Como Alexis Tsipras enterrou a suspensão do pagamento e a auditoria da dívida grega muito antes das eleições de 2015 Entrevista a Eric Toussaint

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Alexis Tsipras

Benjamin Lemoine 
Traduzido por  Rui Viana Pereira
Edité par  Stathis Kouvelakis Στάθης Κουβελάκης استاتیس کوولاکیس


Introdução de Stathis Kouvélakis
A análise profunda das causas que levaram à capitulação do Governo grego em Julho de 2015 e à assinatura de um terceiro Memorando permite traçar uma das principais linhas de clivagem do período em curso, clivagem essa que não é uma mera questão balanço histórico: tem um carácter genuinamente político.
É evidente que um desastre destas dimensões não pode ser explicado em termos psicológicos, nem pode ser levado simplesmente à conta de um somatório de erros, nem pode ser explicado em termos de pessoas – ainda que as responsabilidades pessoais, enormes, de quem assumiu a direcção dos acontecimentos tão-pouco possa ser elidida.
O testemunho de Éric Toussaint constitui uma contribuição preciosa para este exame crítico imperioso. O público grego conheceu Toussaint quando ele tomou o encargo da coordenação científica da Comissão para a Verdade sobre a Dívida Pública Grega, formada em Abril de 2015 sob os auspícios da presidente do Parlamento grego, à época Zoé Konstantopoulou.
Eric Toussaint tem um currículo de vários décadas de trabalho e acção militante em torno das questões da dívida pública e, antes da Grécia, participou nos trabalhos da auditoria cidadã da dívida em diversos países da América Latina (Equador, Paraguai, Brasil), da Ásia (Timor Leste) e no quadro de organismos como a União Africana.
Esta rica experiência internacional confere-lhe naturalmente uma posição privilegiada, não só para contribuir para o inquérito das causas que prenderam a Grécia nas garras da «dividocracia» europeia e internacional |1|, mas também para avaliar as estratégias políticas que foram aplicadas, nesta questão capital, pelos protagonistas da actual tragédia grega.
É precisamente neste aspecto que o seu testemunho se torna precioso. A partir da sua posição privilegiada de interveniente «estrangeiro» envolvido desde o início na primeira linha de batalha em torno da crise grega, Toussaint conheceu de perto a forma como o Syriza – a força política que rapidamente se tornou o principal protagonista dos acontecimentos subsequentes – abordou a questão da dívida.
O que ele revela no texto que se segue – extraído duma série de entrevistas cuja leitura integral aconselho vivamente – é a deriva de Alexis Tsipras e das pessoas que lhe são próximas precisamente sobre uma questão fundamental. Partindo duma posição que exigia a anulação da dívida ilegítima e a realização duma auditoria cidadã, os dirigentes do Syriza acabaram por aderir a uma lógica de soluções «consensuais», tão irrealizáveis como cegas aos ensinamentos da história, tomando por modelo o acordo de Londres de 1953, graças ao qual, em plena Guerra Fria, os vencedores da II Guerra Mundial anularam a maior parte da dívida alemã; tratava-se, de facto, de reconstruir (e rearmar) em passo acelerado. Ora esta deriva não teve início no momento em que o Syriza ganhou as eleições, em Janeiro de 2015, mas muito antes, mais precisamente logo a seguir às eleições da Primavera de 2012, quando o Syriza se torna a principal força da oposição e os seus quadros dirigentes ganham autonomia em relação às instâncias colectivas do partido e começam a funcionar, de facto, como um «gabinete fantasma», na mira de exercerem funções governamentais.
Eric Toussaint mostra-nos esta deriva com total clareza. Como ele sublinha nesta entrevista, «o núcleo à volta de Tsipras – não falo do secretariado político do Syriza, porque os membros do secretariado não foram incluídos nas decisões capitais, tal como os membros do comité central foram mantidos à distância –, incluindo Yannis Dragasakis, o vice-primeiro-ministro actual que desempenha um papel chave, tomou nos momentos decisivos a seguinte orientação: “É preciso evitar a todo o custo o confronto com o grande capital grego, os banqueiros gregos e os armadores.” Os interesses dos dois últimos estão ligados, totalmente interpenetrados. Além disso o núcleo considerava que era preciso evitar o confronto com as instituições europeias».
Como sabemos, o empenho em não romper com o euro e a UE, mantido a qualquer preço, e a submissão absoluta aos quadros fixados pela OTAN faziam igualmente parte desta escolha.
Eric Toussaint, a fim de preservar a possibilidade de intervir de forma tão eficaz quanto possível no seu próprio campo, que é o da dívida pública, coibiu-se judiciosamente de intervir nesse momento no debate sobre o euro. Hoje em dia, como ele próprio descreve durante esta entrevista, Toussaint considera a saída do euro uma etapa necessária a todos os países da periferia europeia que pretendam derrubar a política de austeridade e romper as grilhetas da dividocracia. Este relativo distanciamento em relação à confrontação sobre o euro, que foi uma questão central nas clivagens internas do Syriza nessa época, confere ao seu testemunho um peso ainda maior. Demonstra que o inesperado abandono da posição inicial do Syriza de «nenhum sacrifício pelo euro», adoptado no dia seguinte às duplas eleições de 2012, não foi nem um movimento táctico, nem o resultado duma obsessão europeísta – ainda que fosse esse o caso inegável duma grande parte dos quadros e dos militantes de base do Syriza.
Os votos pios de submissão ao euro e a recusa obsessiva de qualquer plano alternativo em caso de falhanço das negociações foram o reverso duma escolha estratégica de recusa de confronto, tanto com a burguesia interna, como com as classes dominantes na Europa e os seus mecanismos políticos de dominação, ou seja, a União Europeia e respectivos apêndices (BCE, Fundo de Estabilidade Financeira, etc.).
Foi precisamente esta escolha, que evidentemente nunca foi apresentada publicamente como tal nessa época, que determinou o quadro imutável para o qual evoluiu o governo do Syriza entre Janeiro e Julho de 2015, com excepção do referendo de Julho, o qual não podia constituir, dentro desse quadro, senão uma derradeira convulsão antes da capitulação.
O resultado desta sequência é bem conhecido e as suas consequências são sentidas pelo povo grego no seu dia-a-dia, mas também pelas forças da «esquerda à esquerda» da Europa (e além-Europa), aos olhos da qual a Grécia se transformou, no espaço de poucos meses, de um farol de esperança em chaga aberta. No seguimento desta derrota histórica, toda a tentativa de reinício tem imperativamente de extrair as conclusões que se impõem.
Ao longo de todos estes anos, Éric Toussaint revelou-se um participante activo e um apoio precioso da luta do povo grego. Hoje, ao tomar a palavra, demonstra que a sua contribuição e o seu empenho no combate se manterão até que seja feita justiça |2|.
Parte 5 da entrevista «Genealogia das políticas antidívida e do CADTM»


Entrevista com Éric Toussaint, porta-voz e um dos fundadores da rede internacional do Comité para a Abolição das Dívidas ilegíTiMas (CADTM). Recolha de Benjamin Lemoine |3|
Este diálogo versa sobre a genealogia da luta contra a dívida, os apelos à sua anulação e a criação empírica, ao serviço de combates políticos, dos conceitos de «ilegitimidade», de «ilegalidade» e do carácter «odioso» das dívidas públicas. Fala-se também da necessidade de o Comité para a Abolição das Dívidas Ilegítimas (CADTM) – anteriormente conhecido por Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo – se aliar às forças de oposição e aos movimentos sociais, cujas ideias e pessoas, uma vez chegadas ao poder, poderão contestar e derrubar a dívida e o seu «sistema». No entanto para o CADTM a prioridade absoluta vai para o reforço da acção dos de baixo, e não tanto para o lobbying.
Esta quinta parte aborda a experiência grega entre 2010 e a entrada do Syriza para o Governo em Janeiro 2015.
Publicamos esta entrevista em 5 partes:
1. Genealogia do CADTM e da antidívida ilegítima: as origens
2. Os primeiros territórios de experimentação do método CADTM para combater as dívidas ilegítimas: os exemplos do Ruanda e da República Democrática do Congo
3. Argentina: o combate contra a dívida ilegítima
4. Das esperanças frustradas ao sucesso no Equador. Os exemplos da África do Sul, do Brasil, do Paraguai e do Equador
5. Grécia: a ambivalência dos dirigentes perante a ordem financeira e a dívida
6. Grécia: A Comissão para a Verdade Sobre a Dívida Grega, a capitulação do governo de Tsipras e as perspectivas internacionais da luta contra as dívidas ilegítimas.
Como se chegou à auditoria na Grécia? Quais foram os vossos apoios e como entraram em contacto com os potenciais defensores da auditoria na Grécia?
O CADTM agiu tanto a nível europeu como na Grécia. Com o intuito de criar um movimento unitário europeu anti-austeridade que reunisse as forças sociais e políticas, o CADTM convocou uma reunião europeia a realizar em Bruxelas, a 29/09/2010, por ocasião duma manifestação europeia convocada pela Conferência Europeia dos Sindicatos (CES). |4|.
Antes disso, no início de Julho de 2010, por iniciativa de Moisis Litsis, Sonia Mitralias e Giorgos Mitralias, tinha sido criado em Atenas o Comité contra a Dívida, membro do CADTM internacional |5|. Giorgos Mitralias traduziu o manual da auditoria cidadã publicado pelo CADTM internacional. Foi publicada uma versão grega em 2011 pelo editor Alexandria.
As posições do CADTM começaram a ser conhecidas na Grécia a partir de 2010. Foram publicadas várias entrevistas na imprensa grega. Por exemplo, a revista grega Epikaira publicou uma longa entrevista comigo, realizada por Leonidas Vatikiotis, jornalista e militante político de extrema esquerda e muito activo |6|. Nessa entrevista explico as causas da explosão da dívida pública grega e de que forma a experiência do Equador poderia ser fonte de inspiração para a Grécia, em termos de comissão de auditoria e suspensão do pagamento da dívida. Em jeito de conclusão, à pergunta «Que deve a Grécia fazer?», respondi: «Devia ser rapidamente constituída uma comissão de auditoria com personalidades prestigiadas e experientes. O meu conselho é categórico: abram os livros de contas! Escrutinem com transparência e na presença da sociedade civil todos os contratos do Estado – desde os maiores, como por exemplo os recentes Jogos Olímpicos, até aos mais pequenos – e descubram que parte da dívida é fruto da corrupção, e por conseguinte ilegal ou odiosa segundo o jargão internacional, e denunciem-na!» |7|.
Por seu lado, em numerosos artigos amplamente divulgados na Grécia, o economista Costas Lapavitsas |8| defendeu de forma igualmente activa a necessidade de criar uma comissão de auditoria. Num desses artigos afirmava ele: «A comissão internacional de auditoria poderia desempenhar o papel de catalisador, contribuindo para a transparência requerida. Essa comissão internacional, composta por peritos na auditoria das finanças públicas, economistas, sindicalistas, representantes dos movimentos sociais, deve ser totalmente independente dos partidos políticos. Deve apoiar-se em numerosas organizações que permitirão mobilizar largas camadas sociais. Assim começará a tornar-se realidade a participação popular necessária face à questão da dívida» |9|.
A 9 de Janeiro de 2012, o terceiro quotidiano grego em volume de tiragem (nessa época), o Ethnos tis Kyriakis, entrevistou-me sob este título: «Não é normal reembolsar as dívidas ilegítimas. Os povos da Europa também têm o direito de controlar os seus credores» |10|. O jornal explica que «o trabalho do Comité no Equador foi recentemente mencionado no Parlamento grego pela deputada Sofia Sakorafa».
Efectivamente, em Dezembro de 2010 a deputada Sofia Sakorafa fez uma intervenção no Parlamento para afirmar que era necessário constituir uma Comissão de auditoria da dívida, inspirada na que foi feita no Equador. O Parlamento era então dominado pelo Pasok e pela Nova Democracia, que não tinham qualquer interesse em lançar luz sobre a dívida, de modo que a proposta foi rejeitada. No entanto o combate prosseguiu doutras formas, fora do terreno dos profissionais da política. Em Março de 2011 foi lançado o comité grego de auditoria da dívida (ELE). Resultou da convergência entre pessoas que nem sequer se conheciam ou mal se conheciam poucas semanas antes. O processo de criação foi catalisado pela amplitude da crise grega. Para lançar o comité, Costas Lapavitsas difundiu um apelo internacional, apoiado pelo CADTM, que obteve um largo eco.
Costas Lapavitsas consultou-me acerca do conteúdo do apelo internacional de apoio à constituição do comité e eu fiz algumas alterações. A seguir começámos a procurar o apoio de personalidades susceptíveis de nos ajudarem a aumentar o eco e a credibilidade desta iniciativa. Encarreguei-me de recolher o máximo possível de assinaturas de personalidades internacionais favoráveis à instalação de uma comissão de auditoria. Conheço algumas delas há anos, como é o caso de Noam Chomski (EUA), com quem mantinho contacto desde 1998 a propósito da temática da dívida, Jean Ziegler (Suíça), nessa época relator das Nações Unidas para o direito à alimentação, Tariq Ali (Reino Unido), bem como numerosos economistas.
Teve facilidade em obter apoios?
Ao longo de toda a minha recolha de assinaturas apenas fui confrontado com uma recusa: o economista americano James Galbraith. Eu estava em contacto com ele há vários anos, a propósito das conferências sobre a globalização financeira, onde nos encontrávamos. Mais tarde recebi uma parte da explicação dessa recusa. James Galbraith, como ele próprio confirma num livro publicado em 2016, tinha dado o seu apoio a Georges Papandreou, primeiro-ministro do Governo que assinou o primeiro Memorando [com a Troika] em Maio de 2010. James Galbraith criticava o Memorando mas aceitava a narrativa falsa de Papandreou a propósito da crise, como indica a introdução que Galbraith escreveu para o livro Crise grecque. Tragédie européenne [Crise Grega. Tragédia Europeia], publicado em 2016 |11|.
A segunda razão que levou Galbraith a não assinar o apelo foi o conselho que lhe foi dado por Yannis Varoufakis. Este explicou publicamente em 2011 que recusava subscrever o apelo para a criação duma comissão de auditoria: declarou que foi contactado por Galbraith, que lhe perguntou se devia assinar ou não o apelo, e que lhe disse que não devia assinar. Esta recusa de Yannis Varoufakis permite compreender melhor a sua atitude distante em relação à Comissão para a Verdade sobre a Dívida Grega, depois de ser nomeado ministro das Finanças no primeiro governo de Alexis Tsipras em 2015 |12|.
Numa longa carta pública divulgada na Primavera de 2011, Y. Varoufakis justifica a sua recusa de apoio à criação do comité de auditoria cidadã (ELE). Declara que se a Grécia suspendesse o pagamento da dívida, teria de sair da Zona Euro e regressaria à Idade do Neolítico (sic!). Y. Varoufakis explica que, por outro lado, as pessoas que tomaram essa iniciativa são muito simpáticas e bem intencionadas e que, em princípio, ele era favorável a uma auditoria, mas que, nas circunstâncias em que se encontrava a Grécia, a auditoria não era oportuna |13|.
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Muito obrigado a CADTM
Fonte: http://www.cadtm.org/Pourquoi-Alexis-Tsipras-a-enterre
Data de publicação do artigo original: 03/10/2016
URL deste artigo: http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=19102 

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