André Araújo: Trem-bala para o abismo – A política econômica da recessão

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Por André Araújo - no GGN
A política econômica brasileira neste Governo de transição é formulada e dirigida por Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central. O Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é o mestre de cerimônias da equipe que, na prática, opera a política econômica. Meirelles não é formulador de política econômica, não tem bagagem intelectual para essa tarefa, foi toda sua vida um executivo de banco e não tem o lastro acadêmico de Goldfajn.

Meirelles poderia não ter trabalhos em economia mas dispor de grande carisma e liderança, como tinha um Oswaldo Aranha, Ministro da Fazenda em dois ciclos fundamentais da economia brasileira. Aranha era advogado e não economista, mas foi um excepcional Ministro da Fazenda nos dois períodos, na avaliação de seu biógrafo Mário Henrique Simonsen.
Meirelles se comunica exclusivamente com o mercado financeiro, onde é respeitado. Sua interlocução com a economia produtiva é bem mais modesta. A base de seu capital político foi a gestão do Banco Central por 8 anos, quando surfou na onda positiva do boom de commodities que, evidentemente, não dependeu de quem estava à frente da Autoridade Monetária.
O atual presidente do Banco Central tem sólida formação acadêmica, o que não se traduz em liderança e criatividade. Formou-se em economia pela Federal do Rio de Janeiro, uma escola eclética de economia, fez mestrado na PUC do Rio, templo do ultra monetarismo e neoliberalismo à brasileira, em seguida fez doutorado no MIT, escola de economia de primeira linha e foi dar aula na Brandeis University, criada e financiada pela comunidade judaica americana e cujo nome homenageia o primeiro juiz judeu da Suprema Corte.
Nessa mesma época, também trabalhou no FMI como economista, por três anos. Já no
Brasil, Goldfajn foi membro da Casa das Garças, um centro do pensamento econômico conservador brasileiro, do Instituto Millenium, outro núcleo neoliberal mais vinculado à área empresarial. Foi sócio de Armínio Fraga, na Gávea Investimentos e, depois de sua primeira passagem pelo BC como diretor, se ligou fortemente ao Grupo Itaú Unibanco.
Goldfajn não é brasileiro nato, é israelense nascido em Haifa e sua língua materna é o hebraico. Por seu background, torna-se difícil vinculá-lo a um quadro de profundo nacionalismo, é mais um operador globalizado com um pé em vários lugares, não é uma coluna mestra do Estado brasileiro.
Ele é o excelente médico, para o doente errado. Sua especialidade é o controle da inflação, mas a doença do Brasil é a profundidade de uma recessão que já vai para o terceiro ano, tarefa para a qual Goldfajn não fez doutorado.
Deve-se, todavia, respeitar sua honestidade intelectual. Goldfajn nunca enganou ninguém sua linha de economista é clara e definida, ele coloca a moeda à frente de todos os demais fatores da economia, dois terços do País podem morrer de fome que isso não tira sua prioridade, que é garantir a estabilidade monetária acima de tudo, mesmo à custa da desintegração social e política do País. Ele é da linha que vê na moeda um valor em si mesmo, independente da população.
É uma relação quase mística que os monetaristas têm com a moeda, vista como um fetiche dotado de vida própria, uma espécie de adoração, como era o “Burro de Ouro” dos tempos bíblicos. Essa crença serve magistralmente aos que detém liquidez. É uma espécie de religião para aqueles que cultuam a moeda, é um conceito diferente de riqueza, esta pode ser em fazendas ou fábricas, a moeda está acima desses valores, na visão dos monetaristas, viram totem com caráter de divindade, uma adoração secular, tema de teatro. É a moeda como um fim em si mesmo, e não como instrumento de prosperidade e bem estar social.
Toda a trajetória acadêmica e profissional de Goldfajn o vincula ao ultramonetarismo do sistema bancário internacional, uma linha hoje sob grande contestação em todo o mundo, porque ela se associa à crise financeira de 2008, após o que houve uma revisão de certos dogmas de desregulamentação excessiva dos mercados, de modelos exclusivamente baseados na moeda em detrimento do crescimento, da prosperidade e da melhor distribuição de renda.
O modelo em que Goldfajn acredita e opera está sob pesas críticas nos países centrais, a ele se aplica a crítica do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, que diz que “Economistas não americanos formados antes da crise de 2008 costumam ter suas ideias congeladas por modelos cuja revisão hoje é consensual no meio acadêmico americano, mas eles continuam a ensinar as lições velhas aos seus alunos porque não se reciclaram após 2008, algo muito comum a quem estuda fora de seus países”.
O conjunto de críticas ao modelo monetarista dos anos 70 está hoje centrado em um conceito revisionista conhecido como “Novo Pensamento Econômico”, do qual fazem parte grandes economistas, inclusive da Universidade de Chicago, onde nasceu a segunda Escola Monetarista de Milton Friedman, hoje mal acolhida mesmo na sua alma mater de Chicago, sendo o legado original hoje sob custódia da Carnegie Mellon University de Pittsburgh na pessoa do professor Alan Meltzler, é o que restou do legado friedmaniano após a mega crise de 2008, em grande parte debitada a essa escola monetarista desregulamentadora.
O eixo central  da crise econômica brasileira não é a inflação, é a RECESSÃO. A inflação prejudica mas não mata, a RECESSÃO MATA pelo desemprego e pela falência. Governos são derrubados pela recessão mas sobrevivem à inflação. O Chanceler Bruning, na Alemanha em crise no começo da década de 30, insistiu manter a estabilidade monetária em meio à profunda recessão, sua política cega abriu caminho para o populismo na pessoa de Adolf Hitler, cujo partido ganhou as eleições em janeiro de 1933 em meio a um desemprego de 40%.
Da mesma forma, o Presidente americano Herbert Hoover insistiu em manter o valor do dólar, o que transformou a recessão na Grande Depressão e elegeu Roosevelt, que nem quis saber de estabilidade monetária,  sua prioridade era gerar de imediato empregos nem que fosse para remover pedras. Para tirar essa pedra de sua frente demitiu o Chairman do Federal Reserve, Eugene Meyer, que tinha a política de Goldfajn, a moeda à frente de tudo. Meyer não tinha e nem queria ter nenhuma ideia para acabar com a recessão, teve que ser demitido sem cerimônia, mesmo tendo ainda quatro anos de mandato para que o Fed se ajustasse à expansão monetária fundamental para acabar a recessão. A Reconstruction Finance Corp. de Roosevelt injetou dinheiro em 8.000 bancos e 20.000 empresas.
Goldfajn insiste que o maior problema da economia brasileira é a inflação. Essa é uma visão do rentista mas não é a visão do desempregado, hoje 12 milhões que serão logo mais 14 milhões. O desempregado é como um afogado no meio do mar para o qual o objetivo máximo é manter a cabeça fora d´agua, não quer saber que terá uma linda festa de aniversário daqui a uma semana, o seu problema é o almoço e não o jantar, essa premência gera revoluções políticas de primeira grandeza.
Para o desempregado é ter trabalho logo e não daqui a 20 anos, o único remédio conhecido é aumentar a demanda através de investimentos públicos e para este ocorrer é preciso expandir a base monetária, emitindo dinheiro para que o Banco Central compre títulos do Tesouro e este aplique em saneamento e infraestrutura, CORRENDO O RISCO DE INFLAÇÃO, o que não quer dizer que haverá inflação como consequência direta da expansão monetária.
Pode causar inflação? Sim e não. Com enorme ociosidade em toda a cadeia produtiva do País, a expansão monetária pode não causar inflação, especialmente se, ao mesmo tempo, se fizer um enxugamento de despesas inúteis do Estado, o que tem efeito contracionista para compensar o aumento dos investimentos públicos.
Essa foi a experiência dos anos 30 com o New Deal, quando a expansão monetária foi enorme, demonstrou que havendo ociosidade  o aumento dos meios de pagamento é enxugado pela ociosidade na produção sem causar maior inflação.
Goldfajn prega o difícil ajuste fiscal, que é necessário e  possível a longo prazo no lado da despesa mas que não se fará pelo lado da receita sem crescimento. Como fazer o ajuste se a arrecadação cai a todo mês e a conta dos juros sobe todo mês?
A arrecadação vem CAINDO MAIS QUE O DOBRO DA QUEDA DO PIB, o que inviabiliza qualquer ajuste fiscal. Esta é uma conta que não fecha e nunca fechará e que Goldfajn sabe que  é inviável sob o ponto de vista técnico.
Outra conta é a da DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, hoje em R$ 4,153 TRILHÕES, produzindo juros de R$ 600 bilhões por ano, um terço do total de impostos arrecadados. Goldfajn sabe que essa conta jamais fechará, não há na história País com uma dívida pública dessa magnitude, 80% do PIB, pagando juros a taxa 5 vezes maior que outros Países pagam por seus títulos públicos. A Itália e o Japão têm dívidas públicas maiores que a brasileira em proporção ao PIB mas pagam 1 a 2% ao ano. O problema da dívida pública brasileira não é o seu tamanho, é o seu custo de carregamento desproporcional à capacidade do País pagá-lo.
O curioso para cérebros econômicos do nível de Goldfajn é sua ABSOLUTA DESPREOCUPAÇÃO com a carga de juros que impõe ao Tesouro ao combater a inflação com a Selic nesse nível. Taxa Selic para fazer a baixar a inflação tem DOIS efeitos terríveis para o Tesouro:  1º - AUMENTA o custo do carregamento da dívida e, 2º - VALORIZA a dívida porque os juros altos atraem capital especulativo e derrubam o dólar frente ao Real, com o que a DÍVIDA PÚBLICA EM DÓLARES aumenta por esse efeito.
Quer dizer, o resultado do Plano Goldfajn é por TODOS OS LADOS danoso ao Brasil: 1.Aumenta a carga dos juros, obrigando o Tesouro a separar UM TERÇO da arrecadação para pagar juros. 2.A valorização do Real aumenta a dívida pública em dólares e aumenta a dívida em dólares para as empresas e famílias. 3. Ao aumentar a recessão para combater a inflação aumenta o desemprego, fazendo novamente cair a arrecadação em um círculo vicioso de aprofundamento da crise política e social. Não sobra nada de positivo nessa política, é um caminho certo rumo ao abismo.
Goldfajn segue essa política pela síndrome do escorpião, é da sua natureza ver o mundo sob a ótica do rentista, do aplicador, do que vive do capital, ele não pode mudar sua natureza secular que vem de toda sua formação e experiência de vida, sempre ao lado do capital financeiro.
Uma avaliação fundamental é o papel da grande mídia na análise da política econômica. Há uma completa ausência de debate, os comentaristas parecem robotizados e todos repetem os mesmos chavões, sem discussão crítica de medidas absolutamente discutíveis ao mesmo tempo que aceitam mitos e fantasias como "com a volta da confiança virão os investimentos" algo que é um desejo e não um fenômeno previsível, nada se discute sobre a inviável trajetória da dívida pública submetida a juros únicos no planeta, o que faz seu aumento ano a ano ser uma bola de neve cujo estouro em algum momento ocorrerá.
Onde há alguma discussão na grande mídia, imprensa, rádio e TV, sobre REALIDADES sem fazer coro às bulas do boletim FOCUS? Nos comentários da mídia logo aparece a disjuntiva "Mas você então quer a volta da ‘matriz econômica da Dilma’". Essa é a maior confissão de POBREZA INTELECTUAL de um comentarista econômico.
As políticas econômicas que se oferecem não são apenas duas, a da gastança e a da austeridade, existem infinitas COMBINAÇÕES de medidas. A política econômica do segundo mandato Dilma nunca foi uma política com articulação em termos de Plano Econômico. Tratava-se de uma série de improvisações sem uma coesão a médio ou longo prazo, nunca houve uma visão macro de meios e fins, foram todas medidas tópicas de aperta e desaperta que nunca poderiam dar certo. 
Tampouco adianta fixar objetivos sem os meios, os famosos PAC por exemplo deveriam ser precedidos de uma grande reforma dos sistemas de licenciamento que bloquearam a execução e irão neutralizar todos os demais programas de infraestrutura que um Governo lance.  
Ou se enfrenta essa barreira ou pouco ou nada se fará em infraestrutura daqui para a frente,  além das agências reguladoras, qualquer juiz ou procurador pode bloquear à sua vontade qualquer projeto, Tribunais de Contas mandam parar obras quase prontas por detalhes de contratos, índios e quilombolas param obras essenciais sem que ninguém ouse desbloquear por medo da mídia, um caos que impede realizações.
Um vigoroso plano de obras de saneamento e moradia acabaria rapidamente com a recessão, uma rebaixa da Selic abriria espaço para enorme investimentos públicos pela economia de juros na dívida federal, 90% dos títulos federais são de compra não voluntária porque é moeda de tesouraria, não há outra papel concorrente, ou compra LFT ou deixa o dinheiro em caixa.
Um governo de transição não tem capital politico para fazer um ajuste fiscal profundo, cortar despesas vinculadas, modificar programas sociais, demitir excesso de funcionarios MAS pode encaminhar ajustes, programas revisados, promover parcerias e concessões e preparar reformas mais radicais , todavia não terá tempo de aprovar tanta coisa em tão pouco tempo. Já a reversão do processo recessivo é possivel em dois anos e tal façanha consagraria um governo.
A politica atual, ao contrário, vai aprofundar a recessão e aumentar a dívida pública, o único mérito será baixar a inflação, como conseguiram Bruning e Hoover ao mesmo tempo que abriram caminho para seus adversários populistas que os sucederam.
Ao caminhar a crise politica e social para um abismo sobrará um único remédio, a inflação, mecanismo maligno libertador mas que depois produz outro nível de desorganização da economia. Não havendo outra solução tenta-se o último remedio, como o Brasil já conheceu algumas vezes e usou esse remédio exatamente porque não havia outro mais à disposição. Apesar do mau remédio o Brasil não acabou, como a Alemanha não acabou em 1923, acabar depois com a inflação não é tão difícil, aliás é bem mais fácil do que acabar com a recessão, a moeda é apenas um instrumento, não é a economia.
Leia comunicado do Banco Central clicando aqui.

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