Mauricio Dias: Dignos e perseguidos

por Mauricio Dias — na Carta capital - publicado 14/10/2016 13h34, última modificação 15/10/2016 07h36
As semelhanças nas campanhas midiáticas urdidas pela mídia nativa, Globo à frente, contra Luiz Inácio Lula da Silva e Roberto Saturnino
Fernando Frazão/ABr e Adriana Lorete
Lula e Saturnino
No caso do ex-presidente, a mídia troca presunção de culpa por presunção de inocência. Quanto a Saturnino, os Marinho nunca perdoaram certas revelações
O prazer estranho dos justiceiros da Lava Jato favoreceu o aumento de efeitos danosos na mídia brasileira com a utilização de vazamento de informações sem qualquer sustentação de provas materiais.
As delações premiadas, a troco de redução de penas e de devolução de dinheiro ilegal, forçadas pela prisão indiscriminada, ganharam a dimensão de linchamento com o silêncio dos tribunais. Uma cumplicidade ruim para o jornalismo nativo e comprometedora para a Justiça.

Não é um fato novo na história da mídia brasileira trocar a presunção de inocência por presunção de culpa. Facilita mais quando certos juízes, como agora, criam um inimigo político.
Tem sido assim com Lula, com a família dele e seu partido. Para acabar com o ex-presidente é preciso também destruir o moral dos familiares e do PT.
Ao entregar, em julho, um recurso de proteção ao Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o advogado Cristiano Zanin explicou por que Lula tomou aquela decisão: “Ele é vítima de abuso de poder por um juiz, com a cumplicidade dos procuradores, que atuam lado a lado com os meios de comunicação”.
Esse corpo a corpo tem sido assim no Brasil. Lula não é o único a sofrer perseguição.
Vai para o prelo, em breve, um novo livro de Roberto Saturnino Braga, ex-senador pelo Rio de Janeiro e ex-prefeito da capital. É uma incursão pela trajetória pública de um homem honradíssimo, embora ciente das diabruras da política e cioso do poder da mídia. Nem por isso fez pacto com o diabo.
Saturnino é cidadão de invejável serenidade. Nele, porém, a suavidade não sufoca a coragem. Pagou por isso ao longo do tempo. Eis uma das razões, recolhida do livro: a ilegal relação, nos anos 1960, entre a Globo e a Time-Life. “A presidência da CPI (...) me valeu o veto do Globo pelo resto da vida...”
Saturnino conta que, no início dos anos 80, na campanha de reeleição para o Senado, Ulysses Guimarães esteve no Rio para uma manifestação durante a campanha eleitoral, realizada na ABI. O Globo deu metade da segunda página para registrar a presença de Ulysses “sem mencionar” o nome dele. A isso Saturnino acrescenta: “E sem tocar numa linha sequer no motivo principal, que era a minha candidatura”.
Hoje, aos 85 anos, Saturnino Braga recorda o que se passou com Getúlio Vargas, Leonel Brizola e João Goulart. Lula é o herdeiro desse influente e progressista rastro na história da República. E paga o preço. Ele só aparece no noticiário para ser apresentado da forma mais desfavorável possível.
A mídia tem opções. Pode ser de direita ou de esquerda. Só não precisa ser desonesta.

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