Nassif: As dúvidas sobre a Operação Greenfield

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A detenção de Sérgio Rosa, da Previ, e Guilherme Laceda, da Funcef, pela Operação Greenfield, da Polícia Federal, tem todo cheiro da grande revanche de Daniel Dantas e do PSDB contra eles. Ambos foram peças centrais para impedir que Dantas infligisse um prejuízo monumental aos fundos, assumindo o controle das Teles sem dispor de capital.
Não conheço o inquérito, portanto não posso botar a mão no fogo por ambos. Mas os argumentos utilizados pela força tarefa me levam a pensar em armação.

No período de bonança da economia, quando Dilma Rousseff passou a reduzir a Selic, houve um movimento forçado dos fundos de pensão em direção à renda variável e às operações greenfield (para projetos que ainda não tinham saído do papel).
Houve um estímulo aos investimento de risco, através do BNDESpar, Finep e fundos de pensão. E os investimentos foram efetuados com a economia bombando e, consequentemente, com os ativos em alta.
Segundo as notas de jornais, a comprovação da corrupção estaria na comparação do valor do investimento na época e agora. E no fato de ambos terem participado do conselho de algumas das empresas com investimentos de seus fundos.
Se for só isso, é armação. Primeiro, por não se pode comparar ativos em realidades econômicas tão distintas. Peguem os ativos que a Vale adquiriu no auge do boom econômico e comparem os valores históricos com os atuais. Aliás, analisem qualquer investimento em ativos internos pré-crise e pós-crise e o resultado será o mesmo.
Além disso, participar de conselhos de empresas investidas é praxe. Mais do que praxe, é obrigação de acionista.
É possível que a operação tenha outros elementos para justificar a prisão de ambos.  A maneira tecnicamente honesta de investigar seria a de comparar os preços pagos nos investimentos na realidade da época.
Os fundos têm áreas técnicas, decisões colegiadas e os investimentos se baseiam em análises de consultorias externas. Se houve desobediência a essas normas, pôde-se configurar corrupção dos detidos. Se não houve desobediência, pode-se identificar abuso de autoridade da PF e armação política.
Atualização
Investigar políticas de investimento de fundos de pensão é tarefa técnica complexa.
Disponibilizados na Internet, os autos da Operação Greenfield mostram um detalhamento técnico surpreendente.
Algumas operações analisadas saltam à vista. O caso Postalis foi exaustivamente denunciado pela imprensa. E mesmo algumas operações da Funcef são de fácil aferição. Como o capital investido na Gradiente, que estava paralisada, a quem se conferiu o valor de R$ 34 milhões devido unicamente à marca. Depois, a empresa foi devolvida à família pelo valor simbólico de R$ 1,00, para a Funcef não precisar arcar com os passivos trabalhistas.
A sofisticação da investigação se dá na análise dos investimentos “greenfield” (em empresa não operacional) na FIP Cevix, para aplicar em usinas, com ativos aportados pela Desenvix. A investigação concentrou-se na análise de precificação da empresa de consultoria Upside Finanças Corporativas Ltda.
Foi realizada uma licitação inicial para a escolha da consultoria. A proposta vencedora foi da LCA Consultores, no valor de R$ 144 mil. No entanto, permitiu-se à Upside reduzir sua proposta de R$ 152.500,00 para R$ 122.500,00, sem que se saiba se o convite para a segunda rodada foi opferecido às demais consultorias. Posteriormente, o contrato da Upside foi aditado, ampliando em mais R$ 91.500,00 para incorporar outras avaliações.
Aí foi o de menos. A investigação envereda por um dos instrumentos para definição de preço, a taxa de desconto. Dependendo da manipulação da taxa, pode-se subestimar (usando uma taxa de desconto elevada) ou superestimar o preço (usando uma taxa menor).
No período Collor, denunciei a Price, por precificar a Ultrafértil valendo-se de uma taxa de desconto absurdamente elevada. O trabalho da PF e do Ministério Público destrincha a metodologia da Upside, mostrando como ela fez para aumentar artificialmente o preço do investimento na Desenvix, através de uma taxa de desconto pequena..
  1. Não considerou os riscos associados ao meio ambiente.
  2. Consideraram como fator de risco a média da beta de risco de três companhias do setor, já consolidadas – a AES Tietê, Eletrobras e Tractebel. E menciona como fonte a Reiters, que é uma agência de notícias, não uma fonte de avaliação de risco de empresas brasileiras do setor elétrico. Acabou chegando a um fator de risco de menos da metade do risco médio de empresas brasileiras com ações negociadas em Bolsa. Não havia lógica, na medida em que ações com baixa liquidez é um risco adicional para a precificação dos ativos.
  3. Há uma regra universal, de que o risco de uma empresa corresponde ao risco de um ativo sem risco (NTN-B, titulo do Tesouro), mais um adicional de risco ligado à operação do setor (como riscos de meio ambiente, riscos regulatórios etc). A UPside chegou a uma taxa de desconto de 7,8%, quando os títulos federais de renda fixa pagam IPCA mais 7,13% ao ano. Com isso, acabou fixando um preço de R$ 782 milhões para o investimento, R$ 180 milhões a mais do que o inicialmente previsto no acordo Funcef- Desenvix.
Há que se ter rigor na identificação dos responsáveis. Mas, inegavelmente, o trabalho da PF e do MPF está tecnicamente bem embasado.
Abaixo, os volumes do inquérito.

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