Mauricio Dias: Privilégios da toga
Opinião
O comum objetivo de dilatá-los semeia a discórdia no STF ao debater a proposta de uma nova Lei Orgânica da Magistratura
por Mauricio Dias — na Carta Capital - publicado 02/07/2016
Carlos Humberto/STF e Tomaz Silva/ABr
Lewandowski propõe, Barroso opina |
Sopra um vento forte de desentendimento entre os 11 componentes do Supremo Tribunal Federal (STF). A origem da ventania surgiu da proposta de uma nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman) apresentada, em recente reunião administrativa, pelo ministro-presidenteRicardo Lewandowski. A reunião foi tensa. O texto recebeu críticas duras.
Prevaleceu entre os pares o ditado popular: cada cabeça uma sentença. Só houve união em torno da condenação das regalias propostas no texto apresentado por Lewandowski.
Contra tais privilégios reagiu, por exemplo, o ministro Luís Roberto Barroso. Avesso ao “conjunto de penduricalhos” nos salários dos juízes previstos na proposta, ele explica: “Acho que os juízes devem ser bem pagos, mediante subsídios e de uma forma transparente”.
Oficialmente, o salário de um “ilustre magistrado” não pode ultrapassar o teto constitucional, hoje em torno de 33 mil reais. Mas já, já, pode chegar a 39 mil reais, caso saia o aumento de salários aprovado há poucas semanas na Câmara dos Deputados e ratificada pelo Senado.
Afora o fixo, a remuneração legal é, porém, turbinada pelos ditos penduricalhos. Uma fartura: venda de férias, bonificação por dar aulas, abono de permanência, licença, acúmulo de cargos e auxílio-moradia. E vai por aí.
Um leitor minucioso, conhecedor dos fungos do Supremo às entrelinhas embutidas na proposta da nova Loman, assegura: “O projeto deixa brechas para interpretação remuneratória pelos próprios interessados e concede benefícios que jamais serão atribuídos a outros trabalhadores”.
Essa é a diferença entre os trabalhadores com toga e os sem toga.
Criar despesas grandiosas e definitivas em momento que exige austeridade, já apagada nos discursos toscos de Temer, significa estapear o cidadão. Aquele cidadão comum sem os privilégios oferecidos nas cortes.
O atento precursor dos objetivos das togas lembra que nada justifica a concessão de dois longos meses de férias com a faculdade de “negociá-las”. Ora, se isso é possível, os tais 60 dias são desnecessários a partir de uma análise superficial.
Um dos pontos sensíveis do texto da nova Loman é o “rebaixamento” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Cheira a deboche e impunidade”, fareja o supracitado precursor.
Ele explica que a Constituição prevê a inserção do CNJ em um patamar de importância, enquanto o projeto da nova Loman dá “posição geográfica ao Conselho abaixo dos demais órgãos do Poder Judiciário”.
A intenção buscada seria a de transformar essa instituição em mera chancelaria dos acréscimos de remuneração e esquecimento de limites como o teto. Bem ao contrário da ideia histórica de punir com rigor certos magistrados falastrões e corruptos.
Todos são iguais perante a lei, mas a lei para a toga é mais clara. Assim como o Exército é mais igual entre as Forças Armadas. Poderia ser também esse o lema nos dois casos.
Parece uma análise genérica, mas o dia a dia do poder de olhos vendados indica uma situação calamitosa. Castas significam custos e o País só mergulha no atraso com atitudes assim.
A história não anda só para a frente. Nesse caso engatou a ré.
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