'Querem legalizar o que já adotam na prática’, diz Damous sobre propostas de Moro e MP
JUDICIÁRIO
Para deputado do RJ, defesa de Sérgio Moro de projeto baseado em ordenamento norte-americano ameaça cidadania; Paulo Pimenta, do RS, disse que condução coercitiva contra Lula foi "para gerar manchetes"
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 04/08/2016
LULA MARQUES/ AGPT
São Paulo – Em audiência na Comissão Especial que analisa o projeto de lei 4850/2016, que altera o Código Penal e o Código de Processo Penal brasileiros, o juiz Sérgio Moro defendeu hoje (4), em audiência na Câmara dos Deputados, que provas atualmente consideradas ilícitas sejam consideradas legais desde que coletadas de “boa-fé” por agentes públicos.
O juiz do Paraná disse que "nem a polícia nem o Ministério Público podem violar a lei a pretexto de praticar a lei". Mas ressalvou que, em alguns casos, as provas são coletadas de "boa-fé".
Para o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da (OAB-RJ), o objetivo dos agentes do Judiciário e Ministério Público que defendem a medida “é legalizar o que já adotam na prática, mas ainda são medidas ilegais no ordenamento jurídico brasileiro”. Uma delas é a validade de provas ilícitas. “Na verdade, Moro foi hoje à Comissão só para os holofotes, mas o debate mesmo só começa na semana que vem”, diz Damous.
Várias propostas contidas no PL 4850/16 são originárias do Ministério Público Federal. Moro afirmou, na sessão, que o Ministério Público baseou-se na jurisprudência norte-americana para “estabelecer algumas exceções a mais do que as já previstas na nossa lei”. Uma das novas exceções para legalizar provas hoje legalmente ilícitas, disse, “é a da boa-fé”. Ele citou a jurisprudência norte-americana, que valida provas ilegais “quando o policial não quis cometer um ilícito ao coletar a prova, mas se equivocou de boa-fé".
“Hoje não há mais, no âmbito da Lava Jato, a distinção entre Ministério Público (que seria responsável pela acusação) e juiz (incumbido de julgar). É tudo a mesma coisa. Uma das medidas que querem tornar legal é que se admitam provas ilícitas no processo penal. O que é um absurdo, um retrocesso e uma imoralidade”, diz Damous.
Tal mudança nas leis, se vier a vigorar, poderia respaldar juridicamente escutas telefônicas hoje ilegais, como a de que foram vítimas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff. Em junho, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, anulou grampo telefônico, no âmbito da Lava Jato, que interceptou diálogo entre os petistas.
Estados Unidos?
Na audiência realizada na Comissão Especial, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) ironizou a defesa de Moro e sua citação da legislação dos Estados Unidos. “Quando se fala da legislação americana, imagina-se um juiz de primeira instância de um estado dos Estados Unidos que capta de maneira ilegal uma conversa telefônica entre Bill Clinton e Obama e a joga nas redes de televisão?”, questionou.
“Qual teria sido a atitude da Justiça? Ou uma condução coercitiva sem necessidade de um ex-presidente da República para gerar manchetes e fatos denunciados inclusive por ministros do STF como excessivas e desnecessárias?”, acrescentou Pimenta, em alusão à condução coercitiva determinada por Sérgio Moro contra Lula em 4 de março.
Uma das normas previstas no PL 4850/2016 diz expressamente que será excluída a ilicitude da prova quando “o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável”.
Damous afirma que, se as propostas forem aprovadas, “a cidadania pode esperar o que há de pior” no contexto dos códigos Penal e de Processo Penal. Mas, segundo ele, a aprovação dessas medidas pode esbarrar numa espécie de instinto de autodefesa dos parlamentares. “Não sei se pode ser facilmente aprovado, porque boa parte dos parlamentares pode virar ‘cliente’, já que boa parte deles responde a processos e é investigada. Uma coisa é aparência, rapapé, aparecer na televisão apoiando Moro. Outra coisa é aprovar medidas que podem vitimá-los em curto espaço de tempo.”
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