Havaí, agosto de 1969: Pentágono na encruzilhada diante da resistência dos soldados US-americanos à guerra do Vietname

John Catalinotto 
Traduzido por  ODiario.info
Edité par  Fausto Giudice Фаусто Джудиче فاوستو جيوديشي

Publicamos um excerto de um capítulo do próximo livro do nosso amigo John Catalinotto: “Turn the Guns Around: Mutinies, Soldier Revolts and Revolutions” ( Voltem os canhões: motins, revoltas de soldados e Revoluções). Nesse capítulo o autor evoca a tenaz e corajosa resistência à guerra do Vietname de militares US-americanos aquartelados em 1969 em Honolulu, no Havaí.

Um milhar de pessoas calaram quando o aviador de 1a classe Louis «Buffy» Perry anunciou o seu ato de consciência. Ele acabaria com a sua  cumplicidade com as forças armadas dos EUA e os seus crimes contra a humanidade ”, na guerra do Vietname, então no seu máximo, e ficar em asilo na Igreja da Encruzilhada (Church at the Crossroads) de Honolulu.
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Buffy Parry, na praia de Waikiki Beach e frente à igreja, 1969
Era  domingo,10 de Agosto de 1969. Perry e eu éramos os oradores principais no dia contra a guerra em memória de Nagasaki no Parque da Praia de Waikiki em Honolulu.
Mesmo se ficou um ato individual a posição de Perry era poderosa. Mas depois das apresentações na praia de Waikiki, mais sete membres de serviço abandonaram as Forças Armadas para o santuário. Tornava-se uma ação de massas.
Nos dois anos anteriores estive a trabalhar no movimento antiguerra dos G.I. (soldados). O rápido crescimento do protesto de Honolulu apresentava uma oportunidade de combater o Pentágono.
A uma milha de distância do Parque da Praia de Waikiki estava o monumento de Diamond Head, uma cratera vulcânica e símbolo de Honolulu de onde se via toda a ilha de Oahu. Erupções vulcânicas deram lugar a todas as ilhas.
O parque estava cheio de palmeiras e grandes figueiras-de-bengala, cujos largos troncos se entrelaçavam como serpentes à volta de uma coluna central, e suportavam os ramos e as folhas de uma árvore. Os civis e os GI contra a guerra se procuravam apoio mútuo.
Marchávamos em paralelo com as praias do Pacifico ao longo dos parques de Waikiki e Ala Moana, e depois mais duas milhas pelo centro da cidade de Honolulu, sossegada no domingo, para a igreja da Encruzilhada. Nessa tarde contamos oito membros de serviço no santuário. Dormimos todos na igreja.
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Kaneohe então e hoje
No dia seguinte soubemos que os Marines negros da Base aérea próxima dos Fuzileiros Navais de Kanehoe tinham destruído a messe em protesto contra atribuições prejudiciais de cargos e assédio racista. Esta revolta deu outra dimensão aos movimentos vulcânicos que agitavam as Forças Armadas.
Um incidente de calendário colocou-me em Oahu. O movimento antiguerra no Havaí, iniciado por um estudante na Universidade do Havaí, convidara Andy Stapp, o presidente da União de militares US-americanos  (American Servicemen’s Union , ASU) para falar. A mulher de Stapp, Deirdre  Griswold, estava prestes a dar à luz, e ele enviou-me de Nova Iorque em seu lugar.
A ASU era uma organização antiguerra e antirracista de GI de baixa graduação. Nos meados de 1969 havia cerca de oito mil membros ativos. Dezenas de milhares de GIs liam o seu jornal mensalThe Bond.
Eu não tinha o carisma de Stapp para segurar uma audiência, nem a sua perícia com a media. O meu domínio era o escritório da união, escrever cartas aos GIs numa máquina de escrever manual, fazendo trabalho de sede e logística como gerente da diffusão para The Bond. Agora de repente estava nas primeiras linhas e o único organizador da ASU no local.
A Resistência do Havaí, os presbíteros da igreja e a ASU agarravam um tigre pela cauda. O tigre rosnava. O meu trabalho como organizador da ASU era fazer o tigre crescer.
Para os oficiais dos marines na base de Kaneohe, o que as tropas negras faziam era um motim. Para a ASU era um levantamento justo. A rebelião apresentava um desafio para o movimento anti guerra.
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A Igreja da Encruzilhada (Church of the Crossroads)
Solidaridade com os Marines negros
Poderíamos unir a resistência militar na igreja da Encruzilhada com este surto da luta de libertação negra que estava percorrer os EUA em 1969, neste caso junto, na base dos marines?
Depois de uma noite a dormir no chão da igreja com uns 50 anti guerra que se sentiriam em casa no concerto de Woodstock uma semana mais tarde, propus que fizéssemos uma demonstração de piquete às portas de Kanoehe em solidariedade com os marines negros.
Na noite a seguir a este ato simbólico, um grupo de marines de Kaneohe trouxe comida que haviam retirado da messe para a igreja para ajudar a alimentar os que estavam em asilo.
Esses marines ainda não queriam arriscar resistência e desobediência aberta, mas traziam a ocultas algo que podíamos pôr na mesa na igreja.
Talvez a minha visão fosse muito otimista, mas as sementes de uma rebelião alastrada estavam ali. Para imaginar isso hoje, 47 anos depois, você tem que recrear o ânimo de 1969. E tem tambêm que saber o que centro militar de Oahu era.
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Bases militares dos EUA em Oahu
O que levou a essa luta
Já em Janeiro de 1968, a ofensiva da Frente Nacional de Libertação vietnamita infundia grandes baixas às tropas US-americanas, desmoralizava os dirigentes do governo e começava a virar a população US-americana contra a guerra. O presidente democrata Lyndon Johnson, identificado com a guerra, foi forçado a sair da eleição de 1968.
Richard Nixon, o novo presidente republicano, prometeu acabar com a guerra. Mas aumentou o número de tropas no Vietname até chagar a 543 400 em 30 de Abril de 1969. Até então tinham morrido no Vietname 33 641 soldados US-americanos.
Em Junho de 1969, Nixon anunciou planos para retirar gradualmente as tropas. As forças US-americanas seriam substituídas pelo exército fantoche do Vietname do Sul num plano conhecido como vietnamização.
Entretanto a maioria da população US-americana virara-se contra a guerra e o movimento antibélico tornara-se cada vez maior e mais combativo. Para o movimento anti guerra e os GI, os passos de Nixon eram lentos demais, curtos demais, e inoperantes demais.
A resistência anti guerra crescia também nas forças armadas. Para os GI a guerra era uma questão de vida ou de morte. A hostilidade das tropas crescia de ano a ano. Alguns oficiais do Pentágono se preocuparam do desmantelamento da máquina de guerra.
O coronel da marina Robert Heinl Jr. , um historiador militar descreve o caso : «Já nos meados de 1969, uma companhia inteira de Brigada de Infantaria Leve sentou-se publicamente no campo de batalha. Mais tarde, outra companhia, da famosa 1a Divisão de Cavalaria do Ar recusou — na CBS — seguir um trilho perigoso.» (O Colapso das Forças Armadas, Jornal das Forças Armadas, Junho 7, 1971]
Havaí: o Pentágono no Pacífico
Desde que em 1893 um levante de plantadores levou à anexação ilegal da nação havaiana em 1898, as ilhas Havaí e principalmente Oahu têm sido um centro militar US-americano no Pacifico.
São 30 milhas de Haleiwa na costa norte de Oahu à igreja da Encruzilhada. Na ilha de floresta tropical densa e praias maravilhosas, estão cinco bases US-americanas do exército, da marinha, da força aérea e dos marines.
Na nossa ida de 30 milhas de Haleiwa para apanhar folhetos, o meu hospedeiro mostrou-me os navios de guerra em Pearl Harbor, que abrigava 60 000 marinheiros e próximo a base aérea de Hichkam. Mostrou-me a fenda nas montanhas onde os aviões japoneses apareceram atrás de um cerrado de nuvens antes de bombardear Pearl Harbor em Dezembro de 1941 na batalha das duas potências imperialistas pelo Pacifico.
Seguimos ao longo da rodovia de Kamehameha para o campo de aviação Wheeler e os quartéis de Schofield que abrigavam 15 000 tropas. E depois a leste de Honolulu na costa ventosa de Oahu, estava a base de marines de Kaneohe.
Em 1969, dezenas de milhares de tropas US-americanas, do mais de meio milhão a fazer serviço de um ano no Vietname, estacionavam «em descanso e recreação» no Havaí. Se alguém quisesse chegar às tropas US-americanas, incluindo as do Vietname, o local para o fazer era Oahu, no Havaí.
A União de de militares US-americanos  tinha laços amigáveis de trabalho com o movimento anti guerra em Honolulu, conhecido como a Resistência do Havaí e enviava-lhes centenas de exemplares do The Bond para distribuir pelas tropas.
A igreja da congregação da Encruzilhada decidiu «fornecer apoio moral e assistência a pessoas cuja consciência estivesse em conflito com as exigências do estado», incluindo  «santuário para os que entrassem em formas não violentas de resistência por questão de consciência».
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Quebrem as correntes da injstiça militar
Foi com esse pano de fundo que a Resistência do Havaí anunciou e promoveu a passeata GI-Civis pela paz para Domingo, 10 de Agosto, 1969, para comemorar os massacres atómicos de Hiroshima e Nagasaki. A União de militares US-americanos  apoiou a ação.
«Folhetos a convidar a quebrar as correntes da injustiça militar foram distribuídos nas bases e em Waikiki e sublinhavam os pedidos da ASU, exigiam uma Carta de direitos para os GI, especialmente o direito de recusar ordens de participar na guerra ilegal do Vietname » [fontes das citações é o relatório da Resistência do Havaí, 1969].
Na medida em que o movimento do santuario foi crescendo o enfoque da ASU era definir a aglutinação de GI na igreja como uma "reunião sindical" da ASU. Na visão dos organizadores da ASU nenhuma das ações dos GI revoltados devia ser considerada ilegal. Era a guerra que era ilegal, inconstitucional, que nunca tinha sido declarada, e o seu prolongamento significava mais crimes de guerra do Pentágono contra o povo vietnamita.
Os GI eram como quaisquer outros trabalhadores, que tinham o direito de ir à igreja da Encruzilhada simplesmente como um ato para formar a sua própria organização.
Baseada no meu relatório dos primeiros dias a ASU em Nova Iorque, com o apoio do Partido Mundial dos Trabalhadores, enviou uma delegação de quatro organizadores a Honolulu, incluindo dois soldados em AWOL (Ausência sem licença, primera etapa da deserção) que se juntaram aos GI. Eu regressei com relutância para tarefas menos dramáticas   de apoio ao The Bond.
Na manha de domingo Agosto 17, os 18 GI que estavam na igreja receberam uma ovação estrondosa das 350 pessoas presentes. Mas os presbíteros da igreja pareciam chocados por o ato de consciência de Parry se ter transformado num confronto aberto com as forças armadas US-americanas.
Os presbíteros ambivalentes aplicaram uma moratória contra novos candidatos ao santuário. Mas o número de GI em asilo cresceu para 35 nas semanas seguintes.
Entretanto, unidades da polícia e da inteligência militar cercaram a igreja: impediam a entrada dos GI e prendiam os que deixavam a igreja. A menos que o movimento crescesse seria enfraquecido pelo confinamento e a tensão  constantes entre os GI e os seus apoiantes civis.
Finalmente, em 12 de Setembro, cerca de 40 polícias militares irromperam pelos terrenos da igreja, arrombando todas as portas fechadas, incluindo as da igreja. Muitos GI já tinham escapado. Os polícias só encontraram e prenderam oito, mas a ação da polícia acabou com o santuário.
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The Bond, agosto de 1969

 Nas cinco semanas seguintes, o foco da delegação da ASU era: como podemos continuar a expandir este movimento até atingir o total das Forças Armadas, da Europa ocidental ao Vietname? Para seguir nesta direção era preciso ter a atitude e a ideologia que vissem o colapso do exército imperialista dos EUA dcomo algo de positivo e possível.
Crossroads era outro capítulo na luta, mesmo se ficou aquém do seu aparente potencial.
A Resistência do Havaí continuou o seu trabalho com os GI anti guerra nos seis anos seguintes. John Lewis e Greg Laxer evitaram ser enviados para o Vietname e continuaram a organizar em Fort Dix. Os dois tornaram-se líderes na ASU.
Susan Steinman, uma estudiante da Universidade do Havaí, que respondera ao convite da ASU, tornou-se organizadora da ASU havaiana e mais tarde organizadora nacional de campo no escritorio nacional em Nova Iorque. Depois, tornou-se dirigente dos Trabalhadores da Comunicação, o seu trabalho deu origem à sindicalização de 18 000 operadoras de mesastelefônicas .
Enquanto continuava a bombardear o Vietnam, o Laos e o Camboja nos seis anos seguintes a Administração Nixon continuou a retirar as tropas US-americanas. Em 30 de Abril de 1975, os vietnamitas libertaram o seu país.
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Guerra é inferno: pergunte a um homem que lutou uma. Protesta na base militar de Killeen, Texas, 1° de maio de 1970
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Estátua de três soldados no Monumento aos Veteranos do Vietname, Washington DC






Muito obrigado a O Diário
Fonte: http://bit.ly/2cm4rnA
Data de publicação do artigo original: 09/08/2016
URL deste artigo: http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=18837 

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