Mesmo para os atuais padrões, a mentira de Temer sobre reunião inexistente com Putin é assombrosa. Por Kiko Nogueira

Postado em 18 Oct 2016
Segundo Temer, Putin propôs casamento, mas não rolou Segundo Temer, Putin propôs doar a Ucrânia ao Brasil

Michel Temer merece um lugar especial na vasta galeria de políticos mentirosos. Elevou esse traço ao estado de arte e atualmente excursiona pelo mundo exibindo suas trampolinagens.
O Estadão deu a matéria. Temer foi esnobado por Putin na cúpula dos BRICS em Goa, na Índia, no final de semana. O russo esteve com o líder da China, Xi Jinping, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e com Jacob Zuma, presidente da África do Sul.
O jornalista brasileiro Pepe Escobar, da RT, escreveu que Putin deu um sinal claro ao manter Temer longe da reunião. “Eles conversaram brevemente sobre as ‘reformas’ econômicas do Brasil — sinônimo do choque neoliberal em curso”. Temer deu provas de estar “alinhado com Washington”, afirma Escobar.
O que fez Michel ao encontrar a imprensa na terça? Tentou aplicar um golpe. Simplesmente criou uma fantasia paraguaia com Putin e mandou ver.
Diz o Estadão:

Ao ser questionado sobre como os líderes estrangeiros haviam reagido em relação à aproximação da PEC sobre o limite de gastos do orçamento, Temer afirmou: “Não só o ministro indiano se interessou, como durante um almoço o ministro Putin… o presidente Putin se interessou vivamente, tanto que eu dei explicações as mais variadas sobre o nosso projeto”, disse ele. Instantes depois o presidente brasileiro se referiu ao almoço como “um jantar”. Sem ser questionado, Temer prosseguiu falando de Rússia: “Há uma identidade muito grande de questões econômicas entre a Rússia e o Brasil”.
O brasileiro explicou que a dívida bruta brasileira é quase 70% do PIB, “um índice altíssimo”. “Na Rússia, me disse ele (Putin), igualmente. E o déficit de R$ 170 bilhões representa no nosso caso 1,8% do PIB, e na Rússia representa 2% ou 2,1%. De modo que, como havia essa identidade, nós conversamos muito sobre o teto dos gastos públicos. Percebo que ele se interessou. Agora não sei o que ele fará.”
(…)
Apesar de ter sido preterido pelo presidente russo, Temer disse estar sendo acolhido “com simpatia” nas reuniões no exterior. “Não vou nem dizer simpatia, mas acolhimento e compreensão das palavras que digo”, corrigiu-se a seguir. E então voltou a falar de Putin ao mencionar que propôs a aproximação “dos povos dos Brics”: “O interessante é como isso foi bem acolhido e foi até objeto de manifestação do presidente Putin quando nós fizemos a segunda plenária dos Brics”, contou.

Assombroso é ele achar que ninguém checaria a história. Patologia? Desespero? Desfaçatez? Certamente, se for confrontado, tentará alguma manobra diversionista do tipo “me entenderam mal”.
Em setembro, Michel já tinha dado um vexame na ONU ao falar que o Brasil recebeu “mais de 95 mil refugiados”, inflando o número de 8 800, de acordo com um órgão ligado ao Ministério da Justiça. Ficou por isso mesmo.
Podemos estar diante de um mitômano como Maluf, Nixon ou Dadá Maravilha. A ver. Se ele é capaz de bolar um episódio desses, o que não oferece, por exemplo, a deputados? O que não falou para Shinzo Abe, do Japão? O que não ouve Marcela?
Como somos uma república de bananas, é pouco provável que o embuste repercuta lá fora. De qualquer maneira, seria menos ridículo se ele nos envergonhasse por aqui, mesmo, sem precisar viajar.
Como perguntou aquela velha senhora moscovita num conto de Tchécov que ninguém leu: “Você compraria um carro usado deste homem?”

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Sobre o Autor
Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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