Veto ao termo ‘presidenta’ é perseguição ideológica na EBC, diz entidade

MANUAL
Expressão usada por Dilma, Bachellet e Kirchner com intenção de afirmação feminina foi proibida na empresa. Governo interino é avesso a política emancipadora, diz fórum por democratização da mídia
por Rodolfo Wrolli, em Bancários de SP publicado 01/06/2016 19:47, última modificação 01/06/2016 19:54
PORTAL BRASIL/MARÇO 2014
Presidentas
No feminino: autorizadas por dicionários de português e de espanhol, termo foi também opção política de presidentas
São Paulo – Em tempos de misoginia e machismo, a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que administra os veículos públicos de comunicação Agência Brasil, TV Brasil, Radioagência Nacional e sete emissoras de rádio, não vai mais utilizar em suas reportagens o termo presidenta para distinguir o gênero do cargo de presidente da República.
Quando foi adotada, a proposta era a afirmação feminina, lembra uma jornalista da EBC. “(A adoção do termo) está respaldada pelo nosso manual de redação, que determina que se deve respeitar a maneira como a pessoa pede para ser chamada. Como a própria presidenta pediu para ser chamada dessa forma, em conformidade com o manual a gente a chamava de presidenta”, explica.

A decisão faz parte de uma tendência autoritária de perseguição ideológica. A opinião é da coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli. Segundo ela, por detrás de uma medida como essa, que pode parecer banal, está a desqualificação da luta da emancipação da mulher na sociedade.
O emprego do termo “presidenta” – autorizado pelos dicionários da língua portuguesa e espanhola – não foi uma invenção de Dilma Rousseff. Michelle Bachelet, em seu primeiro mandato no Chile (2006-2010) e Cristina Kirchner na Argentina (2007-2015), também adotaram categoricamente o substantivo feminino para designar seus cargos. Bachelet, inclusive, antes de reassumir a presidência chilena em 2014, foi a primeira líder da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e a primeira encarregada de ONU Mulheres, agência das Nações Unidas para a igualdade de gênero.
“Nos governos progressistas dos últimos anos houve um esforço maior na implantação de políticas de empoderamento da mulher. O Estado brasileiro acolheu essa demanda, e com o deslocamento de forças a partir de um golpe, a maneira de se combater isso está sendo feita com medidas autoritárias e machistas, porque essas políticas emancipadoras não condizem com a orientação política e ideológica que nos querem impor.”
“O machismo não é só comportamental, é culturalmente construído, inclusive através do vocabulário”, continua Renata. “O fato de não se usar o termo feminino de um cargo como o de presidente, não é um problema da gramática, mas porque até pouco tempo era reservado exclusivamente aos homens.”

Guinada

A mudança é a mais recente de uma série já adotada na EBC desde que Michel Temer tomou o poder interinamente. Com o afastamento de Dilma, nomeou o jornalista Laerte Lima Rimoli para a presidência no lugar de Ricardo Melo, que ocupava o cargo desde o início de maio.
Com essa manobra, foi atropelada a Lei 11.652/08, que regula a radiodifusão pública no país e, para garantir a autonomia da EBC frente a governos, determina mandato de quatro anos para a presidência da entidade.
Em sua primeira declaração como presidente da empresa, Rimoli disse que os veículos controlados pela empresa farão o básico, “arroz com feijão” no jornalismo, sem servir a propósitos que não sejam de informação. Entre os funcionários, a fala foi interpretada como um sinal de que as pautas sociais, de direitos das mulheres, LGBT, índios, negros serão abandonadas.
Trabalhadores da EBC também denunciam que quadros progressistas estão sendo sistematicamente substituídos de cargos de direção por colegas de perfil mais conservador. A mudança já se reflete na linha editorial: pautas sociais, antes predominantes na empresa de comunicação pública, estão se tornando mais escassas.
Segundo reportagem publicada pela revista CartaCapital, investigações do TCU apontaram desvios de R$ 10,6 milhões quando Rimoli era chefe da assessoria de Comunicação Social do antigo Ministério do Esporte e do Turismo durante o governo FHC. Rimoli foi um dos quatro servidores do ministério condenados a ressarcir os cofres públicos.
Laerte Rimoli foi coordenador de comunicação da campanha de Aécio Neves em 2014 e é ligado a parlamentares tucanos. Antes de ser nomeado presidente da EBC, ocupou o cargo de diretor executivo da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, nomeado pelo ex-presidente da casa Eduardo Cunha. Durante esse período, a comunicação da Câmara foi acusada de aparelhamento em favor de Cunha e seus aliados e de agir como propagandista de uma corrente político-ideológica conservadora.

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