A CPI da Merenda é uma farsa e você precisa saber o porquê

Mídia Ninja - 15/09/2016

Completamente controlada pela base aliada dos tucanos Fernando Capez e Geraldo Alckmin, a Comissão avança pouco e é cercada pela violência da PM contra estudantes
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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Por Pedro Lopes / colaborou Laio Rocha / Mídia NINJA

Uma boa dose de estardalhaço, repressão policial, alguma de consenso, poucos esclarecimentos e muita controvérsia marcaram as oitivas da CPI da Merenda que ocorreram na última terça-feira (13) e nesta quarta-feira (14) no auditório Dom Pedro I da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Hoje, o conflito se estendeu: afim de garantir a entrada no pequeno auditório, estudantes secundaristas, alguns do interior do estado, acamparam em frente à Alesp nesta última noite e foram os primeiros a entrar na Casa, assim que aberta, às 8h. No entanto, o acesso dos estudantes à plenária foi interrompido por conta de uma fila de comissionados e funcionários da Casa com acesso privilegiado que jazia aguardando à entrada do auditório, lotando assim as cadeiras.

O grupo se rebelou e um cordão policial foi montado antes de dispersarem os estudantes com spray de pimenta. Um deles, conhecido como Zói, 15, negro, carioca e sapateiro, foi detido por “desacato à autoridade” ao se pôr na frente de uma garota que estava sendo agredida por um policial, de acordo testemunhas.
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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Ele foi encaminhado ao 36º Distrito Policial, em seguida ao Instituto Médico Legal para exame de corpo de delito e depois para o Juizado de Menores, no Brás, informaram seus colegas. Ainda há a possibilidade dele ser transferido para a Fundação Casa. Outro estudante não identificado passou mal com o gás de pimenta e entrou em estado de choque. Ele foi atendido no local pelo corpo de bombeiros e passa bem.
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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Não contentes, os secundaristas formaram barricadas com os próprios corpos nas duas entradas do auditório aos gritos de “se eu não entro, ninguém entra”; “chega de chacina, eu quero fora PM assassina”; “sou estudante secundarista, não tenho medo de polícia” e “que vergonha deve ser, bater em estudante para ter o que comer”.
A profecia se cumpriu. Não demorou muito para a força policial se valer da truculência e empurrar a orda de pessoas que estavam no corredor do 1º andar da Alesp. Nem a imprensa e os funcionários da Casa passaram incólume. O saldo: estudantes, professores, populares e profissionais da imprensa agredidos; o cinegrafista da Globonews Amós Alexandre foi derrubado por um policial através de um soco e pontapés e pisoteado em seguida; um jovem em crise de pânico e gotas de sangue batidas sobre o chão.
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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Após as cenas de brutalidade, deputados de oposição chegaram a se retirar do plenário em retaliação à intransigência deliberada do presidente da comissão, Marcos Zerbini (PSDB), que não entrou em quaisquer negociações com parlamentares sobre a mudança da sessão para um plenário maior, em que coubesse os jovens.

ENQUANTO ISSO, NO AUDITÓRIO

Por convocação, estiveram presente nesta terça-feira (13) o promotor de justiça de Brodowski que conduziu a Operação Alba Branca Leonardo Leonel Romanelli; Aluísio Girardi Cardoso, funcionário da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) e Jéter Rodrigues, ex-assessor de Fernando Capez, suspeito de participar no esquema. O lobista Marcel Ferreira Julio, filho do ex-deputado Leonel Julio, conseguiu uma decisão judicial que o libertou da convocação para este dia.
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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Primeiro houve a oitiva das testemunhas e depois a deliberação dos requerimentos que estavam na pauta. O promotor Romanelli começou o dia conduzindo o histórico dos desdobramentos da operação Alba Branca, deflagrada em janeiro deste ano após promotores solicitarem junto a Gaeco de Ribeirão Preto uma “investigação de grande vulto” em meados de 2015.
O salão ficou pequeno para abrigar tamanha tensão em corpo e ar – o clima ficou pesado diante dos gritos exasperados, do tema tratado e do curto espaço controlado por policiais à porta da entrada principal e do acesso ao mezanino. Não por falta de iniciativa. O deputado Alencar apresentou ao fim da oitiva desta terça-feira(13) , em última hora e fora do prazo previsto, requerimento solicitando um auditório maior. O pedido foi negado pelo presidente da CPI Marcos Zerbini (PSDB), alegando que “aqui é espaço para debate entre nós, e não para...”, balbuciou. Nas reticências cabem os outros, isto é, o povo. O mesmo povo que não pôde gritar “facista”, sob pena de expulsão, em resposta ao deputado Barros Queiroz ao esbravejar histérico que a CPI é uma perseguição política contra o “governo honesto” de Alckmin.

CAPEZ: RAPOSA VÍTIMA DAS GALINHAS?

A tumultuada sessão plenária em que o Deputado Estadual Fernando Capez (PSDB-SP), atual presidente da casa, depôs principalmente sobre o envolvimento dos três funcionários do seu gabinete delatados na Operação Alba Branca, do Ministério Público Estadual, foi uma oportunidade de compreender como a ficção e as artes cênicas são interdisciplinares à política.
Para aqueles que acreditavam em uma entrevista eficiente, desde antes do apito inicial soube que não aconteceria. A CPI não recebeu os dados do MPE com informações de suma importância para o questionário.
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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Por outro lado, uma construção muito bem amarrada dos seus discursos e dos seus aliados, que compõe oito cadeiras da Comissão de Inquérito, deu a ele a alcunha de “vítima” das ilações “surpreendentes” dos seus funcionários, como definiu, que trabalhavam diariamente bem próximo do deputado, ali mesmo em sua sala da Assembleia.
Um desses funcionários, Merivaldo, está em licença por questões de saúde, para “tratamento de um câncer”, informou. No entanto, ele foi pego em situação muito contrastante na última semana, em um bar rodeado por whiskys e charutos, como prova a foto abaixo.
A retórica da defesa de Capez foi repetida à exaustão: “isso (Máfia da Merenda) é um detalhe em um universo muito maior”, afirmou o deputado Jorge Caruzo (PMDB). “Isso aqui é um grão de areia no oceano”, concordou posteriormente o deputado Barros Munhoz (PSDB). “Tenho certeza que ele está sofrendo com essas calúnias, mas a família sofre, sofre e sofre!”, pontuou sobre o caso o relator da CPI, deputado Estevam Galvão (DEM), e emendou: “pretendo fazer relatoria com total isenção”, e para arrematar: “Eu assinei essa CPI porque geralmente não tem muito resultado”, sacramentou Munhoz, apelidado por seu tom quase pentecostal gritando como um pastor, BERROS Munhoz.
Os poucos estudantes que acompanhavam a sessão não deixaram barato. A cada fala dos deputados eles interferiam, cantando, gritando e comentando: em miúdos, tiraram um barato do filme já roteirizado pelos deputados que apenas faziam jogo de cena no plenário Dom Pedro I. “Vocês são todos ladrões, eu e todos que estamos aqui estamos vendo. Se achar ruim, me processa!”, rugiu da cadeiras a presidenta da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Camila Lanes, uma das principais líderes da luta popular que pressionou os deputados a aprovarem a CPI após a história ocupação da ALESP
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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Após a reunião, Capez e os parlamentares da oposição deram entrevistas coletivas. O chefe da casa reafirmou a sua total inocência e desconhecimento das ações ilegais que aconteciam “debaixo das suas barbas”, como definiu o deputado estadual João Paulo Rillo (PT), ao argumentar que “se sabia é criminoso, se não sabia, demostra que não tem capacidade de controlar 20 funcionarios de seu gabinete, quem dirá toda Assembleia Legislativa do Estado”.
O tucano ainda disse desconhecer quaisquer manobras para impedir a entrada dos estudantes na plenária e reinterou seu interesse nas investigações, sem deixar claro se irá punir os funcionários delatados na Máfia da Merenda, principalmente Merivaldo, que de acordo com a Oposição, forjou doença para escapar do depoimento.

A CPI DA MERENDA

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Merenda foi instaurada no dia 30 de maio e fora solicitada no dia 10 de maio após estudantes ocuparem o Plenário da Alesp entre o fim de abril e o início de maio. A pressão fez reverter o parco interesse dos deputados comungados com o governo Alckmin em abrir uma CPI . O escândalo que envolve contratos superfaturados em beneficio de Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) a partir de propina paga para fornecer merenda escolar à Secretaria de Estado da Educação, do governo Geraldo Alckmin (PSDB), foi descoberto em janeiro através da operação Alba Branca. A investigação confirmou até agora 37 prefeituras do estado de São Paulo arroladas na máfia.
Para a deputada Marcia (PT), não houve avanços com a oitiva de Fernando Capez, suspeito de envolvimento na Máfia da Merenda. Ela disse sentir muito com “ a forma desrespeitosa” com que a polícia agiu com os estudantes. “Foi um estresse que poderia ser poupado se o presidente da CPI (Marcos Zerbini) dispusesse uma sala maior. Hoje tivemos 3 plenários maiores vazios”.
Foto: Pedro Lopes / Mídia NINJA
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O tucano, por sua vez, se diz inocente, apesar de seus assessores também serem suspeitos de atividades ilícitas. “O que existe até aqui é um desgaste político muito grande e muita malícia em se querer destruir a vida de uma pessoa (a dele). Mas o final será o contrário”, disse. “A investigação começou em Junho de 2015 e até hoje nada sobre mim foi encontrado.” Uma nova oitiva com o presidente será agendada.
Ontem (13), o ex-assessor de Capez enquanto este era vice-presidente da Casa, Jéter Rodrigues, encurralou-se em um discurso que foi bastante interpelado pelos deputados presentes. Primeiro ele negou recibos de contratos assinados em seu nome com base em um laudo considerado por alguns deputados como “sem valor”, por não ser oficial. Depois o ex-assessor afirmou que nem todas os recibos são falsificados.
A polêmica de maior tom foi a que envolveu um contrato que Jeter assinou com a Coaf enquanto ainda era assessor na Alesp. Seu objetivo era ajudar a cooperativa junto a Secretária de Educação no fornecimento de sucos de laranja, o que pode configurar tráfico de influência. O contrato, no valor de R$200,00 mil, envolvia também o ex assessor de Capez José Merivaldo dos Santos e o lobista Marcel Ferreira Júlio.
O valor total do contrato seria pago em 4 parcelas de R$ 50,000. No entanto, o cheque da primeira parcela venho sem fundo, e ele afirma não ter prestado nenhum serviço cobrado. Em nova versão, que surpreendeu os parlamentares, Jeter disse ter sido coagido por Marivaldo a repassar o cheque sem fundo sob ameaça de ser alvo de sindicância interna. O motivo do processo, afirmou Jeter, seria por causa de uma rubrica em ofício que ele enviou a Secretaria de Segurança Pública solicitando a transferência de um delegado sem a permissão do deputado Capez.
Em entrevista à Mídia NINJA, o único deputado de oposição que integra a CPI, Alencar Santana (PT), disse que eles estão tirando “leite de pedra” ao criticar a morosidade do processo. Ele diz que, apesar de ser minoria, eles conseguiram, na oitiva de ontem, extrair informações graves. Questionado sobre a possibilidade de o relatório da CPI for condescendente com a máfia, ele afirmou que, caso isso acontecer, a oposição irá fazer um relatório paralelo que dê por denunciar a real gravidade do esquema.

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