Brito: É tarde para exorcizar politicamente Crivella?

POR  · 16/10/2016

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Não tenho a menor simpatia pelos rumos que tomou a campanha de Marcelo Freixo, sobretudo por sua adesão – prefiro achar que involuntária ou marqueteira – à onda de senão de criminalização, ao menos de desmoralização  da política e dos partidos. Será meu voto, sem nenhum entusiasmo.
Mas é um escárnio que uma cidade libertária, cuja cultura está tão apoiada na matriz negra, possa ter como prefeito alguém que demonstra pelos valores culturais do povo africano aquilo que o repórter Fernando Molica revela hoje, escrito de próprio punho, pelo agora candidato Marcelo Crivella em sua passagem, como missionário de Edir Macedo, pela África.

Reproduzo o texto da magnífica reportagem assim como registro que Crivella enviou ao jornal nota onde pede perdão pelas ideias “equivocadas e extremistas feitas por um jovem missionário, cujo zelo imaturo da fé, levou a cometer esse lamentável erro.” Teria sido melhor para crer-se em seu arrependimento, porém, se ele o tivesse feito antes, bem antes, de que elas fossem reveladas num grande jornal.
Ressalto ainda que, por mais que haja o medo empresarial da Globo em relação à Record, o trabalho de reportagem é absolutamente correto e feito sobre informações e opiniões que estão publicadas e, portanto, ao alcance de qualquer repórter que, como é do dever profissional, se interessasse por ela. Infelizmente, a destruição da esquerda promovida sistematicamente pela Globo no Rio de Janeiro – desde os tempos de Leonel Brizola – tornou esta cidade palco de tragédias como essa.

Em livro, Crivella atacou catolicismo 
‘demoníaco’ e o ‘terrível mal’ gay

No livro em que descreve o tempo em que viveu como missionário na África, editado em 2002 e raramente encontrado, o candidato a prefeito Marcelo Crivella (PRB) diz que a Igreja Católica e outras religiões “pregam doutrinas demoníacas” e classifica a homossexualidade de “terrível mal”, revela FERNANDO MOLICA. Crivella pede perdão por possíveis ofensas e diz que as referências foram feitas por um “jovem missionário”. Ele tinha 42 anos. Na campanha, o senador Marcelo Crivella (PRB) não diz o que escreveu. Em seu livro “Evangelizando a África”, em que faz um relato dos dez anos em que viveu no continente, o candidato a prefeito que hoje se apresenta como tolerante e ecumênico fez pesadas críticas a praticamente todas as religiões, apresentadas como “diabólicas”, e classificou a homossexualidade de “conduta maligna” e de “terrível mal”.
A Igreja Universal não é citada como uma religião: “Queremos na realidade, apresentar o Deus vivo, o Criador dos céus e da terra, e a Sua Santa Palavra”, escreve Crivella. A condenação a outras manifestações de fé é bem ampla: “Ao redor do mundo, em todas as nações, achamos centenas de crenças, seitas e religiões. Elas podem se diferenciar uma das outras, mas todas têm um ponto em comum: levar as pessoas a adorarem e a aceitarem os espíritos”.
Ao tratar das religiões orientais, o evangelho de Crivella é categórico: “No mundo amarelo, os espíritos imundos vêm disfarçados de forças e energias da natureza”. Situação parecida, afirma, com a verificada no “mundo vermelho”, onde vivem os indianos, “escravos de uma falsa religião”. Para o candidato, os hindus são proibidos de comer carne de vaca apenas para que o alimento seja farto na mesa dos ricos.
No livro, Crivella diz que “no mundo hindu” o sacrifício de crianças é praticado como forma de obtenção de riqueza, prática que seria induzida por “gurus”. “Os rituais variam, mas a ênfase é sempre no derramamento de sangue seguido da ingestão do sangue quente de uma criança inocente”, conta. Segundo ele, “Cortar a parte de cima de um crânio é o método requerido”.
Para ele, o diabo e seus demônios precisam de corpos para se manifestar, daí sua quase onipresença entre nós. Os tais espíritos, assegura Crivella, são poderosos. Ele chega a recomendar cuidado com pessoas “possuídas por espíritos”, já que a transmissão do efeito diabólico pode ocorrer até mesmo durante a prática sexual: “Uma mulher cristã solteira que se casa com um hindu, ou com um homem que invoca os ancestrais e os espíritos, pode se tornar habitação dos mesmos espíritos que o marido adora”.
A julgar pelos ensinamentos de Crivella, governos poderiam investir bem menos em saúde se adotassem, de maneira preventiva, políticas públicas baseadas na expulsão dos demônios dos corpos dos cidadãos. De acordo com ele, “os remédios e médicos tratam dos efeitos, mas a causa de todos os males, que é espiritual, somente pode ser tratada com o poder de Jesus”.
Para respaldar sua tese sobre a relação entre doenças e demônios, Crivella cita na publicação o tio Edir Macedo, fundador da Igreja Universal e autor de um livro, “Orixás, caboclos e guias”, que, lançado em 1987, demoniza as religiões de matriz africana. No trecho citado na obra do sobrinho, Macedo diz que toda doença tem uma causa, “e essa causa é sempre um vírus, um bacilo, um germe ou uma bactéria”.
Para Macedo, esses seres causadores de doenças não vêm de Deus, “pois Ele não é destruidor”. Segundo o bispo, para que um micro-organismo atue “é necessário que haja uma força dentro dele; um espírito destruidor, e não podemos identificá-lo com nenhuma outra coisa, senão como uma força demoníaca”. Crivella faz, porém, uma ressalva: “Nem todas as pessoas doentes estão possessas por um espírito imundo, mas todas as doenças estão profundamente relacionadas com os espíritos imundos”.
Demônios são responsabilizados por vícios e pela homossexualidade. O senador diz que gays não devem ser tratados com menosprezo ou discriminação, mas ressalva que “milhões são vítimas desse terrível mal, vivendo sem paz e numa condição lamentável para o ser humano.”
Os tais espíritos também podem ser transmitidos para a geração seguinte, adverte o bispo: “O pai viciado e adúltero provavelmente passará o mesmo espírito para o seu filho”, alerta. Segundo ele, isso explica o fato de “um pai de respeito” passar, de repente, a ser homossexual. “E quando ele morre, o espírito se manifesta no seu filho que prontamente negligencia sua esposa e seus filhos para prosseguir nessa conduta maligna”.
Para marcar o rompimento com o diabo, Crivella estimula a destruição de objetos de culto: “Quebre completamente todos os laços com o seu passado (…). Destrua ou leve para a igreja todos os objetivos de feitiçaria, mutis, roupas, fotos, ossos, ishobas e etc., para que os pastores destruam”.
O livro não estabelece possibilidade de diálogo entre as religiões, deixa evidente uma divisão entre “o reino de Deus e o reino do diabo” e convoca para uma batalha em nome da fé: “Não existe meio-termo. Quem está com Deus luta contra o diabo e seus demônios”, prega.

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