referente à CPI dos Correios levou mais de um mês para Gilmar Mendes acolher, em parte, a instauração de inquérito contra Aécio Neves por interferir em documentos do Banco Rural no chamado "mensalão tucano", e outros mais quatro meses para se ter uma permissão de Mendes para o aprofundamento da investigação, divulgado pela imprensa nesta semana, o segundo inquérito envolvendo o caso Furnas contou com ainda mais obstáculos do relator no STF.
E trata-se da primeira frente de investigação que recaiu sobre o tucano: a suspeita de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por Aécio, pelo recebimento de recursos ilegais da estatal subsidiária da Eletrobras, Furnas. O caso já havia sido enviado pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot [leia anexo 1] ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi arquivado logo no início de 2015, pelo ministro Teori Zavascki, por considerar falta de provas, atendendo a pedido do próprio Janot.
Pressionado por críticas, inclusive de colegas próximos, Janot obteve junto ao doleiro Alberto Yousseff mais depoimentos do caso. Yousseff detalhou que Aécio tinha influência política na estatal, junto ao PP, sendo responsável por garantir a diretoria da empresa a Dimas Toledo, quem repassava os valores. Aécio Neves também foi acusado por Youssef de receber as quantias ilícitas mensalmente, por meio da empresa Bauruense, que detinha contratos com Furnas e o dinheiro seria repassado à sua irma Andrea. Segundo mostrou a petição da PGR, a Baruense recebeu R$ 826 milhões nos contratos com a empresa entre 2000 e 2006.
Além desta delação, outra posteriormente reiterou os fatos: os depoimentos do ex-senador Delcídio do Amaral, confirmando que o presidente do PSDB "sem dúvidas" recebia "pagamentos ilícitos" de Dimas Toledo.
No curso deste mesmo caso, documentos levantaram a suspeita dos investigadores de que Aécio mantinha o dinheiro proveniente desses crimes no paraíso fiscal do Principado de Liechtenstein. Arquivos obtidos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, na chamada Operação Norbert (deflagrada em 2007), comprovariam a "interposição de personalidade jurídica, com o objetivo de manter e ocultar valores no exterior".
Todos esses novos fatos foram apresentados por Janot a Gilmar, no dia 3 de maio deste ano, pedindo o desarquivamento do caso. A resposta do ministro foi de negar a reabertura, em tempo recorde: menos de um dia depois de a defesa do tucano apresentar seus argumentos. Com críticas geradas em alguns veículos de comunicação, pressionados sobretudo com a reação de movimentos sociais e população, Gilmar Mendes voltou atrás.
Mas o despacho do ministro foi um enfrentamento aos investigadores.
Recado dado: Gilmar mostra exigências para caso seguir
Naquele 2 de junho, quando decidiu manter os autos contra Aécio Neves, não o fez de forma simples. Respondeu ao procurador-geral da República que uma investigação não é "uma propriedade do Ministério Público e da polícia, imune à interferência judicial" [leia anexo 2].
"A intervenção judicial para resguardo de direitos dos investigados não só é possível, como, em muitos casos, é obrigatória. Não é necessário aguardar a fase processual para afirmar direitos violados no curso da investigação", disse Gilmar, em despacho não divulgado pela imprensa, na tentativa de sustentar a sua tese anterior pelo arquivamento do caso de Aécio.
Deixava um recado: "a jurisprudência afirma o dever do juiz de determinar o trancamento de inquéritos manifestamente incabíveis. Assim, em hipóteses em que se verifica, desde logo, a extinção da punibilidade, a atipicidade do fato, a inexistência de justa causa, a retomada indevida de investigação arquivada, etc., o juiz deve determinar o trancamento do inquérito".
Gilmar aproveitou o documento para criticar a suposta "violação de direitos individuais" a Aécio, justificando assim a suspensão por ele das diligências já feitas pela Polícia Federal. O ministro também acrescentou que o caso, para ele, não é urgente:
"Relembro que as diligências deferidas não se destinavam à colheita de provas urgentes. Pelo contrário. Os fatos investigados teriam ocorrido há mais de dez anos. Neste inquérito, o Ministério Público se animou a perseguir diligências que já eram previsíveis por ocasião da investigação arquivada – como a inquirição de Dimas Fabiano Toledo, pela Polícia Federal."
E disse que a sua decisão de trancar o avanço das investigações no caso Furnas contra Aécio teve como objetivo assegurar "ao Procurador-Geral da República a prerrogativa de falar sobre argumento da defesa que merece uma pronta análise".
Ainda neste documento, revelado agora pelo GGN, Gilmar negou que estivesse adiando ou interferindo na agilidade das investigações contra Aécio. Como exemplo, citou que "para assegurar a pronta análise dos requerimentos [do MPF], fui auxiliado pelos meios de comunicação social, que me permitiram tomar contato com a manifestação via internet (site G1) e telejornal (Jornal Nacional), antes mesmo de receber os autos conclusos para decisão".
Após expor todos os seus argumentos de que estava agindo corretamente no inquérito de Aécio Neves, Gilmar disse que aceitava retomar as investigações de Furnas apenas pela "novidade" do depoimento de Delcídio do Amaral. Mas antes de concluir, deixou outro alerta: o de que "depoimentos propriamente ditos do colaborador constituem meio de prova", destacando a palavra "meio de prova".
Como o caso Furnas tramita sob o comando de Gilmar
Hoje, nada se fala do andamento do inquérito de Furnas. O GGN recupera como está a tramitação do caso:
Após Gilmar acatar seguir com o inquérito 4244 em aberto, no dia 2 de junho, enfrentando o Procurador-geral da República e investigadores a apresentarem provas substanciais além da delação de Delcídio, Janot recorreu aos materiais já avançados pelos delegados da Polícia Federal, mas não sem antes enfrentar outros obstáculos.
A Corregedoria Geral do Departamento de Polícia Federal foi notificada no dia 10 de junho sobre a manifestação de Gilmar enviada no dia 2 daquele mês, de que era possível retomar as investigações, mas que seriam necessárias provas materiais para o caso tramitar sem o risco de um novo arquivamento de Gilmar.
Mas se o Ministério Público Federal teve o aval de Gilmar Mendes para seguir com as investigações logo no início de junho, só poderia realmente trabalhar no caso desde o dia 27 de setembro. Isso porque como a petição feita pela PGR para investigar Aécio de janeiro de 2015 recebeu como primeira resposta um arquivamento do ministro Teori Zavascki em março daquele ano, as mínimas apurações daquele processo deveriam ser anexadas ao novo inquérito aberto agora por Gilmar.
Desde 2 de junho, passaram-se quase quatro meses, mais especificamente 118 dias, para as duas investigações serem juntadas à nível judicial para, somente então, os procuradores da República poderem dar sequência ao processo.
Entretanto, ao contrário do que tentou Gilmar, a Polícia Federal não travou os trabalhos. O GGNadianta que novas apurações foram feitas pelos investigadores com mira no caso específico de Furnas, desde o dia 10 de junho até o dia 26 de setembro, quando o departamento da PF remeteu ao gabinete do ministro do Supremo parte dessas investigações.
Gilmar recebeu esses documentos no dia 28 de setembro, assim como o conteúdo das primeiras apurações feitas em 2015. Já de posse da investigação com dois volumes e um apenso, Mendes decidiu pedir um posicionamento do procurador-geral da República, no último dia 3 deste mês.
Apesar de o andamento do processo estar disponibilizado no servidor do STF, não há informações sobre até que ponto os investigadores da Polícia Federal avançaram sobre a ação contra Aécio Neves no caso do esquema de corrupção da estatal mineira Furnas.
O referido caso só poderá ter novos avanços ou a interferência do STF após a resposta de Rodrigo Janot, que deve ocorrer até o fim deste mês de outubro. Munido de alertas e enfrentamentos aos investigadores registrados há quatro meses, Gilmar Mendes irá decidir se as provas levantadas são suficientes para dar continuidade às investigações contra Aécio ou se, mais uma vez, irá arquivar o processo.
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