Emir Sader: Isolamento da esquerda se supera com novas ideias e objetivos
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O resultado das eleições municipais é apenas mais uma demonstração de um processo que foi se configurando há alguns anos, passou pelas manifestações de 2013, pelas eleições de 2014, pelas manifestações da direita e do seu projeto de golpe em 2015/2016 e desembocou nestas eleições.
Todo avanço político é precedido por um avanço no plano das ideias. Quando Collor e FHC impuseram sobre a opinião pública – contando com a ação direta da mídia – a ideia de que o problema central do Brasil era a inflação, e que o culpado por ela era o Estado e os seus gastos, tratando-se, portanto, de impor um duro ajuste fiscal, criaram as condições para a vitória política do neoliberalismo.
Quando Lula e a esquerda, no seu conjunto, conseguiram convencer que o combate à inflação por si só não resolve os problemas do país, e que a questão central do Brasil é a questão social, o combate à fome, à miséria, à desigualdade, à exclusão social, a esquerda triunfou em quatro eleições seguidas, com seu modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda.
Quando a direita reverteu esse consenso e impôs a ideia de que a questão central do Brasil é a corrupção e que ela se concentra no Estado e no PT, assim como a ideia de que o modelo econômico vigente teria fracassado e seria responsável, com gastos excessivos em politicas sociais, da crise econômica, se criaram as condições para os avanços da direita.
Essa ação da direita isolou a esquerda em relação às grandes camadas do povo. Se impregnou em amplos setores da população a ideia da corrupção associada ao PT, como se, além disso, fosse o maior problema do país. O que autorizaria todo tipo de ação arbitrária repressiva contra o PT.
Recai sobre o PT o centro da ofensiva da direita, pelos méritos deste, porque foi o partido que tirou o controle do governo da mão das elites tradicionais e levou à prática o modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Porque é o partido de Lula, o dirigente maior desse processo.
Ilusão dos outros setores da esquerda acreditarem que a crise é crise do PT. É uma dura ofensiva contra a esquerda, apoiada nos valores da direita, que se abate sobre o PT, os sindicatos, os movimento sociais, os direitos dos trabalhadores, o patrimônio nacional, porque a direita conseguiu impor seus valores na opinião pública. O que levou a um isolamento de todos os setores populares, porque foi criada uma barreira para os valores da esquerda, pelos meios de comunicação. O PT é o alvo principal e sua principal vítima, porque é quem mais incomoda, e Lula, seu principal líder, sua vítima preferida da direita.
Aqueles que exacerbam seu esporte preferido, desde 2003, de atacar o PT e Lula, podem se resignar a seu pessimismo catastrofista, que não os levou a construir nada alternativo, apenas a critica, que lhes dá espaços para publicar, mas não os tira da intranscendência pessoal ou partidária.
Mas o tema fundamental hoje não é esse, embora tenha que partir da ideia de que é toda a esquerda que está na defensiva, que é atacada pelas políticas regressivas do governo e pelas suas ações repressivas. É que é sobre o povo que recai o peso maior da contra ofensiva da direita.
Pregar a unidade da esquerda é de bom tom. Ela é necessária, mas está longe de ser suficiente, porque unindo toda a esquerda, ainda assim se estará isolado do povo, porque toda a esquerda somada – partidos, movimentos sociais –, ainda assim é hoje uma força, mesmo quando mobilizada nas ruas, minoritária no país. Menos ainda basta fazer uma "frente democrática" ou uma "frente de esquerdas", não basta para romper esse isolamento.
Romper o isolamento da esquerda, retomar a iniciativa, requer reformular o projeto de país que se quer, retomar a batalha das ideias no seu sentido mais amplo, de luta ideológica em todos os espaços da sociedade e do país. Buscar reimpor a prioridade das preocupações nacionais onde elas devem estar: na prioridade dos problemas sociais, da luta contra a fome, a miséria, a pobreza, a desigualdade e a exclusão social. Encontrar as distintas formas de fazer chegar essa ideia central da esquerda a todos os rincões da sociedade, fazer com que ela volte a ganhar mentes e corações dos brasileiros.
Voltar a ganhar a batalha das ideias, para voltar a triunfar politicamente. Se o fulcro das ideias da esquerda é a luta pela justiça social, ela tem que ser acompanhada de todas as demandas que não foram assumidas até aqui, como o direito ao aborto, a descriminalização das drogas, entre tantos outros. Mas não se trata de ir somando uma grande quantidade de reivindicações justas e não atendidas até aqui, mas de pensar, na sua globalidade, que país queremos, que tipo de sociedade, de Estado, de educação, de cultura, e assim por diante. Tendo como mote fundamental a democracia, com sua inseparável dimensão social e cultural, dos direitos de todos e para todos.
A luta primordial hoje é, portanto, a luta das ideias, dos projetos para o Brasil, do país que queremos. Não apenas no nível dos setores já organizados da esquerda, mas incorporando a todos os amplos setores de jovens, especialmente os da periferia, os movimentos de mulheres, de todos os setores que participam da luta de resistência ao golpe. O primeiro passo para reconquistar a hegemonia da esquerda é no plano dos projetos de país, que prepara as condições de novos avanços políticos da esquerda.
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