PML: Terror & golpe

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por Paulo Moreira Leite - 23/07/2016

Não vamos nos enganar. Não é preciso ser um admirador de Maquiavel para entender que num momento de grandes incertezas políticas como aquele que enfrentamos no Brasil a denúncia de uma possível ameaça terrorista pode ser de grande utilidade para forças  que ocupam provisoriamente a presidência da República e necessitam, como é visível a cada dia, "mostrar serviço" aos olhos de uma população desconfiada de gestos e intenções para manter-se no cargo de qualquer maneira.  

Vivemos uma situação de desagregação institucional em que tudo é política, como reconheceu a líder do governo Rose de Freitas, ao explicar por que o Senado afastou Dilma sem prova de crime de responsabilidade.

Não  é preciso ficar com complexo de republica bananeira, porém. Basta lucidez. 

Na França que já deu lições de liberdade, igualdade, fraternidade, o mesmo presidente François Hollande que enfrenta uma insurreição de trabalhadores em defesa de seus direitos -- situação que pode repetir-se no Brasil caso Michel Temer siga em frente com seu programa de aniquilar a CLT -- transformou a ameaça terrorista na preocupação número 1 de seu governo.

Incapaz de dar respostas aos problemas da vida cotidiana da maioria da população, como desemprego, perdas salariais, recessão, desde o final de 2015 Hollande multiplica medidas de exceção que produzem indignação --a ministra de Direitos Humanos renunciou ao cargo em protesto -- e pouco tem servido  para evitar novas tragédias, como demonstrou o ônibus assassino de Nice, menos de um ano depois do ataque ao Chralie Hebdo e ao Bataclan.

Mesmo assim, não há dúvida que a campanha do medo operou um previsível milagre de natureza eleitoral. Transformou Hollande, até então um George W Bush da social-democracia francesa,  num candidato minimamente competitivo para enfrentar o fascismo nas eleições presidenciais. 

Essa considerações recomendam  prudência e bom senso diante da prisão de dez brasileiros que podem vir a ser um dia considerados suspeitos de terrorismo. Para tanto, é bom lembrar, será preciso que informações hoje em estagio muito preliminar  se transformem em indícios e provas. Não custa lembrar -- mesmo fora de moda -- o principio da presunção da inocência. Ninguém quer construir uma nova Guantânamo, certo?

Está claro que nenhuma pista contra a ameaça do terror pode ser desprezada, pois, corretamente investigada,  pode impedir atos de  barbárie  que ameaçam vidas inocentes, inclusive crianças, como se confirmou em Nice.

Toda iniciativa para transformar um episódio inconclusivo  em grande espetáculo, sem justificativas razoáveis, equivale a uma demonstração de desprezo absoluto pela inteligência do cidadão brasileiro. Também é um ato contraproducente do ponto de vista de toda investigação séria, que envolve material de inteligência especialmente sensível, necessita de prudência e segredo, em vez de espalhafato e sensacionalismo.

O desvio para os holofotes é apenas parte do problema, porém. Outro sinal é político e diplomático.

A postura mostra um passo, no  governo Michel Temer, para alinhar o aparato policial e jurídico do estado brasileiro com as prioridades do governo norte-americano. É compreensível, diante do isolamento internacional do golpe. Deve ser visto como mais  um capítulo num programa de generosas gentilezas externas que inclui, como grande troféu, a abertura do pré-sal da Petrobras a grandes empresas estrangeiras.

Coerente com uma diplomacia de preservar de qualquer maneira a ordem vigente no Oriente Médio, endereço de reservas de petróleo vitais para sua economia e para o faturamento de uma parte de seus maiores gigantes econômicos, Washington transformou a luta contra o terrorismo de origem árabe na pedra de toque de sua ação internacional e dos chamados programas de cooperação. 

Não custa lembrar que o principal reflexo, no Brasil, do atentado de 11 de setembro foi um reforço das investigações da CIA e outros órgãos do serviço secreto contra imigrantes palestinos na região da Tríplice Fronteira, com base em suspeitas que a própria embaixada dos EUA em Brasília considerava pouco mais do que risíveis.

Não por acaso, Washington não deixou de aplaudir, uma década e meia depois, a lei anti-terrorismo aprovada pelo Congresso, por iniciativa do governo Dilma.

Interessada em embelezar toda e qualquer medida do governo Temer que possa contribuir para a aprovação definitiva do impeachment pelo Senado, a mídia grande não perdeu a oportunidade de ressaltar a "colaboração" do serviço secreto dos EUA nas investigações. A realidade diplomática  entre os dois países permite acreditar que seja muito mais do que isso, vamos combinar.

A experiência permite outra observação.

Ainda que, por sua própria natureza, as ações terroristas não obedeçam a uma lógica previsível nem racional, não custa registrar que seus alvos mais frequentes envolvem países e governos que tem uma postura agressiva nos conflitos do Oriente Médio, participando ativamente de operações de apoio em relação a diplomacia norte-americana. Os atentados de Madri e Londres ocorreram depois que os governos da Espanha e da Grã Bretanha se engajaram na invasão do Iraque. A França entrou no radar depois de patrocinar a queda de Kadhafi, na Líbia e realizar oções de guerra na Siria e no Iraque.

Seguindo este raciocínio, mesmo que não possa ser considerado conclusivo, estudiosos consideram que até agora a postura diplomática do governo brasileiro, alinhado com a defesa intransigente da soberania de cada povo para escolher e definir seus governos, ajuda a entender porque o país tem sido preservado, até aqui,de ações dessa natureza.

Isso não representa garantia nenhuma, muito menos na conjuntura de um país que irá sediar uma Olimpíada. Mas mostra a necessidade de se evitar toda e qualquer medida fora do tom adequado.   

O único suspeito real até agora é o ministro da Justiça Alexandre Moraes, que acabou corrigindo pelo juiz do caso por dizer mais do que deveria.  

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