Amor à primeira vista nos trópicos: Luxo, propinas, violência e a dissolução de união estável. O romance que quase abalou a carreira do deputado Michel Temer
01 de julho de 2016 às 23h32
Viomondo - Da Redação, com Garganta Profunda*
O Viomundo noticiou em 10 de junho de 2016 a longa viagem de um inquérito que poderia ter apurado propinas de ao menos R$ 2,7 milhões supostamente recebidas pelo então deputado federal Michel Temer em esquemas no porto de Santos. Não deu em nada.
O principal motivo aparente é que a proponente da ação de “reconhecimento e dissolução de união estável com partilha e pedido de alimentos” desistiu do processo, depois de fazer acordo com o ex-marido.
Em 24 páginas, os advogados Martinico Izidoro Livovschi e Sergio Paulo Livovschi descrevem uma história de amor, luxo, propinas e violência.
O casal se conheceu em maio de 1997, em Brasília. “Como soi acontecer em filmes e livros, apaixonaram-se à primeira vista”.
Ele, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo, a Codesp, indicado por Michel Temer. Ela, estudante prestes a prestar vestibular de psicologia. A lua de mel foi em Boston e Nova York. Ela decidiu estudar em São Paulo. Passou a receber R$ 5 mil “para auxiliar nas despesas fixas”.
Houve “românticos passeios de gôndola” em Veneza, numa viagem com os pais do noivo que incluiu Roma e Florença. “De verdadeira paixão foram acometidos. Logo nesta primeira viagem, demonstrando a intensidade do sentimento que lhe aflorava, o requerido deu à requerente presentes caríssimos, adquiridos nas finíssimas lojas Louis Vuitton e Chanel Boutique em um total de quase três mil dólares”.
Viajaram para Miami. No Natal de 1997, cearam no restaurante Apollinari da rua Oscar Freire. Visitaram Nova York e New Orleans. Em janeiro de 1999, nova lua-de-mel em Cancun, no México: conforme demonstram as fotos, “passearam, jantaram, mergulharam e brincaram com golfinhos”.
Foram a Vail, a estação de esqui no Colorado, com os filhos do primeiro casamento dele. Em outubro de 1999, voltaram à Itália, mas seguiram para as ilhas gregas e, na volta, jantaram no Lucas Carton, em Paris. O dia dos namorados de 2000 foi em Buenos Aires. “A convivência familiar com o intuito de constituir família. A fidelidade. O mútuo amparo”.
Quando ele tinha a guarda dos filhos, “a requerente deles cuidava, cozinhava, passeava, etc. Havia almoços de domingo na casa dos pais dele. Recebiam amigos. A requentente organizava as festas e recepções dele. Recebiam os amigos na casa deles na praia”.
“Foram inúmeras juras de amor demonstradas através de bilhetes, cartões, etc.”, conforme as provas.
Ah, mas havia violência.
“Sempre que exagerava no consumo de álcool, o que ocorria quase que diariamente”, o amante “voltava sua violência para a requerente, agredindo-a inúmeras vezes”.
“Ela, porque o amava e ainda o ama, jamais deu queixa e relutava em abandoná-lo”.
Apanhou no dia dos Namorados de 1999. Apanhou no dia do aniversário dele, em 27 de abril, e apanhou de novo no dia 15 de julho — “decidiu sair da casa dele, por não haver mais quaisquer condições de manter a união estável. Quando saiu, passou por diversas humilhações. O requerido lhe tomou o cartão de crédito conjunto e seu celular. Não lhe devolveu suas roupas e objetos pessoais que estavam no apartamento”.
Ao longo do relacionamento, ela testemunhou que ele comprava bens mas colocava em nome de familiares: o Porsche Carrera, o Passat importado, a Mitsubishi Pajero e o Mercedes Benz C230. Uma casa de praia em Caraguatatuba, um apartamento na Ministro Godói, salas comerciais no edifício Park Avenue e “tapetes orientais de altíssimo valor, conforme certificados de garantia anexos”.
Mas, por que?
“O motivo é que, como presidente da Codesp, tinha determinada renda e não teria como comprovar a origem de recursos para aquisição destes bens”.
Foram 42 mil só para instalar o som em um apartamento.
“É que o grosso dos recursos obtidos pelo requerido vinha de caixinhas e propinas recebidas em razão de seu posto como presidente da Codesp”.
Onde ele guardava o dinheiro?
“O produto desta renda é colocado em contas no exterior que o requerido mantém, principalmente junto a bancos suiços (doc. 87) e americanos, mantendo também cartões de crédito vinculados a tais contas (doc. 88)”.
O requerido teria pedido exoneração da Codesp para atuar com empresa própria na locação de equipamentos para os terminais do porto. “Ocorre que utilizando de seu prestígio e conhecimento o requerido fazia os contatos e contratos e desses tirava sua parte. Isso tudo, Exa., para demonstrar que o requerido possui renda muito superior à declarada em suas declarações de renda, conforme ficará provado em regular instrução processual”.
Ele, alegavam os advogados, seria sócio oculto de um restaurante no Jockey Clube de São Paulo, sócio de outro em um shopping do Tatuapé e de um estacionamento na avenida Paulista.
A requerente pede R$ 10 mil mensais de pensão. “É que embora tenha saído do lar ‘convivencial'”, na realidade ela “foi praticamente expulsa, tendo em vista as agressões sofridas e o temor de possíveis novas agressões. Está vivendo de favor em casa de amigos. Não possui qualquer fonte de renda para pagamento de sua faculdade e despesas pessoais. Corre o risco de não poder mais cursar a faculdade. Não fosse por seus amigos, não teria sequer onde morar e o que comer”.
A ação é datada de 11 de agosto de 1999, mas nunca houve a ‘regular instrução processual’ esperada pelos advogados.
A requerente fez acordo com o requerido. Os advogados foram “desconstituídos”.
Os inquéritos que nasceram da ação tiveram morte lenta e definitiva. Nunca se soube se por falta de interesse na investigação ou intervenção externa.
O ‘requerido’, segundo os documentos, levava apenas 25% da propina no porto de Santos. 50% do total, de acordo com o processo, ficavam com o hoje presidente interino Michel Temer.
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