Pepe Escobar: E se Trump aparecer com uma coalizão pós-partidos?
17/8/2016, Pepe Escobar, SputnikNews
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Hillary Clinton, Rainha do Caos, Senhora da Guerra, Golden Goldman Girl, GGG [Garota Goldman Dourada] é atualmente, para todas as finalidades práticas, candidata oficial bipartidária, representante seja dos neoconservadores seja dos neoliberais conservadores.
Além desses, devem-se incluir também Wall Street; fundos hedge selecionados, garotos(as)-propaganda da Parceria Trans-Pacífico [ing. TPP], os intervencionistas reunidos no Conselho de Relações Exteriores [ing. Council on Foreign Relations, CFR); os barões da mídia-empresa; as feras das empresas multinacionais; de fato, virtualmente todo oestablishment excepcionalista dos EUA, devidamente subscrito pelo mega-ricos e bipartidários 0,0001%.
Assim sendo, Donald J. Trump acaba relegado à surpreendente posição de marginal bilionário ególatra o qual, não se sabe como, delira que pode(ria) fazer o que bem entenda de todo o sistema, movido por inexaurível e desavergonhada audácia .
Sob esse tipo de dinâmica, Trump está sendo demonizado com fervor medieval pela mídia-empresa norte-americana. Sem nunca calar o bico – e gorjeando furiosamente por Twitter – a situação dele não melhora, e dá a impressão de que vive de comprar briga com multidões, em tempo integral. Para o establishment, os bilhões do homem nada significam: continuam a tratá-lo como escória, um joão-ninguém. É possível que seja insensível a qualquer tipo de empatia; mas fato é que o modo como está sendo tratado tem valido a Trump muita simpatia, que se alastra entre as massas norte-americanas brancas, sem acesso à universidade, iradas, semifalidas.
Um renascimento industrial norte-americano?
Por baixo de tanto som e fúria, outra coisa palpita (quase silenciosa). Poderosos interesses empresariais que apoiam Trump – e bem distantes do circo 'midiático' – estão convencidos de que o homem encontrou, sim, o mapa que o levará à vitória. A questão é saber se Trump é capaz de controlar o próprio comportamento errático, para firmar o acordo.
A mensagem chave de Trump, segundo esses apoiadores, tem de se fixar em torno da destruição das indústrias norte-americanas por ação de moedas manipuladas; e da "destruição dos salários dos trabalhadores norte-americanos pela importação de trabalho ilegal barato, de nações cujo salário é de $1/dia."
E essa 'posição' vem acompanhada de importante 'aspecto' militar, que é sucesso garantido como 'fator de venda'. Como os apoiadores de Trump destacam, "o Oceano Pacífico não pode ser usado para transportar os componentes vitais e essenciais para nosso complexo industrial militar, porque, na eventualidade de uma guerra contra Rússia ou China, os submarinos não detectáveis deles armados com avançadas armas antinavios bloquearão todo nosso transporte oceânico, levando ao colapso nossa produção industrial militar, em qualquer guerra com consequências catastróficas. As fábricas desses componentes para Intel e outras finalidades têm de ser imediatamente repatriadas, com ajustes na moeda e nas tarifas."
Nesse quadro, cabe a Trump martelar a mensagem de que todo e qualquer novo crédito bancário deve ser dirigido à reconstrução das indústrias norte-americanas que foram destruídas, "seja pondo fim à manipulação da moeda, seja pela aplicação de tarifas." Nenhum crédito bancário, argumentam os apoiadores de Trump, "deve ser usado para manipular a moeda ou para viciar o mercado com cash settlements. Não pode haver crédito bancário para especuladores, e absolutamente nem um vintém para fundos hedge. Vamos acabar com esses veículos de especulação impondo-lhes impostos pesados sobre ganhos de curto prazo, acabando com isenções de impostos sobre empréstimos e pondo fim a qualquer crédito bancário para finalidades especulativas. Essa gente que trate de trabalhar, trabalho mesmo."
Isso, em resumo, é o que explica a aversão visceral que Trump inspira ao pessoal de Wall Street – dos Bloombergs aos Lloyd Blankfeins. Qualquer pessoa que conheça Wall Street sabe que todos os mercados, mercadorias e índices são viciados pela manipulação nos cash settlement. Como diz um apoiador de Trump, com sede em New York, "só isso já basta para que se deva apoiar Donald J. Trump. Temos de obrigar os Carl Icahans e os George Soros a trabalhar a sério. Para tanto, é preciso taxar os lucros especulativos dessa gente. Essa nação precisa de Henry Fords, que criem e construam indústrias, não dos ladrões saqueadores em Wall Street, que viciam tudo, como em 2008, quando usaram o poder que têm e compraram políticos que aprovaram os 'resgates', depois de terem arrancado de dentro das próprias casas e jogado às ruas, sem teto, dezenas de milhões de norte-americanos."
Segundo esse mapa do caminho, que já está sobre a mesa de Trump – embora ninguém saiba se será lido ou se Trump, caso o leia, quererá segui-lo – é preciso combater a imigração ilegal e as moedas manipuladas, ações que, se tomadas em conjunto, criarão nada menos que um renascimento industrial nos EUA, que permitirá reconstruir as Detroits devastadas. Essencialmente, o mapa do caminho exige que milhões de imigrados ilegais sejam substituídos por norte-americanos desempregados; os apoiadores de Trump estimam que a taxa de desemprego real tenha chegado já a impressionantes 23% calculados pela 1955 Bureau of Labor Statistical Methodology, "não pelas estatísticas viciadas que circulam hoje."
A conclusão é que esse mapa do caminho exige que Trump, se eleito, crie uma coalizão transpartidária – como já aconteceu na Câmara de Representantes e no Senado, quando Jesse Helms de um lado, e John Conyers e Chuck Schumer de outro, realmente fizeram as coisas acontecer.
Isso implica que Trump terá de se dedicar a estudar as ideias de economia nacional de Friedrich List[1] – cuja LigaZollverein de tarifas protegidas foi, essencialmente, o método que a Prússia usou para construir a nação alemã.
Alguma coisa do que acima se lê já apareceu na anunciada agenda econômica de Trump. Aqui, porém, começa a parte mais difícil para um homem de visão extremamente rasa, que entra na dança com tuítos [ing. tweets, lit. "gorgeios"] e dentadas: vender coerentemente o plano, sem comprar todas as brigas desnecessárias ao longo do caminho.
Problema é que, aconteça o que acontecer... Vlad já ganhou!
As pesquisas nesse momento parecem apontar vitória fácil de Hillary. Mas os apoiadores de Trump "não confiam em pesquisas. Todas as pesquisas são viciadas."
E há também a histeria que tudo invade, sobre a "agressão russa". Hillary chegou até a dizer que Putin 'é' Hitler. Trump insiste que está pronto a negociar com Moscou – a começar por uma operação conjunta para dar fim, de vez, aoISIS/ISIL/Daech.
Por que tanto trabalho? O estupidômetro aplicado à mídia-empresa nos EUA já alcançou altitudes interestelares. E querem saber? A eleição nos EUA já tem até vencedor. Sabem quem? E quem seria?! Vladimir Putin, O Onisciente, é claro.
Fonte comercial que conhece bem os desígnios dos verdadeiros Masters of the Universe nem dá atenção ao burburinho: "No que tenha a ver com a Rússia, a questão está decidida muito acima, onde realmente se trava a batalha. A decisão acontece muito acima de Hillary e Donald, e Hillary receberá ordens para iniciar imediatamente a reaproximação, caso seja eleita. Já está decidido. Se Trump vencer, é fácil; mas se não vencer, nesse caso o fato de que ele trouxe à baila a questão será usado como catalisador para mudanças políticas em relação à Rússia. Agora, a luta está em curso, por trás das cortinas."
Assim como terá fim a manipulação da moeda, "como já se viu acontecer com Jack Lew e as ordens que passou a Alemanha e Japão", também haverá novo mapa geoeconômico – possivelmente em governo Trump –, que também se encaminhará na direção do fim da guerra do preço do petróleo. Nas palavras de um apoiador de Trump, "esse é objetivo nacional dos EUA, porque preço mais alto garantirá independência energética aos EUA. É parte do significado da revolução Trump."
Segundo uma fonte próxima da Casa de Saud, sauditas e russos já estão trabalhando em complexas pré-negociações sobre a possibilidade de construir um preço para o petróleo em torno de $100 por barril. Há interesses coincidentes entre os sauditas serem traídos pelos EUA em governo dos neoconservadores e, eventualmente, virem a ser destruídos pelos mesmos neoconservadores; e os russos podem impedir que aconteça."
Pôr fim à guerra do preço do petróleo é coisa contra a qual o Pentágono não terá como argumentar. Como observa um apoiador de Trump, "é interesse vital do complexo militar industrial alcançar total independência no campo da energia, e repatriar para território dos EUA todas as indústrias militares deles."
Comparado à atual luta de vale-tudo na lama, que se vê nos EUA 24 horas/dia, sete dias/semana, tudo isso parece coisa de Alice no País das Maravilhas. Não há sinal de que agenda assim ambiciosa – e controversa – possa ser vendida a gente do tipo que faz e acontece, de JP Morgan aos irmãos Koch. Trump só conseguirá criar um movimento transpartidário ou, mesmo, pós-partidário, se tiver na retaguarda atores substanciais da Elite do Poder, e não há sinais de que esteja acontecendo desse modo.
Prossegue sem descanso, isso sim, uma massiva campanha de desinformação – remix sinistro daquelas avalanches anti-URSS da velha Guerra Fria. A Máquina Clinton de Mídia já demoniza até Michael Flynn, ex-diretor da Agência de Inteligência da Defesa, que apoia Trump. Trump estava conceitualmente correto ao dizer que Obama e Hillary são fundador e co-fundadora do ISIS/ISIL/Daech. É exatamente o que Flynn admitiu naquela entrevista notória, quando destacou que a expansão do falso "Califato" foi "decisão deliberada", tomada em Washington.
Resumo da história, no pé em que está, é que Trump não está levantando recursos suficientes para fazer frente à descomunal máquina Clinton de dinheiro. Agora vem a hora em que ele terá de sair para o tudo o nada, sem concessões, para obter a máxima exposição – ao mesmo tempo em que tenta vender o mapa do caminho acima delineado, tuíto a tuíto.
E claro que haverá surpresa – outubro ou alguma outra. Nada está decidido – ainda. Nunca o Coningsby (1844) de Disraeli foi mais apropriado: "Assim você vê, caro Coningsby, que o mundo é governado por personagens muito diferentes do que imaginam os que não estão por trás da cena."*****
[1] É o mesmo economista que, parece, inspira também um importante grupo de assessores do presidente Putin da Rússia. Sobre isso ver "Putin dá luz verde aos economistas nacional-desenvolvimentistas contra globalistas neoliberais", 2/8/2016, F. William Engdahl, New Eastern Outlook, traduzido no Blog do Alok [NTs].
Comentários