Mauricio Dias: Dinheiro sujo, eleição suja

A tentativa frustrada de anistiar o uso de caixa 2 em campanhas eleitorais mostra a qualidade moral de muitos congressistas
por Mauricio Dias —na Carta Capital -  publicado 23/09/2016 09h20, última modificação 24/09/2016 10h01

Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados
Plenário
Na calada da noite, a manobra que não deu certo
Valendo-se de certa sonolência no plenário da Câmara de Deputados na noite de segunda-feira 19, alguns parlamentares tentaram promover mais um golpe. Desta vez, paraanistiar os usuários de dinheiro clandestino em campanhas eleitorais.
A malandragem saiu, desta vez, derrotada. Promovida por integrantes dos principais partidos da base do governo Temer, o golpe estava colado a um projeto de lei criminalizando o dinheiro de Caixa 2. Essa velhacaria, tramada nos bastidores da Câmara, tinha apoio do presidente da casa,Rodrigo Maia, naquele momento substituindo Temer na Presidência da República.

Maia, eventualmente, estava pronto para sancionar o que viesse da Câmara.
Temer, por sua vez, voava mundo afora. Valia-se de compromissos oficiais anteriormente marcados. Bem distante de movimentos contra ele. Não escapou. Ora em Pequim, ora em Washington, os eleitores se manifestavam com o já mundialmente famoso “Fora Temer”.
O voto, excetuado o da militância política cada vez mais escassa, funciona como mercadoria. Pode ser comprado por meio de certos artifícios. Não aqueles, entretanto, virados contra Temer e em protesto contra o golpe acionado para derrubar Dilma.
Foram muitos os meios de burlar o resultado da eleição, o dinheiro tornou-se, hoje, mais do que nunca, uma condição essencial para ganhar pleitos. Que o diga o ministro Geddel Vieira Lima, ministro-chefe da Secretaria de Governo. Em palavras mais precisas, articulador político. “É lícito supor que caixa 2 não é crime. Se não é crime é importante estabelecer penalidades aos que infringirem a lei”, assegura o esperto Geddel. 
O ministro sabe que não há crime por uso do caixa 2 capitulado em lei. Há, sim, infração eleitoral. Ou seja, não há punição específica e direta. Assim, Geddel põe o pudor a serviço das circunstâncias.
A hipocrisia fortalece a cumplicidade entre o doador e o receptor. Há dinheiro registrado na declaração de contas dos candidatos. É válido.
Existe, entretanto, o dinheiro dado “por fora” pelo doador. Este enriquece os candidatos.
O registro mais antigo, mais explícito, da contribuição financeira para as campanhas surgiu, nos anos 1950, na campanha presidencial do paulista Ademar de Barros. Ficou notória a expressão “Caixinha do Ademar”.
Certa vez, há quase 30 anos, em um grupo de entrevistadores, surpreendi o então prefeito carioca César Maia com uma pergunta capciosa: “Esta questão de financiamento de campanha é muito complicada no Brasil”.
Maia respondeu: “O que quer que eu diga, o que já sabe?”
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Mauricio Dias
Mauricio DiasJornalista, editor especial e colunista de CartaCapital.mauriciodias@cartacapital.com.br

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