Operação Lava Jato: Propina para o “Santo”
Documentos indicam mais pagamentos ilícitos em obras do Metrô de São Paulo e até no Ministério Público do Estado
por Renan Truffi — na Carta Capital - publicado 07/10/2016
Edson Lopes/A2
Sempre presente em todos os episódios. Os documentos falam por si
Sob muitas críticas pelo tom político de suas operações, a Lava Jato terá mais uma oportunidade de tentar desfazer essa imagem. A nova janela abriu-se durante a 35ª fase, denominada Operação Omertà e deflagrada na segunda-feira 26, que culminou com a prisão do ex-ministro Antonio Palocci.
Além do conteúdo que envolve o petista e a Petrobras, documentos obtidos pela Polícia Federal revelam uma série de e-mails que tratam de propinas em dezenas de grandes obras da construtora Odebrecht pelo País.
Todas os e-mails com indícios de supostos esquemas de corrupção com participação da companhia são de seus funcionários e datados a partir de 2003. A maioria é do chamado Setor de Operações Estruturadas da empresa, intitulado pela Polícia Federal como “departamento de propina”.
São pelo menos 30 mensagens que tratam de pagamentos indevidos, identificados internamente pelos empregados com a sigla DGI, que foram trocados entre executivos da companhia e o próprio Marcelo Odebrecht, preso desde junho deste ano.
Muitas fazem menção a obras no Porto de Rio Grande (RS) e de Laguna (SC), Metrô de Ipanema (RJ), ou a reforma de um Centro Educacional Unificado (CEU) de São Paulo, entre outras. Até mesmo o processamento e tratamento do lixo paulista é envolvido.
No entanto, mais uma vez, aparecem indícios de pagamentos para agentes públicos envolvidos nas obras das Linhas 2 (Verde) e 4 (Amarela) do Metrô de São Paulo. Dois casos se destacam: um relato de propina para um beneficiário identificado como “Santo” e supostos pagamentos destinados a um receptor no Ministério Público de São Paulo, com o objetivo de favorecer a empresa.
“Com as deflagrações, em decorrência de investigações policiais, descortinou-se que o grupo empresarial Odebrecht aparelhou um setor dentro de sua estrutura societária voltado exclusivamente para pagamentos ilícitos e à margem de qualquer contabilidade legal para agentes públicos e políticos”, diz o texto da PF.
Os indícios acerca de “Santo” mostram que esse agente público, ainda não identificado pela Polícia Federal, pode ter relação com atividade política e eleitoral no estado de São Paulo. Em uma das várias menções ao apelido, há um e-mail que fala no pagamento de 500 mil reais ao beneficiário para “ajuda de campanha” com “vistas a interesses locais”. O e-mail, datado de setembro de 2004, programa o pagamento do valor em duas parcelas de 250 mil reais, com intervalo de cinco dias entre a primeira e a segunda.
Para a Polícia Federal, a propina não era simples “caixa 2” de campanha. “Verificou-se que alguns pagamentos eram solicitados explicitamente a título de contribuição para campanhas eleitorais, mas, ao contrário de qualquer alegação de que se trataria apenas de contribuição popularmente conhecida como ‘caixa 2’, encontravam-se diretamente atrelados ao favorecimento futuro da Odebrecht em obras públicas da área de interferência dos agentes políticos” afirma a representação.
O pagamento do valor ao agente público foi pedido por um diretor de contrato da Odebrecht que era responsável justamente pelas obras na Linha 4 do Metrô. Os e-mails mostram que a porcentagem de propina em cima desses pagamentos podia chegar até a 4% do valor recebido pela construtora.
O governador de São Paulo na época dos pagamentos e, portanto, responsável pelas obras de transporte, era o tucano Geraldo Alckmin, de novo à frente do Palácio dos Bandeirantes.
Além de “Santo”, há menção ao pagamento de propina referente às obras no Metrô paulista para outros apelidos, como “Estrela”, “Corintiano”, “Santista”, “Brasileiro”, “Bragança”, “Vizinho” e “Cambada de SP”. Nenhum dos codinomes foi identificado ainda.
Em um dos e-mails referentes a obras da Linha 4, datado de 2006, um dos executivos daOdebrecht encaminha uma planilha com o que seriam propinas para alguns desses nomes por conta de um aditivo no valor contratual da obra, de 37,7 milhões de reais.
Com isso, o “Estrela” teria direito a 4% desse valor e teria recebido pouco mais de 1,5 milhão de reais em apagamentos ilícitos. Também com esse aditivo, “Brasileiro” e “Bragança” teriam recebido mais 188 mil reais cada um.
Mas essa não é a primeira vez que “Santo” aparece em anotações ou documentos da Odebrecht apreendidos pela PF, em referência a obras do PSDB. Em março deste ano, um manuscrito foi encontrado na casa de um dos executivos da empreiteira com referência à formação de cartel e pagamento de propina em uma obra de 2002.
Tratava-se da duplicação da Rodovia Mogi-Dutra (SP) e de um suposto pagamento de 5% do valor do contrato para o “Santo”. O papel ainda apresentava um cálculo: essa obra custaria 68,7 milhões, a implicar pouco mais de 3,4 milhões de reais em propina. Assim como agora, Alckmin também era o governador.
Desde março, quando “Santo” apareceu pela primeira vez, já foram deflagradas mais de dez fases da Lava Jato e a Polícia Federal ainda não conseguiu identificar qualquer um dos codinomes mencionados acima.
A justificativa, a princípio, era de que a força-tarefa estava concentrada em outra área. “O foco da nossa investigação são os crimes cometidos contra a Petrobras”, disse, em coletiva, na segunda 26, o delegado da Polícia Federal Filipe Hille Pace, quando questionado sobre indícios de ilícitos no Bando Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No dia seguinte, no entanto, Pace resolveu abrir um novo inquérito para investigar as 38 obras mencionadas em planilhas e e-mails da construtora.
Outro braço de investigação que pode ser iniciado pela Polícia Federal a partir desse inquérito envolve até o Ministério Público do Estado de São Paulo. Em uma das mensagens coletadas na Odebrecht aparece um e-mail datado de julho de 2007 que trata, supostamente, de propina para um promotor do MP.
Na mensagem, um executivo da construtora escreve que ficaram acertados quatro pagamentos mensais de 50 mil reais, totalizando 200 mil reais, com um montante de 40 mil reais de responsabilidade da Odebrecht.
O e-mail não deixa claro quem seria o responsável pelo restante do pagamento. No mesmo e-mail, o funcionário da empresa escreve que essa ação representava “apoio no processo de invest.MP”, o que pode significar “investigação no Ministério Público”.
Naquele mesmo ano, em janeiro de 2007, um acidente aconteceu na Linha 4 do Metrô. No local onde estava sendo construída a estação Pinheiros, um desmoronamento provocou a abertura de uma cratera de 80 metros de diâmetro.
Caminhões e equipamentos foram engolidos. Sete funcionários morreram. Juntamente com outras empreiteiras, como OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, a Odebrecht era uma das empresas que formavam o Consórcio Via Amarela, responsável pela obra.
“Ao que parece, o pagamento em questão destinava-se à obtenção de algum favorecimento nos resultados da apuração e talvez da ação para ressarcimento que foi proposta pelo parquet estadual”, afirma a Polícia Federal no documento.
O destinatário do valor é nomeado como Rui Falcão, mas não há nenhum promotor com esse nome no Ministério Público de São Paulo. A menção pode ser errada, ou representar um codinome. A PF descarta relacionar essa propina ao presidente do PT.
“Não é possível afirmar, por ora, se o beneficiário identificado por Rui Falcão faz referência a Rui Goethe da Costa Falcão, a algum homônimo ou mesmo a outro agente cujo nome não guarde relação com o trecho da mensagem”, explica o documento.
Procurada, a Odebrecht não quis se pronunciar sobre o assunto. O Ministério Público de São Paulo minimizou, por meio de sua assessoria de imprensa, a possibilidade de pagamento de propina no órgão, já que 14 pessoas foram indiciadas pelo MP em 2009, por causa do acidente na Linha 4.
Ninguém foi a julgamento até agora. Já o Metrô de São Paulo respondeu que “a relação do governo do Estado de São Paulo e seus contratados para a realização de obras ou prestação de serviços é baseada nos princípios legais e com aprovação de suas contas pelos órgãos competentes”.
“O Metrô desconhece qualquer irregularidade em suas obras. A empresa, contudo, está à disposição para colaborar com a força-tarefa da Lava Jato e esclarecer toda e qualquer informação”, conclui.
Edson Lopes/A2
Sempre presente em todos os episódios. Os documentos falam por si |
Sob muitas críticas pelo tom político de suas operações, a Lava Jato terá mais uma oportunidade de tentar desfazer essa imagem. A nova janela abriu-se durante a 35ª fase, denominada Operação Omertà e deflagrada na segunda-feira 26, que culminou com a prisão do ex-ministro Antonio Palocci.
Além do conteúdo que envolve o petista e a Petrobras, documentos obtidos pela Polícia Federal revelam uma série de e-mails que tratam de propinas em dezenas de grandes obras da construtora Odebrecht pelo País.
Todas os e-mails com indícios de supostos esquemas de corrupção com participação da companhia são de seus funcionários e datados a partir de 2003. A maioria é do chamado Setor de Operações Estruturadas da empresa, intitulado pela Polícia Federal como “departamento de propina”.
São pelo menos 30 mensagens que tratam de pagamentos indevidos, identificados internamente pelos empregados com a sigla DGI, que foram trocados entre executivos da companhia e o próprio Marcelo Odebrecht, preso desde junho deste ano.
Muitas fazem menção a obras no Porto de Rio Grande (RS) e de Laguna (SC), Metrô de Ipanema (RJ), ou a reforma de um Centro Educacional Unificado (CEU) de São Paulo, entre outras. Até mesmo o processamento e tratamento do lixo paulista é envolvido.
No entanto, mais uma vez, aparecem indícios de pagamentos para agentes públicos envolvidos nas obras das Linhas 2 (Verde) e 4 (Amarela) do Metrô de São Paulo. Dois casos se destacam: um relato de propina para um beneficiário identificado como “Santo” e supostos pagamentos destinados a um receptor no Ministério Público de São Paulo, com o objetivo de favorecer a empresa.
“Com as deflagrações, em decorrência de investigações policiais, descortinou-se que o grupo empresarial Odebrecht aparelhou um setor dentro de sua estrutura societária voltado exclusivamente para pagamentos ilícitos e à margem de qualquer contabilidade legal para agentes públicos e políticos”, diz o texto da PF.
Os indícios acerca de “Santo” mostram que esse agente público, ainda não identificado pela Polícia Federal, pode ter relação com atividade política e eleitoral no estado de São Paulo. Em uma das várias menções ao apelido, há um e-mail que fala no pagamento de 500 mil reais ao beneficiário para “ajuda de campanha” com “vistas a interesses locais”. O e-mail, datado de setembro de 2004, programa o pagamento do valor em duas parcelas de 250 mil reais, com intervalo de cinco dias entre a primeira e a segunda.
Para a Polícia Federal, a propina não era simples “caixa 2” de campanha. “Verificou-se que alguns pagamentos eram solicitados explicitamente a título de contribuição para campanhas eleitorais, mas, ao contrário de qualquer alegação de que se trataria apenas de contribuição popularmente conhecida como ‘caixa 2’, encontravam-se diretamente atrelados ao favorecimento futuro da Odebrecht em obras públicas da área de interferência dos agentes políticos” afirma a representação.
O pagamento do valor ao agente público foi pedido por um diretor de contrato da Odebrecht que era responsável justamente pelas obras na Linha 4 do Metrô. Os e-mails mostram que a porcentagem de propina em cima desses pagamentos podia chegar até a 4% do valor recebido pela construtora.
O governador de São Paulo na época dos pagamentos e, portanto, responsável pelas obras de transporte, era o tucano Geraldo Alckmin, de novo à frente do Palácio dos Bandeirantes.
Além de “Santo”, há menção ao pagamento de propina referente às obras no Metrô paulista para outros apelidos, como “Estrela”, “Corintiano”, “Santista”, “Brasileiro”, “Bragança”, “Vizinho” e “Cambada de SP”. Nenhum dos codinomes foi identificado ainda.
Em um dos e-mails referentes a obras da Linha 4, datado de 2006, um dos executivos daOdebrecht encaminha uma planilha com o que seriam propinas para alguns desses nomes por conta de um aditivo no valor contratual da obra, de 37,7 milhões de reais.
Com isso, o “Estrela” teria direito a 4% desse valor e teria recebido pouco mais de 1,5 milhão de reais em apagamentos ilícitos. Também com esse aditivo, “Brasileiro” e “Bragança” teriam recebido mais 188 mil reais cada um.
Mas essa não é a primeira vez que “Santo” aparece em anotações ou documentos da Odebrecht apreendidos pela PF, em referência a obras do PSDB. Em março deste ano, um manuscrito foi encontrado na casa de um dos executivos da empreiteira com referência à formação de cartel e pagamento de propina em uma obra de 2002.
Tratava-se da duplicação da Rodovia Mogi-Dutra (SP) e de um suposto pagamento de 5% do valor do contrato para o “Santo”. O papel ainda apresentava um cálculo: essa obra custaria 68,7 milhões, a implicar pouco mais de 3,4 milhões de reais em propina. Assim como agora, Alckmin também era o governador.
Desde março, quando “Santo” apareceu pela primeira vez, já foram deflagradas mais de dez fases da Lava Jato e a Polícia Federal ainda não conseguiu identificar qualquer um dos codinomes mencionados acima.
A justificativa, a princípio, era de que a força-tarefa estava concentrada em outra área. “O foco da nossa investigação são os crimes cometidos contra a Petrobras”, disse, em coletiva, na segunda 26, o delegado da Polícia Federal Filipe Hille Pace, quando questionado sobre indícios de ilícitos no Bando Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No dia seguinte, no entanto, Pace resolveu abrir um novo inquérito para investigar as 38 obras mencionadas em planilhas e e-mails da construtora.
Outro braço de investigação que pode ser iniciado pela Polícia Federal a partir desse inquérito envolve até o Ministério Público do Estado de São Paulo. Em uma das mensagens coletadas na Odebrecht aparece um e-mail datado de julho de 2007 que trata, supostamente, de propina para um promotor do MP.
Na mensagem, um executivo da construtora escreve que ficaram acertados quatro pagamentos mensais de 50 mil reais, totalizando 200 mil reais, com um montante de 40 mil reais de responsabilidade da Odebrecht.
O e-mail não deixa claro quem seria o responsável pelo restante do pagamento. No mesmo e-mail, o funcionário da empresa escreve que essa ação representava “apoio no processo de invest.MP”, o que pode significar “investigação no Ministério Público”.
Naquele mesmo ano, em janeiro de 2007, um acidente aconteceu na Linha 4 do Metrô. No local onde estava sendo construída a estação Pinheiros, um desmoronamento provocou a abertura de uma cratera de 80 metros de diâmetro.
Caminhões e equipamentos foram engolidos. Sete funcionários morreram. Juntamente com outras empreiteiras, como OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, a Odebrecht era uma das empresas que formavam o Consórcio Via Amarela, responsável pela obra.
“Ao que parece, o pagamento em questão destinava-se à obtenção de algum favorecimento nos resultados da apuração e talvez da ação para ressarcimento que foi proposta pelo parquet estadual”, afirma a Polícia Federal no documento.
O destinatário do valor é nomeado como Rui Falcão, mas não há nenhum promotor com esse nome no Ministério Público de São Paulo. A menção pode ser errada, ou representar um codinome. A PF descarta relacionar essa propina ao presidente do PT.
“Não é possível afirmar, por ora, se o beneficiário identificado por Rui Falcão faz referência a Rui Goethe da Costa Falcão, a algum homônimo ou mesmo a outro agente cujo nome não guarde relação com o trecho da mensagem”, explica o documento.
Procurada, a Odebrecht não quis se pronunciar sobre o assunto. O Ministério Público de São Paulo minimizou, por meio de sua assessoria de imprensa, a possibilidade de pagamento de propina no órgão, já que 14 pessoas foram indiciadas pelo MP em 2009, por causa do acidente na Linha 4.
Ninguém foi a julgamento até agora. Já o Metrô de São Paulo respondeu que “a relação do governo do Estado de São Paulo e seus contratados para a realização de obras ou prestação de serviços é baseada nos princípios legais e com aprovação de suas contas pelos órgãos competentes”.
“O Metrô desconhece qualquer irregularidade em suas obras. A empresa, contudo, está à disposição para colaborar com a força-tarefa da Lava Jato e esclarecer toda e qualquer informação”, conclui.
Comentários