Mino Carta: O Judiciário manda

Editorial

A Polícia Federal substitui os tanques no projeto de poder da turma togada
por Mino Carta — na Carta Capital - publicado 03/06/2016 10h59
                                                                               Wanezza Soares e Rafael Arbex/Estadão Conteúdo
Trabuco e Pinheiro
Exemplos gritantes: o indiciamento de Trabuco e a negação do acordo de delação de Pinheiro
O Poder Judiciário ergue o tom de voz, pretende mostrar a que veio e aonde quer chegar no mesmo momento em que o poder parlamentar, em cujas sedes o golpe progrediu até o afastamento de Dilma Rousseff, complica-se com as gravações de Sérgio Machado e as reações ao pacote do ministro Meirelles. Sem contar a ameaça iminente das delações da Odebrecht e de Machado Júnior.
E aí se encaixa o indiciamento do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, e de mais dois altos executivos da instituição, e outros seis cidadãos pretensamente envolvidos em uma trama criminosa.

O caso do Bradesco é exemplar da situação em que o golpe em marcha mergulha o País. O banco tem uma tradição digna e sempre foi válido suporte da indústria brasileira. Este enredo mostra que no Brasil os corruptos levam a melhor contra quem não se deixa corromper.
Os fiscais nativos não são flores de orquidário, isto é do conhecimento até do mundo mineral. Desta feita, decidiram achacar o Bradesco por razões que não excluem a chantagem, a ponto de se prontificarem a sugerir a entrada em cena de certo grupo de lobistas, capacitados a encontrar uma solução favorável a todos, com exceção do próprio Fisco e do cofre do Estado.
O Bradesco rejeitou a sugestão, mas os fiscais voltaram à carga: exigiam uma multa de 3 bilhões de reais. O banco propôs um acordo ao Carf, foi negado por 6 a 0.
Ao contrário do alegado pelo indiciamento da Polícia Federal, habilitada a tanto pelo Ministério Público, Trabuco nunca participou de encontros com os lobistas, tampouco se dispôs a usar-lhes os préstimos.
Inclino-me a crer que incomodam togas e polícia as boas relações que o presidente do Bradesco mantém com Luiz Inácio Lula da Silva. Foi quem, aliás, sugeriu a Dilma, logo após a reeleição, chamar Trabuco para o Ministério da Fazenda.
Há mais a exibir o açodamento do Poder Judiciário, que hoje substitui os tanques de outrora pelas indômitas e obedientes coortes da Polícia Federal. Assume a ribalta o costumeiro Sergio Moro, que se nega a selar acordo de delação com Leo Pinheiro, presidente da OAS.
Por quê? Simples, simples demais. Porque Pinheiro insiste em inocentar Lula nos casos da reforma do fantasmagórico triplex na praia dos farofeiros e do sítio de Atibaia cercado pela favela. Cabe, desta vez, invocar até a memória do mundo mineral: o ex-presidente preferiu não ficar com o triplex e a OAS poderá vendê-lo a quem se dispuser a passar seus fins de semana em meio a piqueniques na areia.
Quanto ao sítio, não há cartório em que se prove ser propriedade dos Lula da Silva, e Pinheiro tem todo o direito de afirmar que a reforma, de pouca monta, foi presente de amigo.
Fatos deste naipe afirmam a força de que se sente investido o Poder Judiciário, e, no comando da política brasileira, o juiz curitibano. Consta que, ciente dos riscos a cercá-lo, o presidente interino Michel Temer se prepara a tecer loas à Lava Jato no seu próximo discurso, para reparar os estragos provocados pelos grampos de Sérgio Machado, de gravador escondido no bolso do paletó. 
Uma história mal contada - ou, como confiar no propagandista da Folha?
Uma peça encenada em São Paulo no teatro do Tusp pela Companhia do Latão, O Pão e a Pedra, refere-se a um episódio da greve dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema em 1979. Por dois dias, o presidente do sindicato, Luiz Inácio da Silva, melhor conhecido como Lula, teria abandonado os companheiros por dois dias enquanto a ditadura investia contra os grevistas.
O assunto empolga um dos propagandistas que com suas colunas enfeitam a Folha de S.Paulo, Mario Sergio Conti. Trata-se de alguém habilitado a esquecer o fato em proveito da sua versão. Não assisti à encenação e me limito a transcrever a seguinte passagem do texto de Conti: “Reapareceu (Lula) para, contra o ímpeto dos grevistas, fazer com que voltassem às fábricas e engolissem um acordo danoso”.
A revista IstoÉ que então eu dirigia, dedicou mais de uma capa às greves de São Bernardo e Diadema em 1978, 79 e 80. Nas duas primeiras paredes, Lula negociou com os patrões com o apoio dos seus comandados. Situações que tais impõem concessões recíprocas em busca do acordo.
Não consta que o de 1979 tenha sido danoso, de fato a popularidade do presidente do sindicato não arrefeceu. No ano seguinte, chegou ao auge. A repressão foi feroz com o emprego de brucutus, helicópteros de guerra, tropa de choque armada até os dentes.
A greve só terminou com a prisão de Lula, que logo mais acabaria enquadrado na chamada Lei de Segurança Nacional.
Não sei quais similitudes a peça pretende expor com a situação que vivemos desde a reeleição de Dilma Rousseff. A Companhia do Latão tem fama de competente e engajada no melhor sentido. Inconfiável, certamente, é o propagandista da Folha.

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