Fernando Brito: A única coisa que o libelo do MP contra Lula prova é a parcialidade de seus autores
POR FERNANDO BRITO · 05/08/2016
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Não vou ficar fazendo discurso político sobre o documento de 70 páginas com que o Ministério Público saiu em socorro do Juiz Sérgio Moro, numa ação de suspeição movida por Lula.
Começa por aí, não é uma peça acusatória, como seria natural que, havendo motivo, os promotores fizessem.
Tu a que se presta o texto é para defender que “a 13ª Vara Federal de Curitiba é o Juízo competente”. Para isso, o documento sustenta que há as figuras jurídicas da conexão e da continência que o justificariam.
Vejamos o que eles dizem ser a conexão:
Dizem que Lula “tinha ciência do estratagema criminoso e dele se beneficiou”.
A prova?
Lula declarou em 2005 que havia caixa 2 na política e também com políticos do PT, conforme registram a Folha e a revista Época.
Título da matéria da Época citada por eles: Lula reconhece erro do PT e diz que caixa dois é prática intolerável. Na da Folha, Lula “ele classificou ( o caixa 2) como uma ação “contra a história do próprio partido”.
Eu gostaria de saber dos promotores, ao Dr. Moro e a qualquer pessoa se, sendo perguntados se existiria “caixa 2” na política e nos partidos, quem de nós diria que não?
Vão adiante os promotores dizendo que, se sabia do caixa 2 e acolhia indicações dos partidos políticos para cargos, seria impossível que Lula “desconhecesse a motivação dos pagamentos de “caixa 2” nas campanhas eleitorais” e que isso explicava “o porquê da voracidade em assumir elevados postos na Administração Pública federal”.
De novo, a todos eles perguntaria: se há cargos de natureza política não se preenchem pela política. O fato de algum partido indicar o José, o Antonio ou o João, ao hoje presidente em exercício Michel Temer isso é razão para pretender mandá-lo para a cadeia, sem que haja qualquer prova de que ele tenha se associado nos atos desonestos?
Aí lista pessoas, do PT e de outros partidos, para dizer que, sendo gente que integrava ou apoiava o Governo, “não é crível que ele (Lula)desconhecesse a existência dos ilícitos”.
Um óbvio arranjo capenga da “teoria do domínio do fato”: “ele tinha de saber”.
Com todo o respeito e um pedido de desculpas a Lula pela comparação, eu também tinha um vizinho que “tinha de saber”, porque já ocorria há um década, mas não sabia até o dia em que soube, capisce?
E aí fazem um resumo “recorta e cola” de cada uma das acusações da Lava Jato sem, contudo, dizer em nenhuma delas, em que Lula estaria metido.
Batem na mesma tecla do apartamento do Guarujá e do sítio frequentado por Lula e apontam como indício o fato de que os móveis de cozinha do sítio foram pagos pelo…dono do sítio!
Vão às palestras de Lula, dizendo que 47% dos valores pagos por sua realização vieram de empreiteiras, silenciando sobre o fato de que, por valores semelhantes, outras empresas – entre elas a Globo e a Microsoft – contrataram os mesmos serviços.
Aliás, mesmo que as empresas contratassem Lula para palestras como reconhecimento a ele, para que isso fosse criminoso teria de se apontar a contrapartida e, convenhamos, para quem ganha mais de R$ 25 milhões por palestras em quatro ou cinco anos – dinheiro com o qual é mantido o Instituto Lula – alguém pudesse imaginar que a reforma num sítio pudesse ser moeda de troca de corrupção.
Ao fim, listam, uma por uma as ações em curso na vara de Sérgio Moro, para dizer que é necessário manter todas juntas, porque:
Tome-se, a título de ilustração, um pedaço pequeno de um porta-retratos que indica uma orelha de um ser humano. Podem-se criar inúmeras hipóteses sobre a quem pertence tal orelha. Contudo, conforme se tomam as outras partes do retrato, formando-se a figura de uma pessoa determinada e conhecida, as demais hipóteses são afastadas. Analogicamente, o que a defesa faz é buscar transformar um rosto, que oferece plena compreensão, em suas partes. Desmembrar esse caso em inúmeros sub-casos seria o mesmo que dividir o retrato de uma pessoa em inúmeras partes e depois esperar que o julgador, vendo apenas um pedaço da face de alguém (como uma orelha), diga a quem pertence.
O detalhe que eles não mencionam é que nas mais de duas dezenas de casos que eles elencam não há nenhuma menção – nem deles próprios! – a Lula.
Nenhuma, repita-se, nenhuma. Não tem a orelha do LUla, nem um pedaço da orelha do Lula.
Ou seja, depois de dois anos de devassa, prisões a rodo, apreensões, sigilos quebrados, coações de toda sorte, os Ministério Público e a Polícia Federal têm a mesma quantidade de provas que teve a Veja para lançar, na véspera de eleição, a capa do “Ele Sabia”: nada além dos seus desejos e, vá lá, convicções.
Ora, tanto tempo, com tantos meios – boa parte de legalidade contestável, para evitar o ilegalidade flagrante – e não ter provas?
Ou são um bando de incompetentes – não lhes faço este juízo – ou não têm provas.
Nem a dignidade de admiti-lo.
Preferem acender a sua própria tocha olímpica, porque a imprensa estrangeira que anda por aqui está acostumada à ideia, nem sempre veraz, de que o Ministério Público é sério.
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