Como Alexis Tsipras enterrou a suspensão do pagamento e a auditoria da dívida grega muito antes das eleições de 2015 Entrevista a Eric Toussaint
Alexis Tsipras |
Benjamin Lemoine | ||
Traduzido por Rui Viana Pereira | ||
Edité par Stathis Kouvelakis Στάθης Κουβελάκης استاتیس کوولاکیس |
Parte 5 da entrevista «Genealogia das políticas antidívida e do CADTM»
Entrevista com Éric Toussaint, porta-voz e um dos fundadores da rede internacional do Comité para a Abolição das Dívidas ilegíTiMas (CADTM). Recolha de Benjamin Lemoine |3| Este diálogo versa sobre a genealogia da luta contra a dívida, os apelos à sua anulação e a criação empírica, ao serviço de combates políticos, dos conceitos de «ilegitimidade», de «ilegalidade» e do carácter «odioso» das dívidas públicas. Fala-se também da necessidade de o Comité para a Abolição das Dívidas Ilegítimas (CADTM) – anteriormente conhecido por Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo – se aliar às forças de oposição e aos movimentos sociais, cujas ideias e pessoas, uma vez chegadas ao poder, poderão contestar e derrubar a dívida e o seu «sistema». No entanto para o CADTM a prioridade absoluta vai para o reforço da acção dos de baixo, e não tanto para o lobbying. Esta quinta parte aborda a experiência grega entre 2010 e a entrada do Syriza para o Governo em Janeiro 2015. Publicamos esta entrevista em 5 partes: 1. Genealogia do CADTM e da antidívida ilegítima: as origens 2. Os primeiros territórios de experimentação do método CADTM para combater as dívidas ilegítimas: os exemplos do Ruanda e da República Democrática do Congo 3. Argentina: o combate contra a dívida ilegítima 4. Das esperanças frustradas ao sucesso no Equador. Os exemplos da África do Sul, do Brasil, do Paraguai e do Equador 5. Grécia: a ambivalência dos dirigentes perante a ordem financeira e a dívida 6. Grécia: A Comissão para a Verdade Sobre a Dívida Grega, a capitulação do governo de Tsipras e as perspectivas internacionais da luta contra as dívidas ilegítimas.
Como se chegou à auditoria na Grécia? Quais foram os vossos apoios e como entraram em contacto com os potenciais defensores da auditoria na Grécia?
O CADTM agiu tanto a nível europeu como na Grécia. Com o intuito de criar um movimento unitário europeu anti-austeridade que reunisse as forças sociais e políticas, o CADTM convocou uma reunião europeia a realizar em Bruxelas, a 29/09/2010, por ocasião duma manifestação europeia convocada pela Conferência Europeia dos Sindicatos (CES). |4|.Antes disso, no início de Julho de 2010, por iniciativa de Moisis Litsis, Sonia Mitralias e Giorgos Mitralias, tinha sido criado em Atenas o Comité contra a Dívida, membro do CADTM internacional |5|. Giorgos Mitralias traduziu o manual da auditoria cidadã publicado pelo CADTM internacional. Foi publicada uma versão grega em 2011 pelo editor Alexandria. As posições do CADTM começaram a ser conhecidas na Grécia a partir de 2010. Foram publicadas várias entrevistas na imprensa grega. Por exemplo, a revista grega Epikaira publicou uma longa entrevista comigo, realizada por Leonidas Vatikiotis, jornalista e militante político de extrema esquerda e muito activo |6|. Nessa entrevista explico as causas da explosão da dívida pública grega e de que forma a experiência do Equador poderia ser fonte de inspiração para a Grécia, em termos de comissão de auditoria e suspensão do pagamento da dívida. Em jeito de conclusão, à pergunta «Que deve a Grécia fazer?», respondi: «Devia ser rapidamente constituída uma comissão de auditoria com personalidades prestigiadas e experientes. O meu conselho é categórico: abram os livros de contas! Escrutinem com transparência e na presença da sociedade civil todos os contratos do Estado – desde os maiores, como por exemplo os recentes Jogos Olímpicos, até aos mais pequenos – e descubram que parte da dívida é fruto da corrupção, e por conseguinte ilegal ou odiosa segundo o jargão internacional, e denunciem-na!» |7|. Por seu lado, em numerosos artigos amplamente divulgados na Grécia, o economista Costas Lapavitsas |8| defendeu de forma igualmente activa a necessidade de criar uma comissão de auditoria. Num desses artigos afirmava ele: «A comissão internacional de auditoria poderia desempenhar o papel de catalisador, contribuindo para a transparência requerida. Essa comissão internacional, composta por peritos na auditoria das finanças públicas, economistas, sindicalistas, representantes dos movimentos sociais, deve ser totalmente independente dos partidos políticos. Deve apoiar-se em numerosas organizações que permitirão mobilizar largas camadas sociais. Assim começará a tornar-se realidade a participação popular necessária face à questão da dívida» |9|. A 9 de Janeiro de 2012, o terceiro quotidiano grego em volume de tiragem (nessa época), o Ethnos tis Kyriakis, entrevistou-me sob este título: «Não é normal reembolsar as dívidas ilegítimas. Os povos da Europa também têm o direito de controlar os seus credores» |10|. O jornal explica que «o trabalho do Comité no Equador foi recentemente mencionado no Parlamento grego pela deputada Sofia Sakorafa». Efectivamente, em Dezembro de 2010 a deputada Sofia Sakorafa fez uma intervenção no Parlamento para afirmar que era necessário constituir uma Comissão de auditoria da dívida, inspirada na que foi feita no Equador. O Parlamento era então dominado pelo Pasok e pela Nova Democracia, que não tinham qualquer interesse em lançar luz sobre a dívida, de modo que a proposta foi rejeitada. No entanto o combate prosseguiu doutras formas, fora do terreno dos profissionais da política. Em Março de 2011 foi lançado o comité grego de auditoria da dívida (ELE). Resultou da convergência entre pessoas que nem sequer se conheciam ou mal se conheciam poucas semanas antes. O processo de criação foi catalisado pela amplitude da crise grega. Para lançar o comité, Costas Lapavitsas difundiu um apelo internacional, apoiado pelo CADTM, que obteve um largo eco. Costas Lapavitsas consultou-me acerca do conteúdo do apelo internacional de apoio à constituição do comité e eu fiz algumas alterações. A seguir começámos a procurar o apoio de personalidades susceptíveis de nos ajudarem a aumentar o eco e a credibilidade desta iniciativa. Encarreguei-me de recolher o máximo possível de assinaturas de personalidades internacionais favoráveis à instalação de uma comissão de auditoria. Conheço algumas delas há anos, como é o caso de Noam Chomski (EUA), com quem mantinho contacto desde 1998 a propósito da temática da dívida, Jean Ziegler (Suíça), nessa época relator das Nações Unidas para o direito à alimentação, Tariq Ali (Reino Unido), bem como numerosos economistas.
Teve facilidade em obter apoios?
Ao longo de toda a minha recolha de assinaturas apenas fui confrontado com uma recusa: o economista americano James Galbraith. Eu estava em contacto com ele há vários anos, a propósito das conferências sobre a globalização financeira, onde nos encontrávamos. Mais tarde recebi uma parte da explicação dessa recusa. James Galbraith, como ele próprio confirma num livro publicado em 2016, tinha dado o seu apoio a Georges Papandreou, primeiro-ministro do Governo que assinou o primeiro Memorando [com a Troika] em Maio de 2010. James Galbraith criticava o Memorando mas aceitava a narrativa falsa de Papandreou a propósito da crise, como indica a introdução que Galbraith escreveu para o livro Crise grecque. Tragédie européenne [Crise Grega. Tragédia Europeia], publicado em 2016 |11|.A segunda razão que levou Galbraith a não assinar o apelo foi o conselho que lhe foi dado por Yannis Varoufakis. Este explicou publicamente em 2011 que recusava subscrever o apelo para a criação duma comissão de auditoria: declarou que foi contactado por Galbraith, que lhe perguntou se devia assinar ou não o apelo, e que lhe disse que não devia assinar. Esta recusa de Yannis Varoufakis permite compreender melhor a sua atitude distante em relação à Comissão para a Verdade sobre a Dívida Grega, depois de ser nomeado ministro das Finanças no primeiro governo de Alexis Tsipras em 2015 |12|. Numa longa carta pública divulgada na Primavera de 2011, Y. Varoufakis justifica a sua recusa de apoio à criação do comité de auditoria cidadã (ELE). Declara que se a Grécia suspendesse o pagamento da dívida, teria de sair da Zona Euro e regressaria à Idade do Neolítico (sic!). Y. Varoufakis explica que, por outro lado, as pessoas que tomaram essa iniciativa são muito simpáticas e bem intencionadas e que, em princípio, ele era favorável a uma auditoria, mas que, nas circunstâncias em que se encontrava a Grécia, a auditoria não era oportuna |13|. Leia mais Muito obrigado a CADTM Fonte: http://www.cadtm.org/Pourquoi-Alexis-Tsipras-a-enterre Data de publicação do artigo original: 03/10/2016 URL deste artigo: http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=19102 |
Comentários