Marcos Coimbra: O presente no passado
Opinião
As semelhanças entre o impeachment de Dilma e dois afastamentos presidenciais em 1955
por Marcos Coimbra — na Carta Capital - publicado 01/06/2016
Jefferson Rudy/ Agência Senado
Antes de Fernando Collor e Dilma Rousseff, tivemos dois impedimentos presidenciais |
Passados 60 anos, um capítulo pouco lembrado de nossa história volta a ser relevante. Não como curiosidade para entreter pesquisadores, mas por jogar luzes sobre os problemas de hoje.
Em novembro de 1955, portanto muito antes de Fernando Collor e Dilma Rousseff, tivemos dois impedimentos presidenciais. Nunca foram estudados em profundidade, mas são reveladores de como as elites brasileiras exercem o poder.
Esses dois impeachments pré-modernos mostram como era o jogo político naqueles tempos: um lado queria derrubar quem havia vencido a eleição, o outro manter o resultado. O desempate veio de fora do sistema político, das Forças Armadas.
Quando elas se manifestaram, o Congresso correu para entregar a encomenda e o STF deu “legalidade” a tudo. A “grande imprensa” perdeu aquela batalha, mas engordou e se preparou para vencer a seguir.
Parece familiar? E é mesmo.
São, no entanto, imensas as diferenças entre o país de então e o de agora. Tornamo-nos uma sociedade maior e mais complexa e acabamos de experimentar um ciclo de governos populares que alterou radicalmente as relações políticas. Também são óbvias as diferenças entre Dilma, Carlos Luz e Café Filho, seus dois antecessores destituídos pelo Congresso naquele ano.
Luz é conhecido por ter sido presidente por quatro dias e seria apenas uma nota de pé de página se não fossem as condições pelas quais chegou ao cargo e o deixou. Como presidente da Câmara dos Deputados era o segundo na linha sucessória criada após a morte de Getúlio Vargas. Café Filho, o vice-presidente (sempre eles! Já estamos no quarto a assumir!) em exercício, apresentou pedido de licença médica. Abriu-se, assim, o caminho para o efêmero governo.
Foi, na verdade, uma manobra arquitetada pela UDN e outros partidos conservadores, com apoio da mesma elite econômica e militar que desfecharia o golpe em 1964. Com Luz no governo, pretendiam evitar a posse de Juscelino Kubitschek, do PSD, e João Goulart, do PTB, eleitos presidente e vice em outubro. Como havia dito Carlos Lacerda após a eleição: “Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse e não vão tomar posse”.
Inventado como golpe antieleitoral, o governo Luz acabou em 11 de novembro, por um contragolpe militar e político. Mas o ministro da Guerra, marechal Lott, “respeitou a legalidade”: acionou o Congresso, que respondeu no mesmo dia e aprovou o impeachment. Resultado: 228 votos a favor e 51 contra, somados deputados e senadores.
Dez dias depois, foi a vez do próprio Café Filho, tão alinhado com os golpistas quanto Luz, que queria reassumir o mandato. Em 22 de novembro, o Congresso, a pedido dos ministros militares, aprovou seu impedimento, por 208 votos a favor e 110 contra.
Para confirmar o caráter partidário da votação, 95% dos congressistas do bloco PSD-PTB votaram pelo impeachment e 99% da UDN contra. O Supremo Tribunal Federal deixou o tempo passar até janeiro de 1956, quando o recurso de Café foi considerado “prejudicado”, com a posse de Juscelino.
Revisitar esses tempos tem um curioso sabor. A contradição de fundo de nossa vida política moderna, que opõe uma coligação predominantemente democrática e com conteúdo popular a outra predominantemente elitista e conservadora, expressa hoje na versão petismo vs. antipetismo, manifestava-se de forma distinta, mas lá estava.
Os derrotados naqueles dois impeachments (e que viriam a vencer em 1964) chamaram de “golpistas” aqueles que defendiam a primazia das urnas.
Notável lembrar o editorial de O Globo de 25 de novembro daquele ano, a respeito do duplo impedimento de Luz e Café Filho. Contristado, lamentou a “deposição de presidentes constitucionais” e preocupou-se com a ameaça de desequilíbrio institucional advinda de um Congresso poderoso contra um Executivo enfraquecido.
“A maioria ocasional do Congresso, agindo confessadamente por motivos políticos, entendeu de apear do poder os cidadãos que exerciam, de forma absolutamente legal, a suprema magistratura do país (...). Gostaríamos que aqueles que hoje aplicam com tanto açodamento o remédio do impedimento meditassem sobre o precedente que estão criando (...). O Congresso que exorbita de suas funções é uma ameaça à normalidade da vida constitucional do país”.
Fossem coerentes, o jornal e aqueles a quem representa deveriam ter reagido ao processo de impeachment de Dilma Rousseff com os mesmos argumentos. Mas lógica e honestidade intelectual nunca valeram muito nas lutas políticas ou no periodismo brasileiro.
***
Comentários