Ódio, intolerância e medo não vencem a democracia. Por Jari da Rocha


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Quando Tommy Mair, o inglês de 52 anos, esfaqueou e baleou a deputada trabalhista Jo Cox – defensora  dos direitos de imigrantes e refugiados e, também,  da permanência do Reino Unido na União Europeia – ele ainda gritou o lema neofascista: “Britain First”.
Jo Cox morreu horas depois no hospital.

Ao contrário do que muitos pensaram, nem o sangue da parlamentar evitou que o Reino Unido se fechasse em si mesmo como se isso fosse solução para a perda de poder econômico dos trabalhadores britânicos.
Com exceção da região de Londres, o mapa da votação pintou uma Inglaterra conservadora, xenófoba e cheia de ódio. Exceções também foram a Irlanda e a Escócia, esta última, que recebeu ontem Donald Trump, encheu os lugares a serem visitados pelo candidato reacionário de símbolos islâmicos, símbolos do movimento LGBT e também bandeiras do México.
Por essa razão, como escreveu uma querida ex-aluna que faz doutorado em Edimburgo: “A Escócia fez ser quase impossível para o Trump ser filmado em plano aberto hoje sem mostrar, pelo menos, um desses pequenos, mas tão significativos, símbolos de protesto”.
No domingo passado, 19 de junho, o aparato do estado mexicano abriu fogo com metralhadoras contra professores que protestavam (contra a privatização do ensino e o plano de reformas na educação) em Nochixtlán, uma cidade no sul do estado de Oaxaca.
Resultado: 10 mortos, 45 feridos e 22 pessoas desaparecidas. O horror do estado sem limites .
Quarta-feira, dia 22, no bairro Kreuztberg (que conheço como a palma da minha mão) em Berlim, 300 policiais tomaram um prédio que fica na esquina das ruas Riga e Liebig, onde funcionava o “Riga, 94”, local de resistência de esquerda.
A ocupação, por parte da polícia, foi espetacular, utilizando escadas dos carros de bombeiro para chegar aos apartamentos mais altos. Evacuação total, mas a cereja do bolo, no entanto, é a restauração do local para que seja alugado a refugiados sírios. Ou seja, a ideia é jogar pessoas que defendem a mesma coisa contra si.
A operação aconteceu bem cedo da manhã, enquanto pais levavam crianças à escola. Segundo relatos do jornal Junge Welt, um pai disse para sua filha: “É o Henkel querendo brincar de guerra”. Se referindo ao ministro do Interior, Frank Henkel (uma espécie de Alexandre de Moraes, o atual ministro interino da justiça, por suas atitudes e modo de pensar) que precisa mostrar ‘serviço’ para as eleições de setembro.
O quebra-quebra que temos visto nas ruas de Paris mostra uma população inconformada pela tentativa do estado em restringir direitos trabalhistas e liberdade civis.
No último dia 14, as manifestações reuniram mais de um milhão e trezentas mil pessoas nas ruas. Há previsão para novas manifestações e sabe-se lá o que pode acontecer.
E chegamos ao Brasil, que tem vivido o pesadelo de um golpe que mostrou as garras desde o primeiro dia que o governo usurpador tomou conta.
No entanto, se voltarmos um pouco a fita, veremos que o estado máximo da truculência, da mão pesada, das restrição de direitos é o estado mínimo desejado e defendido por ‘revoltados cheirosos’ em avenidas paulistas pelo “Brazil”. Nem todos são brancos, nem todos são ricos.
Um estado de bem estar social mínimo, um estado que corta recursos de educação, saúde e recursos para os mais pobres, mas que, ao mesmo tempo, socorre grandes empresas e bancos e não poupa esforços para ‘reajustar’ os salários de poucos que ganham fortunas.
Estados da república governados pela mesma turma que se apoderou do governo federal, já vinham demonstrando como se governa para poucos.
O Paraná inaugurou a pancadaria aos professores, São Paulo, por sua vez, expandiu a porrada: bate em professores, alunos e quem mais tiver por perto.
E ainda tem o meu Rio Grande do Sul, o “estado mais politizado do país”, Rio Grande “melhor em tudo”, o estado de “gente trabalhadora” e o mesmo estado que já teve fortes adesões de um dia se separar do resto do Brasil.
Aqui no Rio Grande, o governo eleito por 62% da população que queria tirar o PT do governo, além de bater e prender alunos, professores e servidores, ainda atrasa e parcela salários.
Os eleitores do governado Sartori, certamente, compreendem que a onda de violência no estado  não pode ser combatida, uma vez que a Brigada Militar está ocupada demais com os ‘bagunceiros’ que protestam.
É verdade, sim, que há um golpe no país e que vai, indiscutivelmente, acabar com todo e qualquer direito dos trabalhadores.
Um golpe que já está restringindo nossas liberdades individuais.
Um golpe que nos prostra de joelhos e nos reduz a quintal estadunidense.
Um golpe que levou ao poder pessoas que já provaram (inclusive espiões) que são contra o Brasil e os brasileiros.
Pessoas essas que são blindadas por seus crimes, cujos rastros de corrupção estão tão enraizados que remontam há mais de meio século.
São pessoas que entregam nossas riquezas de mãos beijadas para empresas estrangeiras (vejam que aí não há xenofobia dos batedores de panelas), riquezas essas, que poderiam transformar a vida de todos para melhor.
E tudo isso tem relação com o desenvolvimento do país, com a soberania nacional, para que o país pudesse se orgulhar de fazer a diferença no cenário mundial.
É um golpe porque essas pessoas não foram eleitas. Mas também é verdade, que os déspotas que governam estados autoritários da federação, chegaram lá através do voto.
Há uma parte da sociedade que aplaude a polícia que bate em adolescentes, que bate em professores e que invade inesperadamente qualquer lugar ‘suspeito’ para dar ordens do tipo: “Branco sai, preto fica”.
Essa parte da sociedade, enquanto tenta manter privilégios, não se dá conta que perde direitos. O ódio cega, sempre soubemos disso.
Tão acostumados em se projetar, como se ricos fossem, esquecem-se de sua própria condição. Estão no mesmo barco que nós, o povo, e não fazem parte daquele 1% que tem benesses oferecidas pelo governo que é capacho para os ‘patrões’ e carrasco para o resto do povo.
Somos o resto, ainda é difícil entender isso?
Sim, a resposta é óbvia. Basta observar celebridades (do vôlei ou do basquete, não me pergunte qual) tuitando que, mesmo não entendo a diferença entre uma coisa e outra, o importante é que “os ingleses fizeram o que é melhor para eles”.
Nesse afã de opinar sem entender, as opiniões vão sendo formadas através de multidões de imbecis como nos alertou Umberto Eco antes de morrer. Sim, Eco também andou sendo xingado de comunista e petralha.
Portanto, é como dar murro em ponta de faca. Não serão professores de graduação, mestrado ou doutorado, muitos dos quais enxergam a sociedade pelo buraco da fechadura da universidade que farão alguma diferença.
Não serão as pessoas de bem e que aplaudem o recrudescimento do estado, o reajuste fiscal desde que não afete seus projetos pessoais (e normalmente nunca são afetados) e que fazem de conta que não veem o endurecimento dos corações mundo afora.
Perguntei para quatro professores doutores e nenhum deles soube do que aconteceu no México, nenhum deles sabe o que significa o movimento neonazista Pegida, alguns ouviram falar das manifestações em Paris, outros não têm opinião sobre o Brexit. Nenhum deles tem opinião sobre o golpe no Brasil.
Este formadores de novos professores e cientistas não sabem o que ocorre no mundo porque estavam ocupados demais com atualizações de seu currículo Lattes, com relatórios a serem enviados a CAPES ou ainda, com dissertações e teses, muitas das quais, ficarão adormecidas nalgum arquivo virtual até o fim da humanidade.
Essa turma que tomou conta do governo brasileiro não se resume a Temer e meia dúzia de ministros destituídos e/ou atolados em denúncias de corrupção.
Mal falam a nossa língua e premiam políticos, empresários e jornalistas que não gostam nem Brasil nem dos brasileiros. O negócio dessa turma é “time is money”.
Se cair Temer, tudo bem. Empurra-se com a barriga até o fim do ano e daí taca-lhe nas costas da democracia uma eleição indireta.
Veja a que ponto? Sairemos novamente às ruas gritando “abaixo a ditadura” e “diretas já”. Voltaremos a discutir interminavelmente que todas as pessoas devem ser livres independentemente de credo, opinião, religião, sexo ou cor?
Esse quadro de horror não pode ser terceirizado. Sabemos quem são os inimigos e sabemos o que queremos: preservar a democracia.
Ela, a democracia, nunca foi barata. Somos criativos o suficiente para não deixarmos que ela se perca novamente pois, o mais importante, somos a maioria.

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