Sem tributar topo da pirâmide, Brasil é paraíso dos super-ricos


  
“No Brasil, estamos totalmente deslocados da discussão internacional. Aqui a gente encontrou um grande inimigo para dizer que é responsável por tudo, que é o governo do PT e a crise fiscal, sem pensar nessas questões mais gerais”, defendeu Orair, nesta segunda (15), durante o seminário “A Transferência de renda para os ricos”, em São Paulo.

Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Rodrigo Orair é coautor de um estudo que identificou, em 2015, que as cerca de 70 mil pessoas mais ricas do país – “uma população que cabe em um estádio de futebol” - concentram 8% da renda nacional das famílias. 



“Eu confesso que a primeira vez que tive acesso a esses dados, fiquei completamente estonteado. É uma coisa impactante. A concentração de renda no topo da pirâmide social no Brasil não tem qualquer paralelo”, disse o economista, no evento. Segundo ele, na Colômbia, país muito desigual, os mais ricos concentram 5,4% da renda e, nos países desenvolvidos, este percentual não costuma chegar a 2%.

Nenhum dos países estudados pelo best-seller francês Thomas Piketty tem uma realidade semelhante à do Brasil, aponta Orair. Autor do livro “O Capital no Século XXI”, Piketty utilizou dados das declarações de imposto de renda para analisar a concentração de renda no mundo e contatou que a desigualdade no mundo é bem maior do que se pensava. Na época de sua pesquisa, as informações necessárias ao estudo não estavam disponíveis no Brasil.

Em 2015, quando a Receita Federal passou a divulgar mais dados sobre as declarações de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), Orair e seu colega, Sérgio Gobetti, resolveram analisa-los. Além da gritante concentração de renda, eles verificaram que os super-ricos do Brasil pagam menos imposto em proporção de sua renda que as classes intermediárias.

Juros altos e tributos baixos para os ricos 

De acordo com Orair, as altas taxas de juros, a isenção de imposto de renda de pessoa física sobre lucros e dividendos e o baixo nível de tributação sobre aplicações financeiras faz com que o país seja o que ele chama de “paraíso” para o topo da pirâmide.

O economista destacou que, enquanto o imposto de renda que incide sobre os salários vai até 27,5%, as aplicações financeiras pagam de 15% a 20% de tributo e os lucros e dividendos são isentos da taxação.

“O que isso significa? Onde estão concentradas as aplicações financeira e os dividendos? No topo. Um exemplo prático: cerca de dois terços da renda dos super-ricos - esses 70 mil milionários brasileiros - estão isentos de qualquer incidência tributária, proporção que é superior à de qualquer outra faixa de rendimentos”, apontou.

Ele ressalta que o principal argumento usado para justificar a isenção do imposto de renda sobre lucros e dividendos é o de que isso significaria uma bitributação. “Mas você aí está confundindo pessoa física e pessoa jurídica. A Petrobras, por exemplo, é uma coisa; o acionista da Petrobras é outra. Quase todos os países possuem esse sistema, que tributa o lucro da empresa e depois os dividendos distribuídos para as pessoas físicas”, disse.

O pesquisador do Ipea afirmou ainda que, dos 34 países da OCDE, até 2008, quatro também isentavam completamente os dividendos, como faz o Brasil. Eram eles Grécia, Eslováquia, México e Estônia. De lá para cá, exceto a Estônia, todos alteraram a regra.

“Todo mundo voltou atrás nisso, menos a Estônia. Hoje o Brasil é equiparado com a Estônia.(...) Mas, se é tão bom assim [esse modelo de isenção], não é possível! Mais ninguém? Só a Estônia [adota]? Sem querer desmerecer a Estônia, mas ela tem a população de Goiânia e a área de Aracaju, além de uma série de questões históricas”, ponderou, para sublinhar a inadequação da isenção no Brasil, que foi aprovada em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. 

Quem paga o pato?


De acordo com Orair, além de possuir essa peculiaridade, o sistema tributário brasileiro é extremamente regressivo, portanto, injusto - com grande parte de impostos indiretos, que incidem sobre bens e serviços, e pouca taxação sobre a renda e a propriedade. A isso, somam-se questões como problemas de planejamento tributário, de elisão e evasão fiscal. “Quem se beneficia com isso? É quem tem dinheiro”.

Apesar de críticas ao sistema tributário brasileiro, as afirmações de Orair se confrontam com as da Fiesp, que faz campanha contra a carga tributária, mas por outras razões. A entidade espalhou patos de borracha pelo país, defendendo a ideia de que quem paga o pato dos impostos altos é o cidadão.

“Quando a Fiesp vem com essa história, o que está querendo fazer? Paga muito imposto quem, cara pálida? Esses senhores? Não. Os milionários brasileiros? Não, esses não pagam muito imposto. Na verdade a gente paga pouco imposto de renda de pessoa física. Para comparar, o Brasil paga mais ou menos 2,5% do PIB; a média da OCDE é 7,5% do PIB. Em contrapartida, a gente paga muito tributo sobre bens e serviços (...) É um sistema muito regressivo, que onera os mais pobres”, disse.

Para Orair, a Fiesp se utiliza da insatisfação da população, com a carga tributária injusta, para manter seus privilégios. “Quando você vem com o discurso do ‘quem vai pagar o pato’, na verdade, isso é aqueles que não pagam imposto canalizando a raiva de quem paga, para defender o seu status quo. E é esse tipo de coisa que tem que mudar”, colocou.

Taxar ricos é tendência no mundo


O pesquisador do Ipea ressaltou que, de 2008 para cá, 21 dos 34 países da OCDE adotaram medidas de consolidação fiscal com algum tipo de ampliação da tributação sobre os mais ricos. “Isso não é só uma discussão teórica de economista, é uma discussão prática. Vários países estão fazendo isso”, indicou.

Como exemplo, Orair citou o que aconteceu nos Estados Unidos. “[George W.] Bush reduziu impostos para os mais ricos, e Obama podia ou não renovar isso. Em 2013, ele decidiu retomar as alíquotas pré-Bush para os mais ricos, manter alíquotas baixas para classe média e ampliar deduções para os mais pobres. Por que ele está fazendo isso? Porque quer um ajuste fiscal que incida sobre o topo da pirâmide e, não, que os mais pobres sejam os mais penalizados no ajuste fiscal”, citou, em oposição ao que ocorre no Brasil.

Outro caso que ele mencionou, inclusive como uma referência para o debate entre as forças progressistas, foi o do Chile. Em 2011 e 2012, durante a presidência de Sebastián Piñera, houve as revoltas dos estudantes no país, pressionando por uma reforma para financiar um novo modelo educacional.

“Nas eleições seguintes, [a então candidata Michele] Bachelet colocou que iria fazer uma reforma para tributar os ricos e reformar e financiar o sistema de educação. Isso veio das ruas, entrou nas urnas, ganhou e foi implementado em 2013”, afirmou.

No Brasil, debate é bloqueado

Em terras verde-amarelas, contudo, a tributação dos mais ricos é um tabu. “Posso falar de outras experiências, porque essa tem sido a tônica nos países desenvolvidos. Todo mundo está fazendo isso. Um dos poucos lugares em que não se toca nesse tema, em que essa discussão encontra-se obstaculizada, chama-se Brasil”, criticou.

De acordo com Orair, historicamente, o Brasil configurou a atual estrutura tributária durante um movimento global de reorientação da tributação a favor do capital e dos mais ricos. Ele avalia, contudo, que é curioso notar que nem governos extremamente conservadores, como os de Ronald Reagan e George W. Bush, nos Estados Unidos, conseguiram aprovar medidas como as do Brasil -  vide a isenção para lucros e dividendos.

Além do mais, nos últimos anos, a tendência global mudou, passando a buscar uma tributação mais equilibrada. Algo que, por aqui, não se verificou. “O ponto é que, quando é para desonerar o capital, a gente vai na vanguarda. E, de 2008 para cá, a maior parte dos países da OCDE está promovendo medidas para tributar os mais ricos. A tendência virou. Mas, no Brasil, não há discussão alguma, ela é bloqueada”, encerrou.

O seminário “A Transferência de renda para os ricos” foi promovido pela Plataforma Política Social e pelo Le Monde Diplomatique Brasil e contou com a participação também dos economistas Laura Carvalho, Bruno De Conti e Grazielle David.



Do Portal Vermelho

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