O pântano das espertezas e traições

bicudos
Não fui o único a perceber a providencial conjunção de uma nova onda de denúncias contra Eduardo Cunha – que tem malfeitos suficientes para tantas ondas quanto as tem um oceano – e o providencial favor que seria a Michel Temer o extermínio político do presidente afastado da Câmara sem que ele se arrisque à retaliação pela quebra dos compromissos que com ele tem.
André Singer, hoje, na Folha, mostra ter percebidos também estes sinais:

“Como já se tornou praxe nos últimos seis meses, a transformação de Cláudia Cruz em ré ocorre no momento mais adequado para produzir efeitos políticos. Depois de inúmeros adiamentos, foi marcada para a próxima semana a votação do parecer que pede a cassação do parlamentar carioca. Dividida rigorosamente ao meio, a Comissão de Ética deve decidir sob o impacto da afirmação midiática do mosqueteiro Dallagnol: “Dinheiro público foi convertido em sapatos de luxo e roupas de grife”.
Daí a funcionar, são outros 500, porque Cunha vem mostrando uma inacreditável resistência e conservando, ao que parece, o controle senão da maioria, ao menos de uma parcela da base governista que Temer em hipótese alguma pode deixar de contar quando começar a fase “hard” do governo: a dos cortes de direitos sociais e trabalhistas e a de venda do patrimônio público, que são a razão de ter ascendido ao poder.
Singer destaca esta dependência, que está à vista de todos:
“O problema é que as hostes cunhistas têm se mostrado infensas ao burburinho da opinião pública e publicada. Depois de tantos indícios revelados, o deputado continua com expressivo apoio parlamentar. O presidente interino da Câmara e o líder da maioria, para ficar em exemplos maiores, fazem parte da escolta, apesar de todos os pesares.”
A previsibilidade do quadro político, porém, é hoje zero em nosso país.
O Brasil entrou no “modo traição e oportunismo”, que vai da mais rastaquera sordidez de se gravarem conversas a granel até o estabelecimento de uma “pauta-bomba judiciária”. Parece haver estantes na Procuradoria Geral da República e no próprio Supremo Tribunal Federal diante das quais decide-se “o que temos para hoje”: os alfinetes da madame, o envio do Lula para Moro, mais um processo contra Cunha, um pedido de prisão para Renan…
O estoque é vasto, por certo, mas fica a impressão que o tempo político é o senhor das razões de algo “andar” a cada momento: cinco meses para afastar Cunha, cinco horas para impedir Lula de assumir um ministério.
Viramos o país dos golpistas.

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