Metade das armas dos Estados Unidos estão nas mãos de 3% dos cidadãos

Novo estudo mostra que 3% dos norte americanos adultos possuem metade das armas do país, que a sociedade norte americana acumula uma arma por cada adulto e que os cidadãos com maior tendência para possuir armas são homens brancos e conservadores, que vivem em zonas rurais.

Artigo de Lois Beckett - no ESQUERDA.NET - 25 de Setembro, 2016

Arma a disparar. Foto de Peretz Partensky/Flickr.
Os cidadãos norte americanos possuem 265 milhões de armas, aproximadamente, mais de uma por cada cidadão adulto, segundo o retrato mais exaustivo da propriedade de armas das duas últimas décadas. Mas o novo estudo estima que 130 milhões dessas armas são propriedade de apenas 3% dos norte americanos adultos, um grupo que acumula uma média de 17 armas por pessoa.
O resumo dos resultados deste estudo inédito realizado pelas universidades de Harvard e Northeastern, obtido em exclusividade pelo The Guardian e the Trace, estima que a quantidade de armas dos norte americanos aumentou em 70 milhões desde 1994. Ao mesmo tempo, a percentagem de norte americanos que possui armas baixou levemente de 25 a 22%.

Esta nova sondagem, realizada em 2015 por investigadores de saúde pública de ambas universidades, também descobriu que a proporção de mulheres proprietárias de armas aumentou, enquanto a de homens diminui. As mulheres tendem a possuir uma arma para autodefesa em maior proporção que os homens, e costumam ter só uma.
O enfoque dedicado à defesa própria das mulheres é parte de uma tendência mais ampla. Apesar de a segurança no Estados Unidos ter aumentado consideravelmente e de os índices de violência com armas terem caído a pique, os revólveres passaram a ser as armas que mais se acumulam no país, o que sugere que a autodefesa é um factor a cada vez mais importante.
"Trata-se do desejo de ter um arma de fogo para se proteger. Existe algo contraditório entre isto e que as taxas de violência letal no país estejam a descer. Não se trata de uma resposta aos riscos atuais", diz Matthew Miller, professor de saúde pública das universidades de Northeastern e Harvard e um dos autores do estudo.
Compra de armas, produto do medo
Os dados indicam que a propriedade de armas nos Estados Unidos é produto de um "aumento do medo", diz a doutora Deborah Azrael, investigadora da Escola de Saúde Pública de Harvard e autora principal do estudo. "Se esperamos reduzir os suicídios por arma de fogo, se queremos reduzir outros perigos potenciais em torno das armas, meu instinto diz-me que temos que falar desse medo", aponta.
A nova sondagem também assinala um cálculo de roubos anuais de armas muito maior: 400.000 armas roubadas por ano em comparação com as 230.000 por ano que indicava um estudo recente da National Crime Victimization Survey.
Phil Cook, um investigador da Universidade Duke e autor de um importante estudo de 1994 sobre a propriedade de armas nos Estados Unidos, reconheceu que o novo estudo era "de muito alta qualidade". A diferença de sondagens mais frequentes realizadas pelo Pew ou pela Geral Social Survey, "que não vão para além de perguntar se há um arma de fogo em suas casas, sem que incidam no número de armas que possui cada família", aponta. "Sem conhecer a resposta à segunda pergunta, não é possível fazer uma estimativa da reserva total de armas de fogo que há nos Estados Unidos".
Aponta, no entanto, que "a estimativa do total nacional é menor do que alguns esperavam. Não é chamativo dizer que há 300 milhões de armas em circulação”.
Estes resultados correspondem a tendências mais comuns de alguns estudos anteriores. Inclusive quando a venda de armas atingiu valores recorde durante a administração Obama, a proporção total de norte americanos que diziam possuir armas caiu ligeiramente, deixando mais armas em menos mãos. Ainda que exista uma estimativa que assinala que 55 milhões de americanos são proprietários de armas, muitos deles acumulam três armas de fogo e perto de metade possui duas, aponta o estudo.
Outro caso é o dos 'súper proprietários' de armas de fogo. O estudo calcula que 7,7 milhões de pessoas têm entre oito e 140 armas de fogo. Este tipo de concentração de propriedade não é apenas aplicável às armas de fogo, asseguram os investigadores. Especialistas em marketing explicam que um 20% de fiéis consumidores costumam representar o 80% das vendas de um produto.
Azrael acrescenta que não há nenhum estudo sobre "se possuir um grande número de armas é um factor de risco maior que possuir só algumas". "Não sabemos nada sobre isto", assegura a especialista. A reacção imediata de Azrael sobre os resultados não é focar sobre os proprietários que possuem dúzias de armas, mas nos 50% de cidadãos que só têm uma ou duas. "Poderíamos ter um enorme impacto sobre o suicídio se mudarmos o comportamento no que diz respeito às armas". Perto de 20.000 das 30.000 mortes anuais por armas de fogo são suicídios.
Aumenta o número de mulheres com armas
A percentagem de mulheres que diz possuir armas aumentou ligeiramente dos 9% registados no estudo de 1994 aos 12% atingidos nesta sondagem, mas os investigadores dizem que o aumento não é significativo. Desde a década de 80, a propriedade de armas entre mulheres tem variado de 9% ao 14% nos relatórios anuais.
As mulheres tendem a ser mais a favor das leis de controle de armas que os homens, e por isso os defensores do controle de armas centraram-se nelas. Sobretudo fixaram-se nas mães como a chave para impulsionar o que eles denominam uma "agenda de armas com sentido". No início deste ano, o grupo pelo controle de armas mais importante do país, Everytown for Gun Safety, lançou uma nova campanha que quer educar as mulheres solteiras sobre a necessidade de uma nova legislação.
O novo estudo segue a linha da National Rifle Association, que confirma que o número total de mulheres proprietárias de armas tem crescido nos últimos anos, ainda que a percentagem de mulheres não tenha aumentado substancialmente. As investigações mostram também que a diferença de género quanto à propriedade de armas está a diminuir.
Quem tem mais armas?
Em geral, o estudo mostra que os proprietários de armas tendem a ser brancos, homens, conservadores e habitantes de zonas rurais. 30% dos conservadores dizem ter armas, contra 19% dos moderados e 14% dos liberais. O maior indicador de propriedade de armas relaciona-se com o serviço militar. 44% dos veteranos asseguram ter uma arma de fogo.
Também há uma clara divergência quanto a ter armas em função de diferenças raciais. 25% dos cidadãos brancos têm, contra 16% dos hispânicos e 14% dos afro americanos.
A composição demográfica dos 7,7 milhões de 'super proprietários' norte americanos é menos diversa que a dos proprietários em general. Os 'super proprietários' costumam ser homens, não costumam ser negros ou hispânicos, e costumam possuir armas por proteção, dizem os investigadores. Estes representam 14% dos proprietários de armas e acumulam um total de 133 milhões de armas de fogo.
"Por que precisas mais de um par de sapatos?", pergunta Philip van Cleave, presidente da Liga de Defesa Cidadã de Virginia, um grupo em defesa do direito de possuir armas, que se vê a si mesmo como a direita política da National Rifle Association. "A verdade é que não precisas, mas queres mais de um par de sapatos? Se vais numa excursão não vais querer utilizar uns sapatos de salto alto", acrescenta.
Artigo publicado a 20 de setembro de 2016 no El Diario, em colaboração com o The Guardian. Tradução de Joana Campos para o esquerda.net.

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